Em todas as cidades que visito, saio em busca dos sebos de livros, que, às vezes, vêm até mim
Já escrevi isto aqui. Em todas as cidades que visito, a trabalho ou por prazer, saio em busca dos sebos de livros. Às vezes, não preciso procurar —segundo Heloisa Seixas, eles é que surgem no meu caminho, como se mudassem de rua para me encontrar. Ou, então, é o cheiro das velhas encadernações que parece me atrair e guiar. O fato é que conheço sebos em São Paulo, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte, cidades a que me convidam com mais frequência.
Em Belo Horizonte, há cinco anos, descobri um sebo no famoso Edifício Malleta. Não no 1º andar, onde há pelo menos dez sebos e é impossível perdê-los. Mas no 6º andar, em meio a dezenas de salas de escritórios caretas. A plaquinha na porta dizia: Assumpção Livreiros. Era bem ao meu gosto: bagunçado, quase um depósito e, certamente, com várias gerações de ácaros. Seu proprietário, professor Renato —“Nada de professor. Apenas Renato”, ele corrigiu—, era um homem magrinho, pequenino, acima de oitenta e, sem dúvida, íntimo de cada um daqueles milhares de livros.
Nas vezes em que estive lá, à procura dos títulos mais díspares, sempre anteriores a 1930, ele conhecia muitos, possuía alguns, falava-me de outros de que eu não sabia e me instruía sobre onde encontrá-los. Era um professor. Para mim, virou cláusula pétrea: sempre que em Belo Horizonte, ia visitar professor Renato. Fiz isso de novo há algumas semanas. Mas, desta vez, não o encontrei. Morrera havia poucos dias, atropelado.
Na verdade, não o conheci direito. Não sei se tinha saúde, se era feliz e se o sebo era um hobby ou um meio de vida. Só sei que, tanto quanto a pessoa, lamento a perda do que havia em sua cabeça —décadas de convívio com os livros e com o conhecimento.
Imagino que, pelo Brasil, morra todo dia alguém como professor Renato. E temo que não esteja havendo reposições suficientes.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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