sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Política e disputa territorial ajudam a explicar violência no Rio, dizem pesquisadores, FSP

 

São Paulo

A disputa territorial entre diferentes grupos criminosos no Rio de Janeiro ajuda a explicar porque o estado costuma registrar ações violentas e confrontos entre essas facções e a polícia, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.

A operação Contenção, realizada na terça (28) contra o Comando Vermelho, se tornou a ação policial mais letal da história brasileira, com mais de 120 mortos. Fatores como a política local, as particularidades do ecossistema criminal e a corrupção no estado podem explicar as diferenças entre as cenas vistas na capital fluminense e as ações em São Paulo, segundo quem analisa o tema.

O Rio tem no Comando Vermelho um dos principais grupos criminosos em atividade, seguido por milícias e o TCP (Terceiro Comando Puro), além da ADA (Amigos dos Amigos).

O conjunto das áreas sob domínio de grupos armados chega a 20% do Grande Rio, segundo mapa desenvolvido pelo Instituto Fogo Cruzado e o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF (Universidade Federal Fluminense). Essa configuração pode favorecer a evidência dos conflitos, diferentemente do que ocorre em São Paulo, onde há um monopólio aparente do PCC (Primeiro Comando da Capital).

Policial com fuzil caminha em rua de bairro com casas simples e carro completamente queimado bloqueando a via. Resquícios de incêndio e sujeira no chão indicam recente conflito ou vandalismo.
Policial com fuzil caminha em rua na Vila Cruzeiro, no complexo da Penha, após a operação no local - Eduardo Anizelli - 28.out.25/Folhapress

O Comando Vermelho, facção mais antiga no Rio, também teria mais histórico de enfrentamento com a polícia. "O CV tem uma lógica mais belicista e mais belicosa, é a facção que historicamente mais entra em confronto com a PM. Isso tem mudado, mas o TCP não é uma facção tanto de enfrentamento", diz o coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), Jonas Pacheco.

Apesar disso, ele afirma que existem outras formas para o poder público enfrentar a facção.

Diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira, diz que esse modelo de enfrentamento pelo confronto é usada há décadas no Rio, mas nunca impediu o crescimento das áreas dominadas. "O que observamos é a expansão das disputas violentas pelo controle urbano, que mobiliza mercados ilegais de drogas, armas, serviços e domínio territorial com cobrança de taxas. Essa dinâmica envolve também corrupção de instituições públicas, é claro."

Após as operações, geralmente as reorganizações de força aumentam a tensão e violência, diz Pacheco, do CeSec, "em uma tentativa de tomada de território por outras facções." Isso ocorreu, ele diz, após a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, em 2021, e uma disputa pelo espólio do miliciano, responsável pela expansão deste tipo de grupo criminoso pelo estado, especialmente na Baixada Fluminense.

"Sob o governador Cláudio Castro ocorreram três grandes chacinas em área do Comando Vermelho, uma com 28 mortos no Jacarezinho, em 2021, outra com 24 mortos em 2022 e agora essa de 121 mortos na terça. Ainda assim, em 2022 e 2023, o CV assumiu o posto de grupo armado que controla mais localidades na região metropolitana", diz Cecilia.

A ampliação do poder bélico de grupos como o Comando Vermelho é uma realidade que exige mais articulação do Estado, diz ela. "Do que adianta apreender quase cem fuzis quando a gente sabe que apenas com um CAC o Comando Vermelho gastava R$1,6 milhão por mês?"

Para a professora do mestrado em segurança pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) Jacqueline Muniz, a própria organização dos grupos políticos no Rio de Janeiro e em São Paulo ao longo da história recente ajudam a explicar como funcionam as facções.

"No Rio você tem vários grupos políticos que disputam territórios, campos de influência eleitoreira, currais eleitorais, desde o Estado Novo para cá. Quem organizou o tráfico de drogas no Rio pagou pedágio para o jogo do bicho, os de território e consorciados com atores estatais desde a década de 1940."

O estado guarda uma particularidade de ter muitas disputas internas, que se refletem nos territórios, segundo a professora, diferentemente de São Paulo. "Aqui [no Rio] há várias facções porque existem várias facções políticas. Em São Paulo, você tem uma facção política e uma facção criminosa."

Como a política paulista tem grupos políticos que mantêm uma coesão interna há décadas, o crime também se organizou dessa maneira, diz Muniz. "Em São Paulo você tem unidade de propósitos, em termos políticos eleitoreiros e tem unidade no crime. Diz-se que São Paulo é a locomotiva do país, o mundo do empreendedorismo, das entradas e bandeiras. Da mesma maneira pensa o PCC. Eles se acham capitalistas abrindo território."

Apesar disso, os pesquisadores afirmam que São Paulo também tem registro de operações violentas, como as operações Escudo e Verão, que deixaram mais de 80 mortos na Baixada Santista.

"São Paulo experimentou também operações desastrosas em termos de troca de tiro e enfrentamento. É uma mudança dos últimos anos", diz Pacheco.

Mais do que a preocupação com segurança, a mobilização de governadores após a operação, segundo os especialistas, mostra que o saldo político é a prioridade para estes atores, especialmente com o ano eleitoral à vista.

"A polícia de São Paulo entra e sai de qualquer lugar e a polícia do Rio entra e sai de qualquer lugar há 40 anos. Já entrou mil vezes no Alemão, já saiu. A presença do Estado é negociada", diz Muniz. "Faz-se a guerra para vender a paz da propina, a paz do arrego."


Editorial The Economist: Javier Milei tem chance de transformar a Argentina e dar lição ao mundo, FSP

 The Economist

Javier Milei tem se especializado em contrariar expectativas. Quando anunciou a candidatura à Presidência, muitos riram. Quando venceu, disseram que os protestos inviabilizariam suas reformas. Quando obteve os primeiros êxitos, minimizaram.

Agora, após um ano turbulento, o libertário irascível surpreende novamente com uma vitória expressiva nas eleições legislativas de meio de mandato. Ele precisa aproveitá-la para revitalizar seu programa de reformas radicais.

Os cortes de gastos de Milei são, talvez, os mais profundos e rápidos já impostos a um país com amplo consentimento democrático. Quando venceu a eleição, prometendo austeridade severa, os eleitores ainda não haviam sentido o peso de sua "motosserra".

Homem de cabelos escuros e jaqueta preta inclina a cabeça para trás com boca aberta, em frente a um fundo azul com desenho branco estilizado de uma águia. Pessoas ao fundo seguram celulares para registrar o momento.
Presidente argentino Javier Milei comemorando a vitória de seu partido nas eleições de meio mandato - Luis Robayo - 23.out.25/AFP

Agora sentiram: cortes tão drásticos que só encontram paralelo na Grécia pós-crise, onde um trio de instituições internacionais impôs medidas de austeridade sob forte indignação popular. Ainda assim, os eleitores voltaram a apoiá-lo. Como apenas parte das cadeiras estava em disputa, Milei não conquistou maioria no Congresso, mas agora tem força suficiente para barrar tentativas de restaurar os gastos públicos, e pode formar coalizões para aprovar novas reformas.

Isso importa para muito além do rio da Prata. Muitos governos de países ricos enfrentam déficits fiscais e dívidas crescentes. Seus problemas não chegam ao nível argentino, mas ainda assim há lições a extrair de Milei. Seu sucesso mostra o poder de mensagens econômicas duras, porém coerentes, quando transmitidas com clareza e convicção.

É verdade que o realismo fiscal direto pode ser mais bem recebido pelos argentinos do que por europeus ou norte-americanos, que não conhecem as misérias da hiperinflação recorrente e dos controles de preços. Mas, até Milei, analistas céticos sustentavam que os argentinos jamais apoiariam cortes tão profundos.

O presidente agora tem uma rara oportunidade de lançar uma segunda leva de reformas. A tarefa urgente é completar a transição da Argentina para a normalidade macroeconômica. Isso começa com a flutuação plena do peso. Milei passou a depender demais de uma moeda artificialmente valorizada para conter a inflação, o que prejudicou o crescimento e dificultou a acumulação de reservas internacionais. Sua vitória eleitoral torna possível uma desvalorização ordenada, mas o tempo é curto. Após um breve rali pós-eleitoral, o peso voltou a cair em direção ao limite inferior da faixa em que hoje é permitido flutuar.

Além de eliminar, ou ao menos alargar, essa faixa, o governo precisa adotar uma política monetária clara, que use as taxas de juros para ancorar a inflação. Também deve acumular reservas externas. Feito isso, a Argentina poderá recuperar o acesso aos mercados globais de capitais e refinanciar parte de sua dívida. Cerca de US$ 20 bilhões vencem no próximo ano.

Milei também precisa criar condições para o crescimento. Liberalizar o mercado de trabalho e simplificar o sistema tributário seriam bons começos. Essas medidas reforçariam as reformas financeiras, impulsionando a economia e a popularidade do presidente e abrindo caminho para enfrentar temas mais espinhosos, como a reforma da Previdência.

Para aprovar leis, ele precisa de uma coalizão no Congresso e do apoio dos governadores provinciais. Investidores exigem segurança jurídica e estabilidade; a agressividade do governo, por vezes direcionada a instituições independentes, não pode minar isso. Uma reforma ministerial ajudaria.

Milei tem a chance de melhorar a Argentina de forma duradoura, transformando os termos do debate político. A cada ciclo eleitoral, os mercados oscilam com a possibilidade de uma vitória dos peronistas gastadores. O país só se tornará "normal" quando tiver uma oposição que também defenda disciplina fiscal. Se as reformas de Milei tornarem a Argentina mais próspera e estável, isso poderá obrigar o peronismo a adotar a racionalidade fiscal.

O caminho, no entanto, está repleto de armadilhas. A arrogância e o estilo combativo do presidente podem ser seu tropeço. Ainda assim, sua trajetória já oferece lições ao mundo —e, em breve, pode oferecer mais.