Não há de ser fácil para um político o exercício público do desprendimento e da autocrítica diante do fracasso. Quando seu nome é Fernando Haddad e seu partido é o PT, a dificuldade apenas aumenta.
A mania de colocar nos outros a responsabilidade pelos próprios erros, de dividir o país entre mocinhos e bandidos, de menosprezar a inteligência de quem votou no rival e de ignorar dados que contradizem suas teses marca o candidato e a legenda derrotados em segundo turno em 28 de outubro.
Na fantasia mais uma vez recrutada por Haddad em entrevista a esta Folha, "a elite econômica", ao despir-se de disfarces e mostrar sua verdadeira face, teria sido decisiva na eleição de Jair Bolsonaro (PSL). Haja elite para operar a façanha de conquistar 57,8 milhões de votos num país de vastos contingentes no máximo remediados.
O fato é que a maioria dos eleitores recusou-se a dar ao PT o quinto mandato presidencial consecutivo. Como ocorrera em 2016 com o mesmo Haddad, na cidade de São Paulo, o veredicto das urnas preferiu um neófito em disputas majoritárias ao representante de uma plataforma e de um jeito de fazer política fartamente conhecidos.
O eleitor brasileiro disse não ao partido associado ao maior escândalo de corrupção já descoberto no país. Negou apoio à legenda que não soube preservar a vida partidária das tribulações penais enfrentadas por seus maiores quadros e aceitou bovinamente ser comandada da cela de uma carceragem.
Houve rechaço às ideias irresponsáveis e ultrapassadas do PT sobre a economia —reiteradas no programa de governo patrocinado pelo próprio ex-prefeito—, cuja aplicação sistemática terminou por deprimir a renda nacional com violência inédita em mais de 30 anos.
A teimosia estratégica de nunca ter assumido responsabilidades pelo descalabro ético e material da gestão federal —e de nunca ter se reformado de acordo com essa conclusão— esvaziou a credibilidade do ensaio de moderação lançado no segundo turno.
Passada a eleição, o discurso de Haddad volta ao ponto em que estava antes dela. Dá a impressão de que a conversa de frente democrática era só truque para ganhar voto. As perorações acerca do "neoliberalismo" sugerem que o ex-candidato e sua sigla continuam prisioneiros de rançosas teorias econômicas e conspiratórias.
No Brasil, as condições para antepor-se a um presidente recém-empossado, legitimado pelo voto, são áridas como regra. Sem um diagnóstico realista dos motivos da derrota, será difícil oposição eficaz.
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