Equipe do futuro ministro da Economia forjou seu pensamento na universidade americana que é referência do liberalismo
Renata Agostini e Fernanda Nunes, O Estado de S.Paulo
25 Novembro 2018 | 05h00
RIO - Quando Jair Bolsonaro anunciou que Paulo Guedes teria um superministério da Economia para preencher, houve quem questionasse como ele daria conta de arregimentar tantos nomes em tão pouco tempo. Guedes, contudo, sabia o que fazer. Chamaria os “Chicago oldies”.
É assim que os principais auxiliares do poderoso futuro ministro chamam-se nos bastidores, troça com os “Chicago boys”, o time de jovens liberais egressos da Universidade de Chicago que reformou a economia chilena durante a ditadura de Augusto Pinochet. A associação com o grupo do Chile começou a ser feita tão logo os primeiros nomes da equipe econômica de Bolsonaro foram definidos.
Guedes colocou em postos-chave um time de especialistas que, como ele, forjou seu pensamento na universidade que é referência do liberalismo. Roberto Castello Branco na Petrobrás, Rubem Novaes no Banco do Brasil e Joaquim Levy no BNDES, todos egressos da escola americana e antigos conhecidos de Guedes, foram uns dos primeiros nomeados.
À “velha-guarda de Chicago” – o mais novo deles é Levy, com 57 anos – juntaram-se executivos do mercado financeiro (veja quadro abaixo). Selecionados diretamente por Guedes, que ganhou autonomia de Bolsonaro para definir os integrantes da equipe, todos têm em comum a fidelidade ao ideário de livre mercado e Estado enxuto. Ou, como o futuro ministro gosta de definir a pessoas próximas, partilham e dominam os “fundamentos” para a adequada condução da economia, especialmente a visão sobre política fiscal e monetária. “Pensamos parecido. Fica fácil trabalhar junto com mesmo propósito”, disse ao Estado, sob reserva, um integrante do grupo.
Boa parte dos “oldies” Guedes reuniu em torno de si durante a campanha. Ele, Castello Branco e Novaes frequentavam mensalmente um almoço na sede da Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), no Rio, presidida por Antônio Alvarenga, amigo em comum dos três.
Guedes já havia trabalhado com Castello Branco no Ibmec e conhecia há tempos Novaes. Não se reuniam há anos. Nas conversas do conselho econômico da entidade, reaproximaram-se. Quando Guedes aceitou montar um plano de economia para Bolsonaro, logo eles foram convocados a ajudar no plano juntamente com Carlos von Doellinger, outro frequentador assíduo dos almoços na SNA.
Von Doellinger não é de Chicago, mas partilha a visão liberal. Era quadro do que seria o governo Tancredo Neves, defensor do mote “É proibido gastar”. Guedes tem obsessão por corte de gastos e mira no enxugamento da máquina pública. Seu receituário envolve a venda de estatais e a sucessiva redução de impostos. Por essa visão, logo reuniu nos debates para o programa de governo, que aconteciam todas as quartas no Rio, Marcos Cintra, doutor por Harvard e defensor da proposta do “imposto único” – o economista deve assumir uma das secretarias do superministério.
Ineditismo
Pela primeira vez, uma equipe inteira de governo compartilhará a linha de pensamento liberal. Outras experiências liberais aconteceram na presidência de Fernando Henrique Cardoso e na ditadura militar, com os ministros Roberto Campos e Otávio Bulhões. No entanto, nunca uma gestão foi marcada pela “homogeneidade” como será a de Bolsonaro, diz o economista da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio) Samuel Pessôa. Na era FHC, havia a mão intervencionista de José Serra no Planejamento, enquanto, na ditadura, os militares davam o tom nacionalista à administração.
Já os “oldies” de Guedes são unânimes defensores das ideias liberais. Por isso, são comparados aos 25 chilenos batizados de “Chicago boys”. O feito do grupo: o “milagre do Chile”, termo batizado pelo prêmio Nobel Milton Friedman, que nas salas de aula da pós-graduação da Universidade de Chicago ensinou essa geração de economistas a cartilha do Estado mínimo. Nos EUA, aprenderam a contar com as leis do mercado para solucionar os problemas.
Os “Chicago boys” implementaram uma série de medidas liberais: capitalização da Previdência, regime em que o trabalhador custeia sua própria aposentadoria; privatização de serviços de saúde e educação; abertura das fronteiras para forçar a competição do produto nacional com importados. Essas foram algumas das premissas que marcaram a economia chilena na ditadura de Pinochet e ainda predominam no país.
Toda universidade dos EUA segue a máxima de que é preciso segurar a inflação e gastar o dinheiro público com responsabilidade, diz Pessôa. Mas a Escola de Chicago vai além. Para os seus discípulos, “toda tentativa de promover o bem-estar social termina mal”, acrescenta. Por isso, defendem que qualquer transferência de renda deve se dar de forma direta, como por meio de programas como o Bolsa Família, sem recorrer a subsídios e políticas intervencionistas, como a de conteúdo local, adotada nos governos do PT.
Esse aspecto costuma ser pontuado por Guedes em entrevistas e conversas. Segundo ele, a visão de sua equipe é do liberalismo com “fraternidade”. A ideia de garantir uma renda mínima aos cidadãos, que era defendida por Friedman, está no plano de governo.
Para Edmar Almeida, professor do Instituto de Economia da UFRJ, a equipe de Guedes vai tentar reduzir as amarras do Estado, mas encontrará resistência: “Será um embate interessante de ver, pois os partidos refletem interesses de setores. É de se esperar uma guerra com o Congresso.”
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