FELIPE FRAZÃO - O Estado de S.Paulo
Era para ser uma mata protegida em uma das regiões mais carentes de áreas verdes de São Paulo. Mas a Mata do Iguatemi virou o "Monte Sagrado". Abandonada pelo poder público, a Área de Proteção Ambiental (APA) de 300 mil m² cravada entre conjuntos habitacionais na zona leste abriga uma espécie de santuário evangélico sob uma cobertura densa de árvores nativas remanescentes da Mata Atlântica.
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E não só. A metros dali, um trecho mais degradado serve de refúgio a moradores de rua e dependentes químicos, à beira da Estrada do Iguatemi, via principal do bairro Jardim Pedra Branca. Ao olhar do leigo, seria só um matagal cortado por um riacho turvo. De esgoto. E mais: para certos moradores, a APA é apenas um terreno baldio de capim com gradil arrebentado. Sinônimo de local para o despejo ilegal de entulho e lixo doméstico.
Não bastasse tanto, a Mata do Iguatemi serviu de moradia a famílias que construíram ali 40 barracos de madeira, nos idos de 2004. Nove anos depois, ainda tem parte do terreno invadido. E segue à espera da intervenção estatal (mais informações nesta pág.).
Criada em 1993, a menor das cinco APAs paulistanas deveria ser conservada para preservar a biodiversidade e manter o microclima da região (mesmo que a lei permita moradias e parques abertos à visitação). Até agora, porém, a Mata do Iguatemi não tem plano de manejo nem regras de uso.
A flora e a fauna dali não são inteiramente conhecidas. A Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, gestora da APA, afirma que as espécies estão sendo catalogadas. Frequentadores e vizinhos dizem avistar gambás, cobras, esquilos, lagartos, pássaros e tucanos. "É Mata Atlântica boa e deveria ser mantida intacta", diz a bióloga Luciene Lacerda, do Grupo de Recuperação de Áreas Degradadas da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. "O Parque do Carmo é perto, as pessoas podem usar lá."
O 'monte'. Não é o que ocorre. Manhã, tarde e noite, enquanto evangélicos sobem o morro e somem mata adentro a orar, sem-teto e dependentes químicos se escondem para fumar crack. Os grupos não se cruzam, porque ocupam faixas distintas da APA.
Enquanto os viciados ficam no matagal de baixo, atrás de capim alto, arbustos, lixo, roupas queimadas, fogueiras e barracas madeira e lona, os fiéis entram pela parte de cima, em uma trilha aberta em frente ao conjunto habitacional da Rua Coração Sertanejo.
O caminho assusta à primeira visita. Quem segue as ripas de madeira que demarcam o trajeto escuta, logo nos primeiros 50 metros, um zumbido seguido por uma série de sussurros. O som fica quase inidentificável, misturado ao ruído de grilos. As copas das árvores altas se fecham acima e ao redor, confundindo a visão.
Adiante, numa grande clareira, pode-se distinguir o lamento e as rezas do som de insetos e do piar de pássaros. É a primeira de uma série abertas ao longo da trilha.
Evangélicos perambulam e rezam pelas clareiras. Montam barracas e acendem fogueiras. "Aqui sinto a presença de Deus", diz Vagner dos Santos, de 36 anos, evangelista da Igreja Pentecostal Jesus Cristo É o Ministério. Frequentador do "monte" há 13 anos, diz que às vezes "os verdinhos" (guardas florestais) vão até lá e pedem para não cortarem árvores. Os crentes também apelam: pregaram duas placas com a inscrição "não destrua as árvores".
Ariane Muller, de 46, diaconisa da Assembleia de Deus Ministério Resgate, conta que os evangélicos simulam na APA uma passagem bíblica do Monte Sinai: "Está dito que Moisés subia o monte para buscar a Deus. Aqui, nos reunimos para fazer propósitos com Deus. Fazemos pedidos e aguardamos respostas".
Há quem passe o dia inteiro na mata. O pastor José Moura, de 49, fica em uma barraca de lona e plástico. Ele explica que ali as pregações não incomodam vizinhos. "A gente não tem aonde ir, a não ser as matas. A mata não é interditada nunca." Mas fiéis contam que o acesso foi fechado duas vezes, por volta dos anos 2007 e 2009 - quando deixaram de ir ao Monte. Mas há muito, relatam, "pessoas arrebentaram a grade". E o acesso ficou livre outra vez.
Mata do Iguatemi aguarda recuperação ambiental há 9 anos
Acordo entre Prefeitura e CDHU, que levou multa de R$ 5 milhões em 2004, prevê plantio de 7 mil árvores e cerca nova
24 de fevereiro de 2013 | 2h 05
O Estado de S.Paulo
O poder público de São Paulo sabe que a Área de Proteção Ambiental (APA) Mata do Iguatemi precisa ser recuperada. Até hoje, no entanto, o governo do Estado não fez a intervenção necessária. A morosidade na celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado no fim de janeiro com a Prefeitura, agravou a situação ao deixar a APA sem cuidados por nove anos seguidos.
Os efeitos de uma canetada de 2004 só começarão a ser vistos agora. Em dezembro daquele ano, fiscais da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) aplicaram multa de R$ 5.041.655,00 à Companhia de Desenvolvimento e Habitacional e Urbano (CDHU) por dano ambiental. A estatal de habitação é dona da área onde fica a APA e deveria mantê-la preservada.
A degradação foi constatada por fiscais da SVMA, que participavam de uma reintegração de posse da CDHU contra comerciantes e moradores de 40 barracos instalados ilegalmente dentro da APA. Lotes eram vendidos.
Os invasores foram removidos. E os fiscais do verde constataram "risco de dano ambiental grave": havia desmatamento, construção de cercas com árvores de Mata Atlântica, criação de animais, abertura de poços semiartesianos, esgoto a céu aberto e lançamento de resíduos domiciliares.
Inércia. A CDHU tentou recorrer da multa, mas a secretaria a manteve. Fiscais relataram que a CDHU movia um processo de reintegração de posse desde 2000 e que, à época, havia apenas 30 famílias invasoras na APA. Destacaram que, por causa "da inércia da CDHU", que não conteve a expansão, quatro anos depois o número de famílias subira para 40. Em 2006, a estatal pediu para celebrar um TAC. O Departamento de Controle da Qualidade Ambiental (Decont) da Prefeitura aceitou em 2008.
Desde então, a SVMA prorrogou sucessivamente os prazos para que a CDHU cumprisse as exigências do acordo. Técnicos da secretaria disseram que "concediam mais tempo quando a CDHU pedia, porque seria mais vantajoso que a empresa atendesse às exigências e reparasse a APA". E que, com a multa "a recuperação da APA seria obrigatória, com ou sem TAC".
Gastos. O acordo deve ficar mais barato para a CDHU, que não vai mais pagar os R$ 5 milhões. Ela ficou obrigada a desembolsar 10% da multa, cerca de R$ 500 mil. E deve gastar mais R$ 2.729.229,66 no projeto de reparação - conforme a planilha de custos. Mas a estatal estima desembolsar R$ 1,6 milhão, porque a recuperação será licitada. O edital está sendo preparado para lançamento ainda neste mês.
A reparação consiste no plantio de 7.689 de mudas de árvores nativas, onde houve ocupação irregular - o que não inclui as clareiras do Monte Sagrado. E de outras 1.358 mudas de bromélias - que formarão uma cerca viva, atrás de grades recolocadas.
Terra fértil e grama serão colocadas onde há entulho de construções irregulares e em um barranco de terra exposta. A CDHU também está obrigada a refazer a calçada ao redor do terreno com material que favoreça a drenagem da chuva. E a desviar o lançamento de esgoto.
A SVMA também fará vistorias na APA após a recuperação terminar. A CDHU tem de fazer a manutenção das intervenções na floresta por dois anos; apresentar relatórios semestrais e laudo sobre o dano ambiental constatado, que mostre também se houve contaminação do subsolo e das águas subterrâneas.
A CDHU tem seis meses para começar a intervenção, o que deve ocorrer até o fim de julho. A empresa prevê dois anos de obras. "Toda a área inserida na APA será recuperada e preservada", disse o governo por nota. / F.F.
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