Enquanto o mundo fica atônito com as declarações de Jair Bolsonarode que vai prender opositores, perseguir a imprensa e desrespeitar os direitos humanos, seus apoiadores parecem minimizar o que ele diz, tratando tudo como excesso retórico ou bravata.
É como se o princípio de que, na política, as aparências importam estivesse abolido.
A defesa desse princípio normalmente remete a um episódio narrado por Plutarco, na biografia de Júlio César.
Durante o período do pretorado, um jovem patrício chamado Públio Clódio tentou seduzir Pompeia, esposa de César. Num gesto audacioso, ele se infiltrou no festival da Bona Dea, no qual homens não podiam entrar. Disfarçado de mulher, foi desmascarado por uma das participantes e depois acusado de sacrilégio.
César se divorciou imediatamente. No julgamento de Clódio, porém, se negou a acusá-lo. O juiz perguntou por que então havia se divorciado e César respondeu que sobre sua mulher “não deveria haver sequer uma suspeita”. O episódio deu origem à máxima de que, na política, a aparência vale tanto quanto aquilo que se é, que “à mulher de César, não basta ser honesta, é preciso também parecer honesta”.
Por esse motivo, os políticos tomam cuidado redobrado com a comunicação e quando, sob um deles, recai uma suspeita, dão declarações claras, enfáticas e reiteradas, para desfazer qualquer mal-entendido. Essa, definitivamente, não é a estratégia de Bolsonaro.
De forma deliberada ou não, ele dá declarações inconsistentes, com ênfases diferentes e até mesmo com sentidos contrários. Numa declaração, diz que os oponentes vão ter que escolher entre a prisão e o exílio; em outra, que vai reconciliar o Brasil; ora diz que as minorias terão que se curvar às maiorias, ora que vai governar para todos.
Não está muito claro por que ele atua produzindo ambiguidade. Pode ser apenas vício de campanha, já que, na falta de tempo de propaganda na TV, precisou ganhar exposição produzindo polêmicas que geravam cobertura espontânea da imprensa. Pode ser ainda uma estratégia pensada, com o radicalismo retórico servindo para agitar a militância e assustar a oposição.
O que parece mesmo, porém, é que Bolsonaro está levando para a Presidência sua atitude insurgente contra o politicamente correto, essa etiqueta discursiva em respeito às vítimas da opressão. Bolsonaro quer apresentar a boa educação como divisionismo, como vitimismo e como revanchismo. Como é preciso desprezar o cuidado com as palavras que agridem o próximo, ele se dá o direito de tripudiar a democracia e os direitos humanos. Mas tudo, é claro, não passa de brincadeira.
Pablo Ortellado
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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