domingo, 25 de novembro de 2018

Escolha de Bolsonaro para Educação causa crise com bancada evangélica, FSP

SÃO PAULO e BRASÍLIA
A escolha do futuro ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro gerou uma crise da equipe de transição com a bancada evangélica no Congresso.
O nome de Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, definido por Bolsonaro para assumir o cargo, causou reação de deputados contrários à escolha —Mozart é tido como moderado entre funcionários do ministério, mas para os evangélicos não seria alinhado com o Escola sem Partido, bandeira de campanha de Bolsonaro.
Com a pressão por uma desistência do educador, o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez foi chamado às pressas de Juiz de Fora (MG) para conversar com Bolsonaro nesta quarta-feira (21). O nome do professor já circulava entre os cotados para o Ministério da Educação. 
Rodriguez é formado em filosofia pela Universidade Pontifícia Javeriana e em teologia pelo Seminário Conciliar de Bogotá. Hoje é professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).
A informação da escolha vazou na quarta (21), um dia antes da reunião marcada entre Mozart e Bolsonaro para selar a indicação.
 
Em nota, o Instituto Ayrton Senna disse que Mozart não foi convidado e que ele terá reunião com Bolsonaro nesta quinta-feira (22). 

Nas redes sociais, após a veiculação do nome de Mozart e a reação da bancada, o presidente eleito disse que "até o presente momento não existe nome definido para dirigir o Ministério da Educação".
Ao site O Antagonista, Bolsonaro afirmou que "não existe essa possibilidade" ao comentar a nomeação do diretor do instituto.

Segundo relato à Folha de pessoas próximas ao educador, ele foi sim procurado na semana passada e acenou ao futuro governo que aceitaria o posto. 

O plano da equipe do presidente eleito era de que o nome fosse oficializado nesta quinta após a reunião, em Brasília, quando Mozart e Bolsonaro discutiriam condições para ele assumir a pasta.
Membro da bancada evangélica no Congresso, o deputado federal Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ) disse que os parlamentares levaram a insatisfação ao futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). 

Onyx, segundo ele, confirmou que teve conversas com Mozart, mas que nada havia sido definido.
Mozart Ramos, futuro ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PSL)
Mozart Ramos, futuro ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PSL) - Bruno Santos/Folhapress
O deputado afirmou que o nome de Mozart “desagradou e muito”. “Para nós, o novo governo pode errar em qualquer ministério, menos no da Educação, que é uma questão ideológica para nós”, disse. 

O perfil do educador é classificado por servidores do Ministério da Educação como moderado. Em nenhum momento, por exemplo, ele deu declarações a favor do projeto da Escola sem Partido ou contra discussões sobre gênero em sala de aula.
Os dois temas, em debate no Congresso Nacional contra o que seria uma doutrinação partidária por professores, serviram para alavancar o nome de Bolsonaro no cenário nacional bem antes de sua pré-candidatura presidencial.
Com apoio dos evangélicos, o presidente eleito foi um dos líderes de movimento contra a discussão de gênero nas escolas. 

No governo Dilma Rousseff, ele denunciou a entrega para alunos do que, segundo ele, seria um kit em que se ensina a ser homossexual, o "kit gay", e de um livro sobre educação sexual para crianças. A campanha envolvendo esse tema serviu de motor político para Bolsonaro, como o próprio reconheceu.
Mozart chegou a ser sondado pelo presidente Michel Temer (MDB) para o mesmo cargo em 2016, mas, na época, recusou. Da mesma forma, declinou de um convite de João Doria (PSDB) para integrar o secretariado da Prefeitura de São Paulo.
Antes de assumir o cargo no instituto, Mozart foi presidente do Movimento Todos pela Educação e professor e reitor da Universidade Federal de Pernambuco. Ele também foi secretário de Educação do estado.
Em 2010, em entrevista à Folha, ele disse ser necessário criar uma agenda para a educação que não seja de governo, mas de Estado. 
"Há uma clareza muito grande de que, após a redemocratização do país, após a economia ficar sólida, a terceira revolução que a gente tem de fazer é a da educação: é preciso envolver toda a sociedade nisso", disse.
O desejo inicial do presidente eleito era ter à frente da pasta a presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, mas ela demonstrou resistência a assumir o posto.  ​
Na semana passada, em um encontro sigiloso, Viviane e Mozart se reuniram com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Após a reunião, Mozart negou à Folha que tivesse havido sondagem para o cargo ministerial durante a reunião.
A indicação de Mozart representaria um ponto para a deputada eleita Joyce Hasselmann (PSL-SP), que apresentou Viviane a Bolsonaro. Ainda na campanha, Senna visitou Bolsonaro em sua casa, no Rio de Janeiro.
Outra deputada federal com ascendência sobre Bolsonaro, Bia Kicis (PRP-DF), no entanto, reprova a nomeação de Mozart por considerá-lo "globalista", ou seja, não alinhado ao Escola sem Partido.
Viviane é irmã de Ayrton Senna, piloto tricampeão de Fórmula 1 que morreu em um acidente em maio de 1994, enquanto competia na Itália. 

PRINCIPAIS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO 

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 
O documento que indica o que as escolas públicas e privadas devem ensinar da educação infantil ao ensino fundamental está em fase de implantação nos estados e municípios. Ainda falta a parte referente ao ensino médio.
Ensino médio 
Considerado o maior gargalo da educação básica, com altas taxas de abandono e baixos indicadores de aprendizado. A reforma da etapa, proposta pelo governo Temer, só pode ser posta em prática após a aprovação da BNCC referente à etapa (ainda está em discussão no Conselho Nacional de Educação). Além disso, parte do conteúdo poderá ser oferecido a distância
Educação infantil
Menos de um terço das crianças de até 3 anos estão em creches. A meta incluída no PNE (Plano Nacional de Educação) é matricular ao menos metade das crianças dessa faixa etária até 2024. Na pré-escola, todas as crianças de quatro e cinco anos deveriam estar matriculadas desde 2016. No entanto, mais de 500 mil não têm vaga (9,5% do total)
Escola sem Partido 
projeto, que limita a liberdade do professor na sala de aula e veta abordagens sobre temas de gênero e sexualidade, tramita no Congresso. Bolsonaro é favorável à proposta e descreve a suposta doutrinação política como um dos grandes problemas da educação. Segundo especialistas, essa visão coloca em jogo o modelo de escola que o país deveria adotar.
Fundeb 
O fundo, uma das principais fontes de financiamento da educação básica no país, deixa de valer em 2020. Novas versões são discutidas no Congresso Nacional, e propõe-se, entre outras coisas, ampliar a contribuição financeira da União.
Julia Chaib , Gustavo Uribe , Talita Fernandes e Julio Wiziack

Nenhum comentário: