O G-20 foi criado para ajudar a coordenar políticas para administrar com um mínimo de harmonia a ordem global. No entanto, se hoje há mais dissenso do que consenso, se há uma guerra comercial em curso, se a política do presidente do país mais poderoso do mundo é não olhar para os interesses dos demais, mas colocar os dos Estados Unidos acima de todos, em que consiste obter consenso mínimo? Talvez esse encontro se encarregue apenas de ordenar minimamente desentendimentos e conflitos de interesses.
O presidente Trump já determinou, por exemplo, que não se trabalhe mais para o livre-comércio, mas que as demais economias se conformem com reduzir seus superávits com os Estados Unidos, de maneira a garantir mais emprego para os trabalhadores americanos. No ano passado, a balança comercial dos Estados Unidos registrou déficit com 102 países. E esse empenho de Trump já é suficiente para criar novos enroscos globais. Tanto é que as primeiras minutas do documento a ser assinado pelos maiorais do mundo em Buenos Aires ignora questões de comércio exterior.
Neste momento, o maior conflito está sendo travado entre Estados Unidos e China. Trump já impôs tarifas alfandegárias sobre importações da China que alcançam US$ 250 bilhões por ano. E a China, por sua vez, retaliou mais ou menos nas mesmas proporções. Pelos canais diplomáticos, no entanto, as portas se mantêm abertas para o entendimento possível. Assim, o fato macropolítico mais importante desta reunião de cúpula é o encontro entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, o terceiro que acontece entre os dois.
Quem chega agora e olha para esses dois pesos-pesados pode ter a impressão de que a estratégia de Trump nesse ringue consista em nocautear Xi e a estratégia do líder chinês, em se esquivar dos golpes do norte-americano para, lá pelas tantas, levá-lo às cordas. Mas não é tão simples.
Estados Unidos e China vivem hoje uma relação simbiótica, de mútua dependência econômica. Se, de um lado, os Estados Unidos vêm importando demais da China, por outro lado não podem abrir mão do financiamento em dólares que a China proporciona para a cobertura do déficit fiscal, que em 2018 alcança US$ 779 bilhões. É com os dólares obtidos com o superávit comercial com o resto do mundo, principalmente com os Estados Unidos, que a China compra os títulos do Tesouro dos Estados Unidos hoje incorporados às suas reservas de US$ 3,1 trilhões. Se, numa situação limite, os Estados Unidos deixarem de importar da China, ou terão de produzir mais caro o que consomem, ou terão de importar de outros países. Ou seja, o risco não é apenas de mais inflação, mas, também, de alta dos juros, na medida em que haverá menos demanda para os títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
Outra maneira de encarar essa complementaridade ou esse desequilíbrio complementar, digamos assim, é pelo lado da poupança. Os Estados Unidos operam hoje com uma poupança insignificante, de apenas 4% do PIB. A China poupa mais de 50%. Se os Estados Unidos reduzirem seu consumo, poderão importar menos e conviver com um déficit comercial mais baixo. Se a China consumir mais, terá menos produção para exportar e um superávit também mais baixo. Ou seja, não se trata de que o mais forte enquadre o mais fraco, mas de produzir ajustes recíprocos.
Este não é o único tema em pauta nesse encontro, se é que alguma coisa desses termos será tratada pelos dois. O presidente Trump vem acusando a China de pirataria tecnológica, principalmente no campo digital, e de movimentos imperialistas no resto do mundo, notadamente sobre os países emergentes.
Ninguém espera desse encontro entendimento definitivo entre as duas superpotências. Talvez não aconteça nem a decisão de seguirem conversando, tampouco a de criar um mecanismo bilateral qualquer que se encarregue tanto de apagar eventuais incêndios como de organizar saídas para determinados impasses. Mas uma simbiose não se destrói apenas com jogo político.
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