domingo, 31 de março de 2013

Inflação, crescimento e o que pensa a presidente - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 31/03

Não há dúvida de que a presidente Dilma Rousseff tropeçou nas palavras ao falar de inflação versus crescimento na quarta-feira, soltando a corda para o mercado financeiro apostar - e especular - na queda dos juros futuros. Não há dúvida, também, de que os "agentes do mercado" torcem por acontecimentos, declarações, escorregões de autoridades e o que mais surgir que justifique o sobe e desce de preços de ativos e indicadores. Eles não gostam de estabilidade, de mercado parado, porque sua fonte de lucro é a gangorra das cotações, tanto faz subir ou cair, o que importa é a volatilidade.

Por isso quem, no governo, tem poder de influência sobre o mercado precisa ter cuidado, falar as palavras certas, não deixar dúvidas nem nada que possa gerar interpretações dúbias, frouxas.

Por essa razão, desde a segunda metade dos anos 1990, o Banco Central (BC) vem reforçando os mecanismos de previsibilidade de suas ações futuras, levando certezas, sempre que possível, fixando metas para a inflação, deixando claras as suas posições e projeções em atas do Comitê de Política Monetária (Copom) e nos relatórios trimestrais de inflação (no de quinta-feira o BC elevou a projeção de inflação anual para o final de junho de 5,5% para 6,7%, ultrapassando o teto da meta). Enfim, o Banco Central vem evitando dar motivos para o mercado fazer o que sabe e gosta: especular, criar volatilidade, maximizar lucros.

Os "agentes do mercado", no entanto, também não desconhecem: 1) que a presidente Dilma é economista focada em produção, não é do ramo financeiro, não tem a expertise nem o cuidado com as palavras que tem um presidente do Banco Central ao falar de inflação, crescimento econômico, juros; e 2) este item é o mais importante: Dilma Rousseff está, sim, atenta à inflação, porém esticar a corda do bom desempenho do emprego e da renda salarial e perseguir o tão obsessivo quanto inalcançável pibão a preocupam bem mais.

Afinal, o que vem sustentando o alto índice de popularidade da presidente são emprego e dinheiro no bolso do eleitor, e seguem nessa direção os conselhos de seu guru político, o ex- presidente Lula.

Na verdade, no que se refere ao tripé inflação-juros-PIB, a diferença mais evidente entre a presidente Dilma e a maioria dos economistas - ligados ou não ao mercado financeiro - está na quantificação dos índices. Enquanto eles defendem trazer a inflação para o centro da meta (4,5%) e, passo seguinte, reduzi- la para 3,5%, a presidente tem demonstrado maior tolerância com o índice.

Dilma é sincera quando repete que não permitirá o descontrole da inflação (qual governante quer isso?). Mas ninguém sabe até onde vai a sua tolerância e se essa tolerância põe em risco o descontrole. Seria o teto da meta? Acima de 6,5%, a luz vermelha acende e o Banco Central desencadearia ações duras em juros, crédito e com efeito na atividade econômica? Ou elevar a meta da inflação é uma possibilidade real? Mas e o custo político disso?

Sem respostas para essas perguntas, restam pistas. Uma delas: o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos conselheiros prediletos de Dilma-Lula e quase presidente do Banco Central no governo anterior, fez palestra no Instituto Lula na segunda- feira. Ouviram seus argumentos o ex-presidente Lula e o ex-ministro Antônio Palocci. Dois dias depois, possivelmente treinando um balão de ensaio, defendeu o aumento da meta de inflação: "Talvez seja mais apropriado rediscutir a meta de inflação para cima. Isso aconteceu na administração Arminio Fraga", afirmou Belluzzo em entrevista ao Estado, publicada na quinta-feira.

Cisma antiga. Embora seu governo tenha produzido pibinhos (crescimento de 2,7%, em 2011, e de 0,9%, em 2012) e inflação alta (6,5%, em 2011, e 5,84%, em 2012), Dilma Rousseff sempre viu no crescimento o motor da economia, a prioridade maior a ser perseguida. No final de 2005, já como ministra da Casa Civil, ela mostrou suas garras e ganhou a briga ao enfrentar o plano de ajuste fiscal de longo prazo arquitetado pelos ministros Palocci e Paulo Bernardo, plano que mirava reduzir a inflação e a dívida pública e elevar o superávit primário. Em entrevista ao Estado, em novembro de 2005, ela detonou o plano com palavras duras, chamou-o de "rudimentar", e já elegia a derrubada da taxa Selic o objetivo maior da política monetária. Aliás, o que ela acabou concretizando em seu governo.

"Para crescer, é necessário reduzir a dívida pública. Para a dívida pública não crescer, é preciso ter uma política de juros consistente, porque senão você enxuga gelo. Faço superávit primário de um lado e aumento o fluxo da dívida. E me fechei em mim mesma", argumentou Dilma na entrevista, centrando o alvo na queda da Selic.

Ela ganhou a disputa, convenceu Lula e o plano Palocci/Bernardo morreu. Mas não teve o mesmo sucesso com a política de juros, que continuou decidida pelo Banco Central e garantida por Henrique Meirelles, seu presidente na época.

Em 2005 a conjuntura colocava no centro dos debates o corte de gastos públicos, a geração de crescentes superávits primários e a disposição do governo Lula de fazer a sua parte para recuperar a confiança do mercado financeiro e de investidores privados - aqui e no exterior. Dilma era contra e derrubou a estratégia Palocci. Agora, ela é a autoridade maior, não tem opositores no governo e o debate é centrado na inflação, no baixo crescimento e no investimento em queda. O ajuste fiscal, tão fundamental em 2005, hoje está em segundo plano.

Porém, com o efeito do baixo crescimento na arrecadação de impostos e tantas desonerações tributárias para estimular setores da economia, o quadro fiscal dá sinais de fraqueza. A expectativa de melhoraria na arrecadação com a esperada retomada da economia não foi confirmada no resultado de fevereiro, quando as contas do governo federal fecharam com um déficit primário de RS 6,41 bilhões, o pior desde setembro de 2009. É mais um megaproblema para a presidente e sua equipe administrarem.

O fôlego do dinamismo no consumo, do baixo desemprego, do crédito em alta e do aumento da renda do trabalho já vai mais longe do que esperavam os analistas. E tudo indica que, até quando der, Dilma vai insistir nesse caminho. Mas não é a trajetória ideal para chegar ao desejado pibão. Faltam investimentos. E é aí que acontecem os desacertos e as trapalhadas do governo.


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