Carolina LinharesJosé MarquesRaquel Landim
BELO HORIZONTE e SÃO PAULO
A prisão de três executivos da J&F, dona da JBS, que são delatores da Lava Jato, foi necessária, segundo a Polícia Federal de Minas Gerais, responsável pela Operação Capitu deflagrada nesta sexta (9), porque os colaboradores omitiram informações.
"A Polícia Federal descobriu omissões intencionais e contradições graves que colocam em xeque a credibilidade da colaboração, isso caracterizou obstrução de Justiça e prejuízo à instrução criminal do inquérito policial instaurado", afirmou Mário Veloso, delegado responsável pela investigação.
"Mentiram e omitiram em alguns pontos. Há indícios muito fortes sobre isso. Por isso as prisões foram expedidas", disse o delegado em entrevista coletiva na sede da PF em Belo Horizonte.
Questionado pela Folha sobre a necessidade de prender pessoas que já se tornaram colaboradores por meio de delação premiada, Veloso afirmou que houve obstrução de Justiça.
"[A prisão foi necessária] Para que elas não atrapalhassem as investigações, os depoimentos, para que a gente pudesse coletar todas as provas sem interferência da organização criminosa. E eles vinham obstruindo a Justiça, a gente tem elementos fortes de que os integrantes dessa organização criminosa estavam atrapalhando a coleta de provas pela PF."
Em maio, a Polícia Federal de Minas instaurou um inquérito para apurar fatos narrados na delação da JBS, como um desmembramento determinado pelo próprio Supremo Tribunal Federal à época da homologação da delação. O objetivo era investigar pagamento de propina no Ministério da Agricultura (Mapa) e a políticos do MDB em troca de benefícios para a empresa produtora de carnes.
Foram presos Joesley Batista, Ricardo Saud e Demilton de Castro, da J&F, em São Paulo. Florisvaldo Caetano de Oliveira, também da empresa, teve o mandado de prisão expedido e se entregará em São Paulo, segundo sua defesa.
Também foram alvos de prisão o vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade (MDB), que foi titular do Mapa entre 2013 e 2014, e seu sucessor no ministério, Neri Geller (PP), eleito deputado federal neste ano. João Magalhães (MDB), deputado estadual em Minas, também foi preso por ajudar a distribuir a propina paga pela JBS à bancada mineira do MDB.
De acordo com Veloso, Joesley, Saud e Castro estiveram na sede da PF em Belo Horizonte em três ocasiões para prestar depoimentos. O delegado afirmou, porém, que verificou que os delatores estavam omitindo informações, como o pagamento de R$ 250 mil a Geller, por exemplo, que foi noticiado pela imprensa.
Outro ponto omitido, segundo o delegado, foi o pagamento de R$ 50 mil ao então deputado federal Manoel Junior (MDB-PB) para que ele promovesse a federalização das inspeções sanitárias por meio de uma emenda em uma medida provisória de 2014 que tratava do setor farmacêutico. Essa informação foi obtida pela PF em outro inquérito em andamento em Uberlândia.
"Esse é um fato que não foi declinado na colaboração dos quatro envolvidos dessa empresa. E que foram pagas propinas tanto para o setor do Mapa que interessava à empresa quanto para o titular na época", disse Veloso.
A Folha questionou se os pagamentos de propina não haviam sido revelados em momento algum pelos delatores, e o delegado informou que não.
No entanto, conforme o advogado Pierpaolo Bottini, que defende Joesley, a participação de Caetano, funcionário da J&F, nos crimes investigados “sempre esteve clara”. “Ele, inclusive, entregou um anexo sobre o assunto”, diz Bottini.
No anexo, Caetano declara que entregou R$ 250 mil ao então ministro Geller, em seu gabinete em Brasília. O colaborador inclui no anexo uma foto que tirou com o ministro após a entrega.
Veloso afirmou que, após concluir que houve omissões e contradições, pediu um novo depoimento aos três empresários, que acabou sendo feito por escrito por questões de logística e urgência. Somente nesse quarto depoimento é que Caetano foi incluído. Ainda assim, segundo o delegado, os delatores não disseram tudo o que sabiam.
"Nessa manifestação por escrito foi incluído um quarto colaborador da empresa, que eles alegavam que não tinha participação nos fatos investigados. Mas a polícia descobriu que ele realmente tinha", afirmou.
De acordo com o delegado, as omissões tinham o objetivo de dirigir a investigação da PF para determinados fatos, protegendo outros personagens envolvidos.
"Tirar a Polícia Federal da linha de investigação correta, levando ela para o interesse desses colaboradores e não para o interesse dessa operação em si. Colocando em risco a credibilidade da Polícia Federal, responsável pela investigação, do Ministério Público, responsável pela denúncia e da própria Justiça", disse.
OBSTRUÇÃO DE JUSTIÇA
O delegado apontou ainda outros episódios caracterizados como obstrução de Justiça, como o ocultamento e a destruição de parte do material probatório em uma empresa da JBS ainda em 2015.
Também afirmou que, no ano passado, ao notar que as investigações se aproximavam do esquema da JBS com o MDB mineiro, o deputado João Magalhães procurou a empresa para que fosse dada aparência de legalidade a um esquema de lavagem de dinheiro.
Ainda em 2014, a empresa repassou R$ 30 milhões para o então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que concorria à presidência da Câmara. Cunha também foi alvo de prisão da operação, mas já está preso. Ele repassou metade para Andrade, segundo a PF.
Magalhães, então, foi responsável por captar escritórios de advocacia que, por meio de notas frias, fizeram com que esse dinheiro fosse distribuído entre os beneficiários finais, que eram políticos do MDB de Minas.
No ano passado, a JBS chegou a elaborar contratos para empregar os advogados e tentar ocultar o esquema de lavagem. Os seis advogados, cinco de Minas e um do Rio, foram alvos de prisão.
A DEFESA
O advogado de Joesley Batista, Pierpaolo Bottini, afirmou que seu cliente ficou surpreso com o mandado de prisão, porque ele ainda é um colaborador da Justiça e já apresentou os fatos que levaram à operação desta sexta.
Segundo Bottini, não há nenhum fato que Joesley não tenha apresentado às autoridades. A defesa pediu ao Tribunal Regional Federal em Brasília que reconsidere a decisão que determinou a prisão temporária.
"Eu estou entendendo que o delegado da Polícia Federal entendeu que alguns fatos não foram relatados, o que não procede", afirmou Bottini, após o depoimento do seu cliente na sede da Polícia Federal em São Paulo.
"Todos os fatos foram relatados e essa investigação só existe porque os colaboradores tomaram a iniciativa de entregar todos os documentos à Polícia Federal."
Joesley cumpre, atualmente, sua pena com tornozeleira eletrônica, sem restrições de deslocamento dentro do país.
Segundo apurou a reportagem, os advogados vão argumentar que não há motivo para a prisão e, mesmo que houvesse, seus objetivos —ouvir os suspeitos e fazer busca e apreensão de documentos— já foram cumpridos.
Bottini diz que a prisão do empresário não faz sentido, porque os crimes investigados fazem parte de sua delação, e seu acordo de colaboração premiada continua válido. O advogado ressalta ainda que Joesley já prestou depoimento nesse inquérito.
Segundo a defesa, Joesley e Saud prestaram três depoimentos cada um no inquérito sobre essas investigações, apresentando planilhas, documentos e relatos escritos.
Outro advogado da defesa, André Callegari, diz que Joesley Batista tem cumprido à risca a função de colaborador da Justiça, "portanto, causa estranheza o pedido de sua prisão no bojo de um inquérito em que ele já prestou mais de um depoimento na qualidade de colaborador e entregou inúmeros documentos de corroboração. A prisão é temporária e ele vai prestar todos os esclarecimentos necessários".
A defesa do vice-governador de Minas, Antônio Andrade, afirmou que se manifestará assim que tomar conhecimento do conteúdo do inquérito.
"Durante o depoimento, Antônio Andrade respondeu tudo o que lhe foi perguntado e colaborou com o trabalho da Polícia Federal”, disse em nota.
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