O futuro da TV Brasil merece ser discutido, mas de forma séria
Menos de 24 horas depois de sua vitória nas urnas, o presidente eleito Jair Bolsonaro confirmou a intenção de “privatizar ou extinguir” a TV Brasil.
“Não podemos gastar mais de R$ 1 bilhão por ano com uma empresa que tem traço de audiência. Nós preferimos confiar na mídia tradicional quando o governo quiser fazer os seus anúncios que tem que fazer”, disse em entrevista à Record.
Em entrevista à Band, na mesma noite de segunda-feira (29), ele repetiu a ideia: “[Vamos privatizar] A EBN, Empresa Brasileira de Notícias. Não faz sentido gastar R$ 1 bilhão por ano com uma TV que tem traço de audiência”.
A Agência Lupa, especializada em checagem de fatos, corrigiu dois erros nesta fala. “A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) —e não ‘Brasileira de Notícias’— recebeu, em 2017, R$ 503 milhões em transferências da União, de acordo com o demonstrativo de resultado da empresa. A EBC teve R$ 48,6 milhões em receitas operacionais, e um prejuízo de R$ 5,6 milhões no exercício —contabilizando as transferências da União como receita. Assim, o custo da empresa para o governo federal equivale à metade do valor mencionado pelo presidente eleito.”
Em diferentes ocasiões durante a campanha eleitoral, Geraldo Alckmin também falou em privatizar a TV Brasil, referindo-se a ela, sempre, como “a TV do Lula”. “Tem traço de audiência. Tem que fechar. O tamanho do Estado precisa ser reduzido”, disse no Roda Viva, por exemplo.
O tom pejorativo adotado pelo tucano diz respeito a um erro grave, na visão dos mais variados especialistas em comunicação pública, cometido na criação da EBC, em outubro de 2007. A empresa nasceu vinculada à Secretaria de Comunicação Social e os dois cargos principais são de escolha do presidente do país.
Este vínculo funcional colocou em questão, de cara, a necessária autonomia da estatal. Isso não teria ocorrido, acredito, se a EBC fosse ligada ao Ministério da Cultura, da Educação ou, por meio de alguma solução engenhosa, tivesse outro status.
Não por acaso, uma das primeiras medidas de Michel Temer ao assumir de forma interina a presidência, em maio de 2016, foi demitir o presidente da EBC, Ricardo Melo, que havia sido nomeado por Dilma Rousseff 13 dias antes. O imbróglio jurídico que se seguiu tornou ainda mais explícito o equívoco cometido no modelo de vinculação da empresa ao governo.
Este é um problema, porém, que poderia ser corrigido de inúmeras maneiras. E não deveria ser justificativa para a extinção da empresa.
Outra questão importante diz respeito à audiência da TV Brasil, de fato, muito baixa. Em um livro publicado em 2014, o jornalista Ernesto Rodrigues analisou como a TV Cultura, ligada ao governo de São Paulo, enfrentava este mesmo problema. O título ia direto ao ponto: “O traço da Cultura - O desafio de ser ombudsman da TV Cultura, a emissora mais festejada e menos assistida do Brasil”.
Com razão, Rodrigues argumenta que uma TV pública tem a obrigação de “tornar aquela mesma programação realmente pertencente à coletividade que a sustentava, envolvendo-a, impactando-a, mobilizando-a e, em última análise, justificando a própria existência”.
Como diz o jornalista, a inclusão de conteúdos mais populares não implica necessariamente “abrir mão do senso crítico ou adotar a mediocridade como parâmetro cultural ou jornalístico”.
A comunicação pública —e não de governo— é essencial como uma alternativa à TV comercial, hoje movida basicamente pela combinação de publicidade e audiência. E o seu futuro não merece ser tratado de forma tão simplória, com observações que lembram discussões nas redes sociais.
Maurício Stycer
Jornalista e crítico de TV, autor de “Adeus, Controle Remoto”. É mestre em sociologia pela USP.
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