Governo Montoro: parece que foi "amanhã"
Por: Arnaldo Jardim
Descentralizar, segundo o ex-governador paulista André Franco Montoro, era colocar o governo mais perto do povo e, por isso, torna-lo mais participativo, mais eficiente e mais democrático. Nesse dia 15 de março de 2013, comemoram-se os 30 anos da posse de Montoro, eleito em 15 de novembro de 1982 nas primeiras eleições diretas para governador após o golpe militar de 1964.
É justo resgatar o pensamento político e a sua prática administrativa daquele governo. Especialmente porque nessas três décadas, embora se venham firmando as raízes da democracia representativa brasileira estamos longe ainda da democracia participativa, aquela que testa a real qualidade dos governos e forma nações. Prova disso é que nesse mesmo período ainda somos surpreendidos frequentemente por ações e decisões autoritárias e por uma forte concentração de poderes administrativos e econômicos na União que vivem a arranhar a vocação federativa constitucional.
Reconhecido por acolher várias correntes progressistas em sua gestão, aquele Governo Democrático de São Paulo plantou as sementes para a primeira safra de participação dos cidadãos após anos de ditadura. Resgatou o respeito aos direitos humanos – foi o primeiro governo no País a criar um Conselho das Comunidades Negras e um Conselho da Condição Feminina – promoveu permanente diálogo entre as classes sociais e com os trabalhadores e o resgate das administrações locais por meio da municipalização dos recursos, serviços do estado e reposicionamento dos prefeitos como lideranças fundamentais na consolidação da República.
“O individuo”, dizia Montoro, “não mora no Estado, na União, mora no município, onde se dá todo o processo político. Logo, tudo o que for administrado em menor escala será mais bem administrado”.
No meio de uma das mais graves crises econômicas do país, com os cofres vazios herdados das administrações anteriores, o governo enfrentou de imediato uma forte contestação. Fome e desemprego foram os ingredientes que motivaram a manifestação que derrubou as grades do Palácio Bandeirantes, sede do governo paulista, dois meses após a posse de Montoro.
O governo inteiro orientou-se para enfrentar o desafio da fome. Mas os dois grandes projetos estruturantes da participação democrática daquela administração foram o da municipalização da merenda escolar (antes com fornecimento e distribuição concentrados no estado) e da criação dos escritórios regionais de governo. A municipalização da merenda incentivou a produção local, a melhoria de qualidade e a adequação regional dos alimentos. Foi um importante indutor de decisões e recursos para os municípios brasileiros. A municipalização do ensino fundamental, por exemplo, tem hoje no Brasil chancela constitucional, como constitucional e mandatório é o financiamento da educação e o aperfeiçoamento do magistério.
A urgência em debelar a fome reforçou a determinação de descentralizar a administração paulista. Secretaria do Planejamento e Cepam – Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, da Fundação Prefeito faria Lima, vinculado à Secretaria do Interior, produziram moderna radiografia paulista. O estado foi dividido em 42 regiões autônomas (Escritórios Regionais de Governo) reunidas pela homogeneidade de seus problemas e aspirações e regidas por conselhos deliberativos e executivos de prefeitos, das secretarias e instituições estaduais e com participação das populações locais.
Na Secretaria do Interior, comandada por Chopin Tavares de Lima, antigo companheiro de lutas de Montoro, concentrava-se a efervescência política das praticas de descentralização. Chopin foi essencialmente uma figura programática e pragmática de governo. Em sua secretaria estavam abrigadas a Coordenadoria dos Escritórios Regionais do Governo, a Fundação Prefeito Faria Lima, a Sudelpa - Superintendência do Desenvolvimento do Litoral e um grupo eclético e criativo de democratas cristãos, ambientalistas, comunistas e socialistas ligados por profundas convicções democráticas e ética política.
Dali sugiram ideias como a da vaca mecânica, máquina que produzia leite de soja, sucos e sopas para compor a merenda escolar, da produção de peixes em represas do estado e dos consórcios intermunicipais, formados para atacar e resolver problemas comuns como de abastecimento de água, destino final de esgotos e resíduos sólidos, informatização, compra de remédios e fabricação de materiais de construção. Os consórcios – como os de uso e conservação das águas – estão hoje incorporados à vida nacional como alternativa política e gerencial eficaz à centralização de decisões e recursos nos na União e nos estados.
Chopin vislumbrou um novo padrão: “ser um bom prefeito é garantir um profundo sentido social em sua administração, priorizando programas de alimentação, assistência ao pequeno produtor, educação, saúde e realizando um trabalho eficiente medido também pelo grau de integração da comunidade”.
As ideias do municipalismo progrediram no Governo Democrático de São Paulo com o engajamento do vice-governador Orestes Quércia, eleito para governar São Paulo na gestão seguinte. Quércia liderou os prefeitos paulistas e de outros estados nas propostas de legislação destinada a garantir maiores recursos ordinários e constitucionais e efetiva autonomia republicana aos municípios. Consolidou, no estado, a emergência dos prefeitos como sujeitos das histórias de seus municípios. Governador, prosseguiu com foco no cidadão e nos municípios quando lançou o Rádio Patrulhamento Padrão, uma iniciativa de aproximar a polícia da comunidade e
desenvolveu ações de fortalecimento do interior, como a da regionalização da produção.
O fortalecimento dos municípios, dos prefeitos, a descentralização política e executiva do estado e a participação do povo nas decisões sobre seu destino valeram a São Paulo uma importante liderança na luta contra a ditadura e, especialmente, no movimento de reivindicação de eleições diretas para a Presidência da República. São Paulo reunião 300 mil pessoas, na Praça da Sé, no primeiro comício de porte pelas Diretas Já, em 25 de janeiro de 1984. E 1 milhão e meio de cidadãos, no dia 16 de abril seguinte, na maior manifestação democrática pelas eleições diretas realizadas no país.
Um dia houve quem confundisse – mesmo entre seus próprios pares – a vocação de Montoro para ouvir e compartilhar como fraqueza. Talvez o tempo lhes tenha ensinado que era apenas uma vocação democrática incorrigível, necessária e cada vez mais atual!
Arnaldo Jardim
Trabalhou na Secretaria do Interior no Governo Montoro (1983 a 1986).
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Twitter: @arnaldojardim
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