Duas grandes redes não pagam o que devem e suas guildas pedem uma canetada para tabelar o preço dos livros
Está na Casa Civil da Presidência um pleito das guildas de comerciantes e editoras proibindo a concessão de descontos superiores a 10% durante o primeiro ano de venda de um livro. Se bobear, Temer sacramenta essa tunga no bolso dos leitores.
A origem do pleito é uma majestosa demonstração do atraso de empresários e do oportunismo de suas corporações. Ela deriva do que seria uma crise do mercado de livros, exemplificada nas dificuldades financeiras que afogam as duas maiores redes do país, a Cultura e a Saraiva.
Uma está em recuperação judicial, devendo em torno de R$ 150 milhões a bancos e fornecedores. A outra já fechou 20 lojas e sua dívida estaria em R$ 400 milhões.
Não há crise no mercado de livros. Como no de parafusos, o setor passou pelas dificuldades de todos os empresários. Neste ano, o mundo dos livros cresceu 5,7% e seu faturamento aumentou em 9,3%.
Também não existe crise de livrarias, pois há redes que vão muito bem, obrigado. A Cultura e a Saraiva se enroscaram nas próprias gestões. Quem lhes manteve o crédito devia saber o que fazia. Se Temer quiser ajudá-las, pode liderar uma vaquinha.
Quando as grandes redes de livrarias estavam comendo as pequenas, louvava-se a destruição criadora do capitalismo. Havia até editoras que imprimiam seus livros na China.
Agora, cavalgam um falso problema e foram ao escurinho de Brasília para recorrer à capacidade destruidora do corporativismo. Grandes livreiros quebram e a conta vai para a freguesia, instituindo-se um tabelamento de preços.
O mercado de livros, como o de jornais, passa pelo choque da era digital. Primeiro surgiu a Amazon, revolucionando o setor com seu sistema de vendas.
Depois veio o e-book, que compete com os volumes impressos. Assim é a vida, o automóvel quebrou as fábricas de carruagens, o CD matou o disco de vinil e a internet matou o CD.
Como em Pindorama canta o sabiá, no século 19, quando os Estados Unidos e a Europa expandiam suas ferrovias, os plutocratas lutavam para preservar a escravidão.
Em 1994, todos os donos de redes de livrarias e de grandes editoras brasileiras tinham mais patrimônio que Jeff Bezos, um papeleiro de 30 anos que pensava em criar um varejão eletrônico.
Ele começou a Amazon com menos de US$ 200 mil, vendendo só livros. Metade do capital foi-lhe emprestado pelos pais, e Bezos avisou que as chances de perderem tudo eram de 70%.
Hoje a Amazon está encostando no trilhão de dólares em valor de mercado. Esse gigante surgiu dando descontos. As guildas dos livreiros nacionais querem socializar um falso problema suprimindo-os.
UM GRANDE RIO BRANCO
Está nas livrarias “Juca Paranhos —O Barão do Rio Branco”, de Luís Cláudio Villafañe Santos. É uma excepcional biografia do patrono da diplomacia brasileira, uma grande figura (1m82cm), a quem o país deve uma área equivalente a dos estados de Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul somados.
Escrita por um diplomata de carreira, mostrou o personagem em sua intrigante grandeza. Retrata um conservador (melhor dizendo, um reacionário). Rio Branco foi monarquista enquanto pôde, achou a Abolição uma coisa precipitada e não gostava de novidades, entre elas os elevadores.
Juca Paranhos era menor que seu pai, o visconde de Rio Branco (1m92cm), teve uma juventude boêmia, engravidou, e bem mais tarde, casou-se com uma dançarina de cabaré.
Costuma-se lembrar que ele começou a carreira como cônsul em Liverpool, ficando a impressão de que puseram-no no canil. Engano, era o cargo mais bem remunerado do Império e Paranhos passava boa parte do tempo em Paris.
Pesquisa notável, dela surge um barão mestre da esgrima burocrática, da manipulação da imprensa e do culto à própria glória. Tudo isso a serviço do país, numa época em que as grandes potências retalhavam a África. Morreu no gabinete de trabalho sem fazer fortuna.
Villafañe Santos desmonta, como “clara mistificação”, a ideia de que Rio Branco aproximou o Brasil dos Estados Unidos. A boa relação com Washington já existia.
Esse grande personagem deixou uma pergunta: por que o barão, tendo engravidado a dançarina com quem manteve uma relação de pouco ou nenhum afeto, teve com ela outros quatro filhos?
SAÍDA EXEMPLAR
Pode-se discutir a maneira como Michel Temer entrou no Palácio do Planalto, mas ele está saindo de forma exemplar. Temer convidou Jair Bolsonaro para acompanhá-lo na reunião do G-20 que se realizará em Buenos Aires no fim deste mês. Se ele quiser, poderá ir com sua própria comitiva.
Em 2016, quando Temer entrou no Planalto, havia apenas uma funcionária para recebê-lo e os computadores estavam apagados.
DELFIM AVISA
O professor Delfim Netto está convencido de que em 2019 a economia poderá crescer, revertendo o mal-estar que já dura três anos.
Em 1968, quando a oposição ia para a rua pedindo “Democracia e Desenvolvimento”, Delfim era ministro da Fazenda e sabia que o “Milagre Brasileiro” estava logo adiante.
Veio o crescimento e ninguém se incomodou com a ditadura.
SISTEMA S
Paulo Guedes quer mexer na caixa preta do Sistema S. Trata-se de um cofre que em 2017 arrecadou compulsoriamente R$ 16,4 bilhões nas folhas de pagamento das empresas.
O Sistema S é dinheiro na veia para o sindicalismo patronal, onde uma casta de dirigentes eterniza-se nos cargos. Às vezes, ajudam os poderosos da ocasião. Uma nora de Lula foi funcionária do Sesi.
O último ministro da Fazenda que pensou em mexer com os barões do Sistema S foi Joaquim Levy.
Apanhou de todos os lados. Guedes poderia conversar com ele para saber de onde virão os tiros, que já começaram.
CABRAL VIVE
Sérgio Cabral rala na cadeia condenações que somam 183 anos, seu filho perdeu nas urnas o mandato de deputado federal e sua rede continua a povoar cadeias. Isso não quer dizer que esteja fora de combate.
Seu cunhado Cézar Vasquez, atual superintendente do Sebrae do Rio, batalha pela recondução. Está na cadeira desde 2010.
Junto iria a presidente do Sindicato dos Joalheiros do estado, Carla Pinheiro. Os ourives do Rio foram mimados por Cabral com incentivos fiscais e dois deles mimaram-no com joias livres de nota fiscais.
O VELHO NOVO
Jair Bolsonaro nomeou a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) para o Ministério da Agricultura.
Parlamentar respeitada e líder da bancada ruralista, Tereza Cristina Correa da Costa Dias vem de uma velha cepa da oligarquia de Mato Grosso. É neta e bisneta de governadores.
Lá atrás, os oligarcas brigavam feio pelas terras devolutas onde se plantava erva-mate. Hoje defendem o agrotóxico.
Desde a Regência, os Correa da Costa governaram o estado 11 vezes. Se nos séculos passados as matriarcas mandavam na sombra e bordavam em público, a nova ministra é engenheira agrônoma e empresária.
PREVIDÊNCIA
Michel Temer ainda não se convenceu de que deve tomar iniciativas fatiando alguns itens da reforma da Previdência.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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