Aprovar medidas e reforçar as estruturas de combate à corrupção não será a maior dificuldade de Sergio Moro. Ele tem conhecimento, experiência e capital político para isso. Evidente que o Congresso e o Supremo, onde ele fez muitos desafetos, colocarão reparos às suas propostas, o que é natural. Essa é a função do sistema de freios e contrapesos numa democracia constitucional.
Desafio maior será arquitetar e implementar uma política consistente e efetiva no campo da segurança pública, que seja capaz de poupar vidas.
O Brasil vive um problema crônico de violência, que afeta seu desenvolvimento e provoca um perigoso esgarçamento do seu tecido social. Para que se tenha uma dimensão do problema, apenas no ano passado, 63.880 pessoas foram mortas intencionalmente.
Nas últimas décadas esse número supera 1 milhão de mortos, em sua imensa maioria de jovens negros e pobres. Estima-se que uma grande parte dessas mortes decorra dos chamados motivos fúteis. As estruturas de Justiça e segurança são anacrônicas e estão sucateadas.
Reverter esse quadro não será tarefa fácil.
A primeira dificuldade será de natureza econômica. Os estados, que têm grandes responsabilidades na esfera da segurança, vivem uma situação de penúria fiscal. Muitos não dispõem de recursos sequer para quitar a folha das polícias, quanto mais para reequipá-las, modernizá-las, qualificar seus profissionais e assegurar boas condições de trabalho, para que os policiais não sejam obrigados a viver de bico, muitas vezes colocando em risco as próprias vidas.
O mesmo pode ser dito em relação ao sistema prisional, que hoje abriga 729.463 presos, simplesmente o dobro de sua capacidade, tendo se transformado no principal instrumento de arregimentação de novos membros pelo crime organizado no Brasil.
A segunda dificuldade será política. O eleitor premiou candidatos com um claro viés populista no campo criminal. Há uma forte contradição entre o que propõem os eleitos, muitos deles oriundos das polícias e mesmo do Exército, e as políticas de segurança pública que têm se demonstrado eficazes ao redor do mundo. Fico apenas com dois exemplos.
O Brasil tem hoje uma das mais violentas polícias do mundo. Foram 5.144 pessoas mortas em confrontos com a polícia, no ano passado. Isso significa um crescimento de 20% em relação ao ano anterior, sem qualquer impacto sobre a redução da criminalidade, que, aliás, também cresceu.
Flexibilizar os controles sobre as polícias, autorizando o "abate" ou ampliando as "excludentes de punibilidade", apenas contribuirá para aumentar a desconfiança da população nas polícias, reduzindo ainda mais sua eficácia (todos dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018).
No mesmo sentido, pode ter consequência grave a liberação do porte de armas de fogo, propugnada pela chamada bancada da bala. As evidências mostram que o aumento de armas circulantes não apenas contribui para o aumento de homicídios, em geral, como também para o risco de suicídios e acidentes letais dentro de casa.
A exacerbação da violência pelo Estado em nada contribuiu ou contribuirá para a pacificação da sociedade. O populismo criminal é apenas uma fonte pródiga de receitas simples, diretas e, sobretudo, ineficazes, quando não contraproducentes.
O ministro Sergio Moro terá que gastar muita saliva para convencer seus correligionários de governo, ungidos pelo voto, de que sem uma profunda modernização das agências de aplicação da lei, o Brasil continuará submetido à barbárie.
Oscar Vilhena Vieira
Diretor e professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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