sábado, 10 de novembro de 2018

Mulatas brotam cheias de calor, Alvaro Costa e Silva, FSP

Na esteira do 'Ame-o ou Deixe-o', a cafonália está de volta

Macaquear o que os Estados Unidos mostram de pior em política não é um privilégio dos atuais admiradores de Trump.
Nosso "Ame-o ou Deixe-o" é uma adaptação de "Love It or Leave It", sacada do radialista Walter Winchell nos anos 1950, logo utilizada pelo senador Joseph McCarthy para justificar sua perseguição ao "inimigo interno", ou seja, os comunistas —sempre eles. Durante os protestos contra a Guerra do Vietnã, na década de 1960, a frase voltou em forma de canção country. Até ser mal traduzida por aqui na época da ditadura militar, ganhando status de slogan oficial do governo.
Até recentemente, quando alguém se lembrava do slogan, era inevitável que viesse acompanhado do complemento "O último a sair apaga a luz do aeroporto" —boutade atribuída a Ivan Lessa. Provavelmente ele nunca a tenha dito ou escrito, mas ficou como autor (se o verdadeiro dono aparecer, a coluna está às ordens para o esclarecimento).
Frame de vinheta nacionalista do SBT
Frame de vinheta nacionalista do SBT - Reprodução
Eis que o SBT passou a exibir uma série de vinhetas patrioteiras nos intervalos comerciais de sua programação. Ao som do hino nacional, o "Ame-o ou Deixe-o" ressuscitou. Era para ser um mimo ao presidente eleito. Acabou sendo um tiro pela culatra. A repercussão nas redes sociais foi negativa e a emissora de Silvio Santos retirou a chamada do ar.
Mas o estrago estético está feito. Numa das peças ainda exibidas pelo SBT, ouve-se a marchinha "Eu Te Amo, Meu Brasil", composta por Dom (da dupla com Ravel) e gravada pelo conjunto Os Incríveis em 1970. É aquela das fanfarras e dos imortais versos "As tardes no Brasil são mais douradas/ Mulatas brotam cheias de calor/ A mão de Deus abençoou/ Eu vou ficar aqui porque existe amor".
O país recafoniza-se. O pão à Bolsonaro —com derramamento de leite condensado por cima (arghhh!)— virou moda. Além da volta da calça boca de sino e do sapato cavalo de aço, pode apostar que vem mais breguice por aí.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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