segunda-feira, 4 de março de 2013

Professores assumem aulas nas prisões


Docentes contratados pelo governo paulista entram nas salas prisionais, antes sob responsabilidade da Administração Penitenciária

24 de fevereiro de 2013 | 2h 07

Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
Após três anos de experiência em uma escola estadual em Hortolândia, Aldo Cesar de Lima aceitou um desafio: tornou-se, no início deste mês, professor no presídio. Uma troca que foi feita por outros 537 docentes da rede. É que, neste ano, as classes prisionais saíram das mãos da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e estão sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Educação (SEE).
A mudança ocorre dois anos e meio após uma resolução do Conselho Nacional de Educação definir que a garantia de educação nos estabelecimentos penais passasse a ser atribuição direta do órgão responsável. São Paulo foi um dos últimos Estados a fazer essa transferência. As 154 penitenciárias paulistas abrigam cerca de 200 mil presos, sendo que 15 mil deles estudam, o que corresponde a 7,5% da população encarcerada.
"Isso trará um grande impacto, até pelo tamanho de seu sistema prisional (o maior do País, com mais de um terço dos detentos)", avalia a coordenadora-geral de Reintegração Social e Ensino da diretoria de Políticas Penitenciárias do Ministério da Justiça, Mara Fregapani Barreto. Ela explica que o objetivo é fazer com que as questões sejam tratadas sempre em parceria da SAP com a Educação. Tanto que, desde 2012, para pleitear recursos da União, os Estados têm de mandar seu plano de educação assinado pelos dois secretários.

Estrutura. Para atender à demanda, são necessários 1.532 docentes. "Neste início não foi possível suprir tudo, até por falta de professores interessados, mas as atribuições continuarão no decorrer do ano", explica Andréa dos Santos Oliveira, do Núcleo de Inclusão Educacional da Secretaria de Educação. Ela diz que, apesar de pagamento de bônus salarial, adicional de local de exercício e insalubridade estar sendo discutido, ainda não há nenhum projeto de lei a respeito.
Por enquanto, para lecionar no presídio, o professor temporário foi motivado pela garantia de não ficar sem trabalho e, claro, pelo desafio - como conta Aldo. Ele costumava pegar um ônibus com ponto final na penitenciária e ouvia a conversa das mulheres dos presos. "O assunto eram os planos, sempre otimistas, para quando a pena terminasse. Mas eu sabia que era quase impossível."
Quando, no fim do ano passado, soube das aulas na prisão, decidiu ir. "Passei a noite adaptando o material. Tudo o que quero é corresponder às expectativas dos meus alunos. Quero que eles tenham o mesmo preparo que um aluno de fora."
Antes de pisar no presídio, ele e todos os outros professores participaram de dois dias de videoconferência e fizeram uma visita de ambientação à unidade prisional. O material pedagógico utilizado é o mesmo das turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, de acordo com a secretaria, os cursos de formação devem começar em abril e com dois eixos de atuação.
O primeiro dará conta do conteúdo pedagógico com foco na atuação em salas multisseriadas - as turmas não são separadas por série, mas em ciclos: anos inicias e finais do fundamental e ensino médio. Além desse preparo técnico, uma parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) garantirá formação específica para trabalhos em contexto de privação de liberdade.
Para Denise Carreira, coordenadora da área de Educação da Ação Educativa e membro de grupos de estudo sobre educação nas prisões, a mudança da SAP para a Educação representa um avanço. Mas há ressalvas. "Como é uma política que exige formação, seria importante que houvesse estímulo para que profissionais experientes viessem para o sistema. Mas foram chamados até professores com vínculo precário, como os temporários. Outro problema foi deixá-los assumir antes dos cursos de formação. Também é preciso cuidado para não escolarizar demais e esquecer de se adaptar aos interessados."


'Aqui o preso nem levanta a cabeça'

Juliana Cunha conta que 'lá fora' já foi agredida

24 de fevereiro de 2013 | 2h 06
Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
À espera de sua primeira aula na Penitenciária 2 de Hortolândia, há duas semanas, a professora Juliana Cunha, de 35 anos e com 13 de magistério, parecia calma. "Lá fora, já fui agredida. Os alunos jogaram uma carteira em cima de mim quando eu estava grávida. Aqui, é diferente. Os presos respeitam tanto que nem levantam a cabeça."
Juliana: 'Conteúdo para 50 minutos de aula' - Jonne Roriz/Estadão
Jonne Roriz/Estadão
Juliana: 'Conteúdo para 50 minutos de aula'
Mal entrou na "cela de aula" gradeada, o discurso foi esquecido. Nos primeiros minutos, ficou acuada no cantinho da parede, num monólogo que lembrava aos detentos - a maioria deles com a camiseta branca por dentro da calça caqui - que, apesar dos erros, todos merecem uma segunda chance.
Professora de inglês e artes, ela assumiu aulas em três penitenciárias da cidade. São três revistas diárias e a precaução para evitar qualquer apetrecho que faça soar o detector de metais da portaria, como sutiã com aro de metal, sapato de salto ou brincos.
A restrição também é pedagógica. Está vetado o uso do vermelho nas aulas de artes (o tom incitaria a violência) ou a exibição de quadros de guerra. De pedagógico, essa foi a única orientação que recebeu até agora.
Na última sexta-feira, duas semanas após o início do trabalho, ela já tinha perdido o medo, mas não havia recebido nenhum material didático. "Estou adaptando livros do supletivo, mas gostaria de ser melhor orientada e também que nos oferecessem apoio pedagógico."
Enquanto isso não acontece, Juliana faz ioga e meditação para relaxar e gasta o resto do tempo livre preparando o material do dia seguinte. "E não é fácil, não. Na escola normal, você passa metade do tempo botando ordem, no presídio você precisa ter conteúdo para os 50 minutos." 


Monitor com passado e domínio

Preso por sequestro, Vitório Zdonek Filho dá aulas

24 de fevereiro de 2013 | 2h 06
Ocimara Balmant - O Estado de S. Paulo
Não vai demorar uma semana e já serão todos malandrinhos, brincou Vitório Zdonek Filho, de 40 anos, quando alguém pediu que ele ajudasse os professores da Secretaria de Educação a se ambientarem por ali.
Zdonek: 'Muitos foram bem no Enem' - Jonne Roriz/Estadão
Jonne Roriz/Estadão
Zdonek: 'Muitos foram bem no Enem'
Da escola da cadeia, ele entende bem. Há seis anos, atua como preso monitor e, ali na Penitenciária 2 de Hortolândia, dá aulas do ensino fundamental ao médio. Sem que ninguém duvide de sua capacidade. Nem há razão para isso. Zdonek cumpre bem os dois requisitos avaliados pelos internos: um passado que lhe rende respeito dentro do presídio e conhecimento técnico.
O primeiro se deve ao crime cometido. Zdonek está ali condenado por sequestro, cuja complexidade e ousadia já o faz ser admirado pelos outros detentos. Quanto à formação pedagógica, basta assistir à meia hora de explicação sobre o novo acordo ortográfico para constatar o domínio do repertório.
Conhecimento que não é fruto de formação prévia, mas de dedicação. Após frequentar o ensino médio na penitenciária, Zdonek fez seu primeiro Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu se certificar. Repete o exame todo ano. Em 2012, diz que tirou 823, o suficiente para entrar até no curso de Medicina.
Tudo fruto de seu autodidatismo. Todos os dias, depois do fechamento das trancas, às 17 horas, Vitório tenta abstrair a fala alta da televisão e dos seis companheiros de cela e estuda por cerca de 5 horas. Até 2012, era ele quem decidia o currículo, a metodologia de trabalho e os horários das disciplinas. Dava certo.
"Muitos presos foram bem no Enem e se certificaram. Até o pessoal que já tinha curso superior gostava das aulas", conta, orgulhoso. No ano passado, dois de seus alunos eram contadores formados, presos por fraude.
Neste ano, a chegada dos professores da rede não o afastou da sala de aula. A turma do ensino médio continuará aos seus cuidados até que ele seja transferido para o regime semiaberto. 

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