FOLHA DE SP - 12/03
Em sua última coluna ("Dilemas e cartilhas", "Ilustrada", 7/3), Contardo Calligaris levantou uma série de objeções interessantes a respeito dos problemas indicados por mim e por Marcelo Coelho sobre sua maneira de insistir em certos paradoxos morais. Talvez esta seja a ocasião de levantar dois pontos que reflexões sobre filosofia moral não podem negligenciar.
Primeiro, a discussão sobre a eficácia de determinadas ações não pode sustentar-se na limitação artificial de suas consequências. Nesse sentido, falar em eficácia da tortura é tão racional quanto perguntar-se sobre a eficácia de um remédio contra dor de dentes, mas que infelizmente provoca ataque cardíaco.
Tomemos o exemplo das torturas (de eficácia duvidosa, diga-se de passagem) feitas para encontrar e matar Bin Laden. O que elas produziram? Notem que o verdadeiro objetivo nunca foi matar Bin Laden, mas transformar os EUA em um "lugar mais seguro". Nesse sentido, tais torturas apenas deixaram o verdadeiro objetivo ainda mais longe.
Antes, os cidadãos norte-americanos viviam em um país cujos governantes não temiam recorrer a torturas, execuções extrajudiciais, quebras de liberdades individuais e vazios jurídicos, quando entendiam que o país corria perigo, mas precisavam fazer isso em silêncio. Hoje, eles vivem em um país que não vê problema em declarar abertamente que faz tudo isso, como se esse fosse um mal menor diante do verdadeiro problema.
Assim, além da insegurança provocada pela Al Qaeda, agora os norte-americanos devem levar em conta a insegurança provocada pelo seu próprio governo, envolto em um estado de exceção permanente.
Segundo ponto: a enunciação de um "paradoxo moral" não pode negligenciar a experiência histórica a ele normalmente associado.
Durante décadas, "paradoxos" do tipo "você torturaria alguém com informações que poderão salvar a vida de seu filho" foram usados como a premissa maior de argumentos do gênero: "Da mesma forma que um pai deve proteger seu filho, governantes devem proteger seu povo; logo...".
Ignorar que a enunciação desse paradoxo porta uma experiência histórica dessa natureza não é moral. Esse é o problema de pensar questões morais de maneira abstrata, negligenciando a maneira com que certos enunciados circulam na história.
Diga-se de passagem, nunca entendi porque os interessados em paradoxos morais no Brasil raramente colocam problemas do tipo: "Alguém que certamente será torturado, provavelmente até a morte, bate à porta de sua casa pedindo ajuda. Caso aceite, você colocará em risco a tranquilidade de sua família.
O que fazer?".
Em sua última coluna ("Dilemas e cartilhas", "Ilustrada", 7/3), Contardo Calligaris levantou uma série de objeções interessantes a respeito dos problemas indicados por mim e por Marcelo Coelho sobre sua maneira de insistir em certos paradoxos morais. Talvez esta seja a ocasião de levantar dois pontos que reflexões sobre filosofia moral não podem negligenciar.
Primeiro, a discussão sobre a eficácia de determinadas ações não pode sustentar-se na limitação artificial de suas consequências. Nesse sentido, falar em eficácia da tortura é tão racional quanto perguntar-se sobre a eficácia de um remédio contra dor de dentes, mas que infelizmente provoca ataque cardíaco.
Tomemos o exemplo das torturas (de eficácia duvidosa, diga-se de passagem) feitas para encontrar e matar Bin Laden. O que elas produziram? Notem que o verdadeiro objetivo nunca foi matar Bin Laden, mas transformar os EUA em um "lugar mais seguro". Nesse sentido, tais torturas apenas deixaram o verdadeiro objetivo ainda mais longe.
Antes, os cidadãos norte-americanos viviam em um país cujos governantes não temiam recorrer a torturas, execuções extrajudiciais, quebras de liberdades individuais e vazios jurídicos, quando entendiam que o país corria perigo, mas precisavam fazer isso em silêncio. Hoje, eles vivem em um país que não vê problema em declarar abertamente que faz tudo isso, como se esse fosse um mal menor diante do verdadeiro problema.
Assim, além da insegurança provocada pela Al Qaeda, agora os norte-americanos devem levar em conta a insegurança provocada pelo seu próprio governo, envolto em um estado de exceção permanente.
Segundo ponto: a enunciação de um "paradoxo moral" não pode negligenciar a experiência histórica a ele normalmente associado.
Durante décadas, "paradoxos" do tipo "você torturaria alguém com informações que poderão salvar a vida de seu filho" foram usados como a premissa maior de argumentos do gênero: "Da mesma forma que um pai deve proteger seu filho, governantes devem proteger seu povo; logo...".
Ignorar que a enunciação desse paradoxo porta uma experiência histórica dessa natureza não é moral. Esse é o problema de pensar questões morais de maneira abstrata, negligenciando a maneira com que certos enunciados circulam na história.
Diga-se de passagem, nunca entendi porque os interessados em paradoxos morais no Brasil raramente colocam problemas do tipo: "Alguém que certamente será torturado, provavelmente até a morte, bate à porta de sua casa pedindo ajuda. Caso aceite, você colocará em risco a tranquilidade de sua família.
O que fazer?".
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