quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Cadete: ides comandar, aprendei a obedecer, Marcelo Pimentel Jorge de Souza, FSP


Marcelo Pimentel Jorge de Souza
Passei quatro anos de minha juventude lendo diariamente esta frase, escrita no pátio de formaturas da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman): "Cadete: ides comandar, aprendei a obedecer." Inaugurada em 1944, a escola saiu do Rio de Janeiro, então capital, para evitar que cadetes continuassem imersos na efervescência política da República Velha e dos conturbados anos 30.

"Discípulos" de Caxias, o "pacificador", tínhamos ciência do significado daquela frase, pois estávamos sendo forjados chefes militares para obedecer e emitir ordens tecnicamente corretas, moralmente aceitáveis e eticamente justas "“ sempre legais.

Para comandar, também pelo exemplo, teríamos que aprender a obedecer, pois o disciplinado de então seria o disciplinador de sempre, numa estrutura rigidamente hierarquizada como a militar. Chama-se a isso de "hierarquia e disciplina", princípios das Forças Armadas consagrados no artigo 142 da atual Constituição.

Por isso, soou-me muito estranho ao ler, nas páginas de revista de grande circulação em 1986, a carta de um capitão, chamado Bolsonaro, reclamando de soldo e fazendo críticas à política salarial do governo Sarney, apenas um ano após o término de longevo regime militar.

Sabíamos que militares na ativa não deviam manifestar-se daquele modo, sem autorização de seus superiores, por lógica muito simples: se capitão fazia, qualquer outro militar, de soldado a general, também poderia fazer o mesmo.

No ano seguinte àquela primeira desobediência, o mesmo oficial protagonizou outros atos de indisciplina, não somente em relação a salários, mas também por discordar de temas da política nacional.
Submetido a diversos procedimentos de natureza judicial, era considerado péssimo exemplo em quase todo o Exército e sua atitude inspirara outras ações preocupantes, como no caso de um capitão em Apucarana (PR) que resolvera comandar sua tropa em invasão à prefeitura para reclamar de soldos.
Bolsonaro manifestara publicamente seu apoio à indisciplina do colega do Paraná.

Sua saída do Exército para a política, ao ser eleito vereador em 1988, teve distintos significados. Para o então comando dessa Força, um alívio, porque se livrava de um "mau exemplo", que, seguido, poderia comprometer o processo de redemocratização; para alguns colegas do capitão, especialmente os que se engajaram na "luta salarial", significou uma espécie de traição, pois ficaram sujeitos a incerto futuro profissional; para os "de juízo", serviu como claro aviso de que deveriam ficar distantes dele, se quisessem prosseguir com êxito em suas carreiras.

Para o próprio capitão, uma oportunidade de somar aposentadoria integral (com apenas 16 anos de serviço) à renda considerável de uma nova profissão, na política, que lhe daria o conforto financeiro e a projeção pelos quais tanto ansiava.

Para mim, tenente àquela época, o significado foi mais singelo: não se adaptara à carreira, faltando-lhe a compreensão do essencial na profissão militar --o respeito incondicional à "hierarquia e disciplina".

Hoje, coronel na reserva, estou preocupado porque o "mau exemplo" de outrora é, agora, presidente da República e chegou ao cargo em grande medida pela indevida associação eleitoral de sua figura aos valores das Forças Armadas. Minha preocupação não é só porque o considero extremamente despreparado para a função. O desobediente capitão será, a partir de janeiro, o comandante em chefe das Forças Armadas e jurará obedecer à Constituição.

Minha maior preocupação é que não tenha compreendido, até hoje, o significado daquela frase que emoldura o pátio da Aman: "Cadete, ides comandar, aprendei a obedecer". Espero que eu esteja errado.
Marcelo Pimentel Jorge de Souza
Coronel de Artilharia (reserva) do Exército e mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme)

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