quinta-feira, 28 de março de 2013

'Argumento contra barragens é falho'


BRUNO DEIRO - O Estado de S.Paulo
Ministro de Minas e Energia no governo Fernando Henrique Cardoso, o engenheiro e economista Francisco Gomide apresentou um relatório à Agência Nacional de Águas (ANA) e ao Ministério do Meio Ambiente no qual alerta para um déficit de grandes reservatórios no País. Para ele, se for mantida a política de optar por usinas do tipo fio d'água - que opera sem reservatório-, problemas de abastecimento e falta de controle de cheias, entre outros, serão sentidos nas próximas décadas.
Como o sr. vê a política de evitar os grandes reservatórios?
Há uma campanha equivocada contra barragens e reservatórios feita por entidades que promovem a consciência ambiental, o que é muito positivo, mas que investe contra alguns alvos errados. O Brasil está abrindo mão de riquezas naturais importantes, na forma de seus recursos hídricos. A questão de dimensionamento do número de reservatórios é científica.
Mais reservatórios deixariam o País menos vulnerável?
Sim, este dimensionamento pode ser projetado com a segurança que você quiser. O problema é que se você constrói como no Brasil, com a tradição de usinas novas a fio d'água e com o volume de armazenamento dos reservatórios existentes, fica cada vez mais difícil atender ao mercado crescente. É uma política equivocada que só vai ficar aparente daqui a 20 ou 30 anos.
De quantos reservatórios o País precisa para evitar riscos?
Não falamos em número de reservatórios, o certo seria em volume. O trabalho que fiz traz uma série de comparações, mas, em particular no setor elétrico, eu diria que os reservatórios estão ficando pequenos demais, pois são equivalentes a apenas quatro meses de fluxo normal. É muito pouco, deveriam equivaler a muito mais.
Existem exemplos em outros países que se possa aplicar aqui?
Os reservatórios americanos, por exemplo, equivalem a 165 dias da vazão média. Foram construídos há mais de 30 anos e não há evidências de que foram um erro. Se, por exemplo, todos os rios secassem de uma hora para outra por lá, os reservatórios aguentariam por 165 dias. Comparativamente, no Brasil, nós temos só 47 dias. E temos isso porque na década de 1950 alguns dirigentes iluminados fizeram a opção por hidreletricidade com grandes reservatórios. Desses 47 dias, 42 vêm do setor elétrico. Se não tivessem feito essa opção lá atrás, o armazenamento brasileiro seria de apenas 5 dias. Há 10 anos, paramos de projetar. O governo jogou a toalha e desistiu de enfrentar organizações ambientais equivocadas.
Em que outros fatores os reservatórios podem ser úteis?
Há milhares de anos os reservatórios servem para administrar os chamados eventos hidrológicos extremos. Mas moramos em um país que acha que não precisamos de obras de infraestrutura. O reservatório guarda água em um momento em que há excesso para ajudar na estiagem. Com o uso para irrigação, também pode aumentar a capacidade agrícola, que sobe exponencialmente.
O principal argumento contra os grandes reservatórios é o
impacto social e ambiental
causado pelos alagamentos.
Como o sr. vê este aspecto?
O problema é que os movimentos ambientais vão contra todas as obras. O equívoco que se comete, na minha opinião, é a ideia de que obras de infraestrutura causam impactos ambientais intoleráveis. Toda e qualquer obra causa impacto, mas não se pode abrir mão delas. A natureza se ajusta. As pessoas não aceitam a tese de que esse ajustamento é possível, de que se pode realocar a população que está na área do reservatório, de que o interesse público é maior que o particular.
O sr. acha que o custo ambiental é menor com os reservatórios?
O que estamos dizendo é: 'Segurem as hidroelétricas, mas, como o consumo segue crescendo, vamos usar as térmicas'. A térmica pega um naco do volume de energia e opera na base, opera sempre. Não sou contra, mas deve ser usada com bom senso. Como complementar é uma beleza, pois o caro é apenas o combustível, não a instalação.
Como o sr. vê a polêmica em torno da construção de Belo Monte, cuja principal crítica recai sobre o reservatório?
É uma obra lógica, mas que é obrigada a ser cortada até que as entidades ambientais aceitem. Aí já não é uma obra defensável, pois foi castrada, e não se pode mais dar uma opinião.


'Reservatórios são úteis, mas agridem ambiente'

22 de março de 2013 | 2h 10
O Estado de S.Paulo
Especialista em direito ambiental, o advogado Carlos Maurício Ribeiro, do escritório Vieira Rezende, defende que a proliferação de reservatórios não é a melhor política a ser adotada pelo governo para dar segurança hídrica e energética ao País.
Qual a sua opinião sobre a construção dos reservatórios?
Existem argumentos técnicos para um lado e para o outro. Militando na área ambiental, o que acho é que os grandes reservatórios foram construídos no passado, estão operando e têm sua função, mas o que temos de tomar cuidado é em ver que o mundo mudou neste período. Além do aumento populacional, houve redução brutal de áreas virgens. Por isso, quando se pensa na ideia de construir grandes reservatórios na região amazônica, acho que não deve ser feito. Há necessidade de explorar, mas o potencial hídrico é tão grande que usinas a fio d'água (que operam sem reservatório) são suficientes para a região, pois a vazão é muito grande e o potencial ecológico da biodiversidade local tem que ser protegido.
Como o sr. vê a construção do
reservatório em Belo Monte?
A gente sabe que inundação traz grandes impactos ambientais. Em Belo Monte, há discussão sobre mudança de vazão, há argumentos contra a construção da usina pelo fato de haver uma grande variação da vazão ao longo do ano. Se for assim, é até o caso de pensar se deveria mesmo colocar uma usina ali ou não, pois isso criaria grandes problemas ambientais. Em um país com potencial hídrico que é indiscutível, não é possível que não se possa dividir ao longo do território usinas fio d'água de forma eficiente, que possam gerar energia para diferentes áreas, sem a necessidade de construir obras faraônicas. As grandes barragens são eficientes, mas causam grandes problemas ambientais e têm impacto na qualidade de vida das populações.
Isso vale para todas as regiões? Em alguns lugares faz sentido, mas não serve como solução única. O que é bom para a usina de Três Marias (MG) pode não fazer sentido na Amazônia ou no Pantanal, que têm ecossistemas muito ricos e importantes. Não é simplesmente ser contra ou a favor dos reservatórios. Há de haver consenso e pensar o que é mais adequado e menos agressivo para cada região. Tudo isso deve ser objeto de um grande trabalho de levantamento de dados e convencimento.
Como solucionar a necessidade do uso de usinas térmicas, que poluem o ambiente?
Temos de usar o potencial eólico do Nordeste, por exemplo. A insolação no Nordeste, no Sudeste e no Centro-Oeste também, pois a energia solar está barateando. Mas vejo mais potencial no setor de gás, cujo gargalo é o sistema de escoamento. É uma fonte de energia para ser usada nas térmicas, muito menos agressiva do que a queima de óleo e carvão. Enfim, é preciso haver equilíbrio entre diferentes fontes de energia.
Como atingir o equilíbrio entre a necessidade de investimentos em infraestrutura e a questão ambiental?
Onde houver dúvida se a construção vai causar um mal maior que o benefício, aí é como cada um olha a questão da ecologia. Nesses casos, acho que deve partir para outra solução. Não se pode pensar apenas no que é mais eficiente para ter segurança energética. Também é preciso evitar políticas que causem, de forma desnecessária, o alagamento de grandes áreas de floresta ou a realocação de populações inteiras. / B.D.


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