Este ano, tribunais de ao menos 5 estados suspenderam leis municipais que proibiam menção a gênero
Natália CancianReynaldo Turollo Jr.
BRASÍLIA
Apontada como uma das bandeiras do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para a educação, a proposta de vetar a abordagem de gênero nas escolas, que integra o projeto de lei da Escola sem Partido, tem sofrido reveses em tribunais estaduais e no STF (Supremo Tribunal Federal).
Somente neste ano, as cúpulas dos tribunais de ao menos cinco estados (SP, RJ, MG, SE e AM) suspenderam leis municipais que proibiam menção a gênero, segundo levantamento feito pela Folha.
Agora, a expectativa é que o tema seja analisado em breve pelo plenário do Supremo.
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Além disso, desde o ano passado, a Procuradoria-Geral da República entrou no STF com ao menos sete ações contra normas de municípios de diferentes regiões que proíbem a “ideologia de gênero” nas escolas --dessas, duas tiveram liminares do Supremo suspendendo as leis. Em breve, o STF deve julgar o tema em plenário pela primeira vez.
As decisões provisórias do Supremo apontam que as normas ferem princípios da Constituição, como o da igualdade entre todas as pessoas e o da liberdade de aprender e ensinar. Citam também que apenas a União tem competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação.
Nos tribunais estaduais, que julgam casos questionados diretamente nas cortes, os fundamentos são parecidos. Alguns, como em Minas Gerais, entenderam também haver censura a professores e escolas, uma vez que as leis proíbem “qualquer discussão não só em relação ao tema, incluído de forma ampla e genérica”, “mas também ao material didático adotado”.
Para a PGR, que atua no STF, é enganoso dizer que há uma “ideologia de gênero”. “’Ideologia’ serve como palavra-disfarce. Com esse ente nebuloso, a lei pretende vedar qualquer abordagem de temas ligados à sexualidade [...] e ignorar quaisquer realidades distintas do marco heteronormativo”, afirmou o órgão.
Em São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça já proferiu ao menos sete decisões contrárias a leis que vedam a abordagem de questões de gênero ou que trazem outros pontos do Escola sem Partido. Os casos se referem a São José do Rio Preto, Santos, Taquaritinga, Matão, São Bernardo do Campo, Jundiaí e Ribeirão Preto.
Uma das decisões mais recentes é de setembro. O TJ decidiu declarar inconstitucional lei de Taquaritinga que “proíbe atividades pedagógicas que reproduzam o conceito de ideologia de gênero”.
Sancionada em 2017, a norma define o conceito como a “ideologia segundo a qual os dois sexos, masculino e feminino, são considerados construções culturais e sociais”.
Segundo o TJ, a lei feriu a Constituição estadual, que dispõe que não pode haver “qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como quaisquer preconceitos de classe, raça ou sexo”.
Autor do projeto de lei, o vereador Genésio Valensio (PRB) afirmou que deve recorrer e que não poderia falar mais por sofrer ameaças. “Falaram até que eu era contra os professores.”
“Independente de eu recorrer ou não, o Jair Bolsonaro já vai cortar”, disse.
“Independente de eu recorrer ou não, o Jair Bolsonaro já vai cortar”, disse.
A proposta de governo registrada no Tribunal Superior Eleitoral por Bolsonaro não cita o nome Escola sem Partido, mas se alinha aos pressupostos do projeto em tramitação na Câmara. “Mais matemática, ciências e português, sem doutrinação e sexualização precoce”, prega Bolsonaro.
No Rio, o TJ suspendeu em setembro uma lei de Niterói que proibia escolas de recomendar qualquer tipo de material que trate de diversidade sexual e questões de gênero. O mesmo já havia ocorrido com lei de Volta Redonda. Além desses locais, há decisões contrárias a leis dessa natureza nos tribunais de Minas, Sergipe e Amazonas.
Setores favoráveis às normas contestam. Autor do projeto que originou uma lei contra “ideologia de gênero” em Manaus, Marcel Alexandre (PHS) diz que entrou com a medida após pais reclamarem de “abusos” no ensino.
“Tenho certeza que os pais que geraram um Romeu vão olhar para ele com ideia de Romeu e dar conceitos de Romeu. Chega na escola e recebe conceito de Julieta? É complicado isso”, compara ele.
“Isso é um tema que cabe em universidade ou em ensino de segundo grau. Mas fundamental, não”, afirma. A norma acabou suspensa em maio deste ano. Alexandre diz que vai recorrer. Já a secretaria de educação de Manaus afirmou em nota que tem um grupo de trabalho para fortalecer inclusão nas escolas, o qual trabalha com temas de diversidade sexual.
No STF, a primeira das sete ações da PGR foi contra uma lei de Novo Gama (GO) que proíbe materiais com “ideologia de gênero” e submete todos os conteúdos à análise prévia do município.
Na semana passada, um recurso da PGR nessa ação entrou em julgamento no plenário virtual (via internet). Na terça (6), o ministro Edson Fachin pediu destaque, o que levará a discussão ao plenário presencial, situação inédita no tribunal.
As outras seis ações da PGR contestam leis de Cascavel (PR), Paranaguá (PR), Blumenau (SC), Tubarão (SC), Ipatinga (MG) e de Palmas, que fora liberada pelo TJ do Tocantins. Essas ações não têm relação com as dos tribunais estaduais dessas cidades porque não houve questionamento nas cortes. A PGR só ajuíza ações no STF.
As leis de Paranaguá e Palmas foram suspensas cautelarmente por decisão do relator, Luís Roberto Barroso. Os casos ainda irão ao plenário. “Não tratar de gênero e sexualidade no âmbito do ensino não suprime tais questões da experiência humana, apenas contribui para a desinformação”, escreveu Barroso na ação sobre Palmas. O ministro também suspendeu a ação que tramitava no TJ local. A Câmara de Palmas sustentou que abordar “a ideologia de gênero” extrapola a missão da escola e “implicaria afronta ao direito dos pais de educar os filhos”.
Na ação sobre lei de Blumenau ainda não há decisão. Mas o relator, Fachin, requereu informações e registrou no despacho que as alegações da PGR contrárias à norma “estão amparadas em precedentes desta corte”.
Um dos precedentes é de 2011, de um julgamento sobre outro tema, no qual o plenário reconheceu o “direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana”.
O outro, de 2016, também sobre outro tema, assentou que “o direito à educação consubstancia um compromisso com a pluralidade democrática”.
O outro, de 2016, também sobre outro tema, assentou que “o direito à educação consubstancia um compromisso com a pluralidade democrática”.
Para Toni Reis, diretor do Grupo Dignidade, que ingressou como amicus curiae (amigo da corte) nas ações no STF, deve haver diretrizes definidas por especialistas e capacitação dos professores para lidar com esses temas. “Falar sobre isso não é dar aula sobre sexualidade, é aprender que ninguém pode tocar no corpo de outro sem autorizar e que não se pode fazer bullying”, afirma.
LEIS CONTRA ABORDAGEM DE GÊNERO NAS ESCOLAS
20 municípios, ao menos, já aprovaram leis do tipo, que foram barradas na Justiça
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
Municípios não podem legislar sobre diretrizes e bases da educação, papel que compete apenas à União
Ao proibir a adoção de diretrizes sobre diversidade de gênero, leis discriminam a população LGBT.
Ao proibir a adoção de diretrizes sobre diversidade de gênero, leis discriminam a população LGBT.
Segundo a Constituição, todos são iguais perante a lei
Leis contrariam princípios constitucionais como as liberdades de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, e podem indicar censura a professores
ARGUMENTOS FAVORÁVEIS
Lei surgiu como forma de impedir os abusos e "doutrinação" feita por alguns professores com relação a orientação sexual
Abordagem da temática gênero e orientação sexual no ambiente escolar não possui fundamento no texto da Constituição
Tratar de "ideologia de gênero" ou fazer apologia a qualquer tipo de orientação sexual extrapola a missão da escola e implicaria afronta ao direito dos pais de educar os filhos
Fonte: TJs, pesquisa em jurisprudência, STF
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