Luiz Alexandre Souza da Costa
Há muito o comando das Forças Armadas protesta pela impossibilidade do uso de determinadas "regras de engajamento" quando atuam pela Garantia da Lei e da Ordem. Tais regras são parâmetros de conduta que devem ser tomados pela tropa para cada situação que ocorra durante seu serviço.
O ponto que os militares postulam, e que foi levantado principalmente nas campanhas à Presidência da República e ao Governo do Rio de Janeiro, são ações que possam culminar com a eliminação à distância e sumária quando forem identificados criminosos portando fuzis.
Enquanto Jair Bolsonaro abordou o assunto genericamente, Wilson Witzel, governador fluminense eleito, foi e vem sendo direto nesse tópico. Dentre suas várias declarações sobre o tema, afirmou que soldados não devem fazer interpretações legais, mas sim "atirar e abater". E que ele, um ex-juiz, e outros juristas fariam tais análises.
Apesar da retórica dos políticos eleitos, do apoio de parcela da população e de policiais, a questão é muito mais complexa.
O que está se propondo na verdade é a implantação da pena de morte no Brasil em tempos de paz. Entretanto, quem decretaria essa execução em tais casos não seria um magistrado, sob a égide de garantias processuais, previstas mesmo em momentos de guerra.
Quem é favorável ao tema alega que se pode empregar como fundamento jurídico a analogia à "lei do abate", que autoriza a Aeronáutica a abater aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de drogas em espaço aéreo brasileiro.
Esquecem de dizer, porém, as várias diferenças entre tal lei e o que querem implementar. É medida tão grave que só se pode abater uma aeronave hostil com autorização do próprio presidente da República ou do comandante da Aeronáutica. Além disso, os disparos devem ser utilizados para provocar danos, sendo empregados somente como último recurso.
A finalidade não é destruir a aeronave e matar seus ocupantes. Isso seria uma consequência não desejada, mas possível. No caso das operações sugeridas com snipers contra marginais portando fuzis, o alvo, conforme outra declaração de Witzel, seria a cabeça do criminoso, objetivando claramente sua morte, mesmo sem haver situação de legítima defesa concreta.
E quem decretaria essa pena de morte sumária, fazendo um papel até superior ao de um juiz? O governador, o secretário de Estado, o comandante ou o próprio policial, que seria nesse caso juiz e carrasco?
Sem fazer juízo de valor a respeito do criminoso, do crime ou do perigo que ele representa, esse tipo de ação não se coaduna com qualquer legislação penal e tampouco com as cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Além disso, em um país em que o Poder Judiciário impede veementemente meros mandados de busca e apreensão coletivos, dificilmente seria ele partidário de uma pena de morte extrajudicial.
Assim, um agente que cumpra tal ordem poderá responder pelo crime de homicídio qualificado, com prazo prescricional de 20 anos. Para ele, exclusivamente, a espada da Justiça irá pender até quando Witzel e Bolsonaro forem tão somente personagens distantes da história brasileira.
O ponto que os militares postulam, e que foi levantado principalmente nas campanhas à Presidência da República e ao Governo do Rio de Janeiro, são ações que possam culminar com a eliminação à distância e sumária quando forem identificados criminosos portando fuzis.
Enquanto Jair Bolsonaro abordou o assunto genericamente, Wilson Witzel, governador fluminense eleito, foi e vem sendo direto nesse tópico. Dentre suas várias declarações sobre o tema, afirmou que soldados não devem fazer interpretações legais, mas sim "atirar e abater". E que ele, um ex-juiz, e outros juristas fariam tais análises.
Apesar da retórica dos políticos eleitos, do apoio de parcela da população e de policiais, a questão é muito mais complexa.
O que está se propondo na verdade é a implantação da pena de morte no Brasil em tempos de paz. Entretanto, quem decretaria essa execução em tais casos não seria um magistrado, sob a égide de garantias processuais, previstas mesmo em momentos de guerra.
Quem é favorável ao tema alega que se pode empregar como fundamento jurídico a analogia à "lei do abate", que autoriza a Aeronáutica a abater aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de drogas em espaço aéreo brasileiro.
Esquecem de dizer, porém, as várias diferenças entre tal lei e o que querem implementar. É medida tão grave que só se pode abater uma aeronave hostil com autorização do próprio presidente da República ou do comandante da Aeronáutica. Além disso, os disparos devem ser utilizados para provocar danos, sendo empregados somente como último recurso.
A finalidade não é destruir a aeronave e matar seus ocupantes. Isso seria uma consequência não desejada, mas possível. No caso das operações sugeridas com snipers contra marginais portando fuzis, o alvo, conforme outra declaração de Witzel, seria a cabeça do criminoso, objetivando claramente sua morte, mesmo sem haver situação de legítima defesa concreta.
E quem decretaria essa pena de morte sumária, fazendo um papel até superior ao de um juiz? O governador, o secretário de Estado, o comandante ou o próprio policial, que seria nesse caso juiz e carrasco?
Sem fazer juízo de valor a respeito do criminoso, do crime ou do perigo que ele representa, esse tipo de ação não se coaduna com qualquer legislação penal e tampouco com as cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Além disso, em um país em que o Poder Judiciário impede veementemente meros mandados de busca e apreensão coletivos, dificilmente seria ele partidário de uma pena de morte extrajudicial.
Assim, um agente que cumpra tal ordem poderá responder pelo crime de homicídio qualificado, com prazo prescricional de 20 anos. Para ele, exclusivamente, a espada da Justiça irá pender até quando Witzel e Bolsonaro forem tão somente personagens distantes da história brasileira.
Luiz Alexandre Souza da Costa
Major da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais e especialista em direito penal