quarta-feira, 24 de abril de 2013

Os filhos fanáticos, por João Pereira Coutinho na FSP


A natureza do horror não está nos manuais; está em pequenas obras-primas da literatura contemporânea
DEPOIS DOS atentados de Boston, a pergunta: serão terroristas genuinamente americanos, como Timothy McVeigh? Ou serão terroristas americanos convertidos ao fundamentalismo "religioso" (um eufemismo para evitar a palavra "islâmico")?

Nenhuma conclusão apressada. Esperei para ver. E ler. Nas horas seguintes, nos dias seguintes, começaram a surgir pormenores.

Dois suspeitos. De origem tchetchena. O puzzle começava a compor-se: os tchetchenos não são conhecidos por seguirem a religião cristã (ou judaica). Mas, por outro lado, a inimizade tchetchena tem Moscou como alvo, não Washington (ou Boston). Uma inimizade política, não religiosa.

O círculo policial começou a fechar-se. Os dois suspeitos, os dois tchetchenos, eram irmãos. E o mais velho, que começou a ter influência letal sobre o mais novo, foi encontrando nos preceitos corânicos o tipo de "identidade" que ele não encontrava na sociedade americana de acolhimento.

Foi o adeus ao álcool. O adeus ao fumo. E a condenação violenta do rasteiro materialismo americano, um clássico do islamismo radical desde Sayyd Qutb (1906""1966), o teórico da Irmandade Muçulmana que visitou os Estados Unidos em finais da década de 1940 e deixou uma "bíblia" fanática a respeito.

Os dois suspeitos, os dois tchetchenos, os dois irmãos eram, Deus nos perdoe, dois jihadistas em solo americano?

Aqui, o pânico da mídia ocidental "progressista" voltou a soar mais forte. Já ninguém discutia esses pormenores. A estratégia era outra: martelar até a insanidade que não existe nenhuma relação entre o islã e o terrorismo.

Concordo. Digo mais: não há nenhuma relação entre o islamismo, o cristianismo ou judaísmo e atos criminosos contra inocentes. Pelo contrário, as três religiões condenam expressamente esses atos.

Só que essa não é a questão. Nunca foi. A questão é a inversa: saber se existe uma relação entre atos terroristas e a interpretação que os próprios terroristas fazem da religião islâmica. Pretender silenciar o debate com a proclamação infantil "nem todos os muçulmanos são terroristas!" é o mesmo que condenar qualquer crítica ao Estado de Israel como antissemita.

Comigo não, violão. É possível criticar racionalmente Israel. E é possível constatar a desproporcionalidade de atos de terrorismo cometidos por inspiração islamita. Relembrar uma evidência é o primeiro passo para compreender a natureza do horror.

E essa natureza não está nos manuais de filosofia, ou de história, ou de ciência política. Está em pequenas obras-primas da literatura contemporânea como o profético conto de Hanif Kureishi intitulado "My Son the Fanatic" (1994).

Foram vários os editoriais que, a respeito de Boston, prestaram homenagem ao conto e ao próprio Kureishi. Justíssimo. Como escritor, sempre defendi que Kureishi merece o mesmo respeito que Ian McEwan ou Julian Barnes, seus colegas de geração.

E o conto é um primoroso retrato sobre a radicalização de um imigrante paquistanês de "segunda geração" em solo britânico.

Digo "segunda geração" porque Kureishi capta o essencial do novo terror: ao contrário dos pais, que viajaram para o Ocidente em busca de uma vida melhor, é precisamente essa "vida melhor" que inquieta os filhos.

Confrontados com o pluralismo das sociedades abertas, onde a frustração de expectativas faz parte do jogo da liberdade, há nos filhos uma busca desesperada por um sistema total (e totalitário) que os salve do caos ético e epistemológico dessas sociedades.

O que para os pais é um sonho (viverem livres do dogmatismo doméstico), para os filhos é um pesadelo. Por isso eles fantasiam o exato dogmatismo de que os pais fugiram.

No conto de Kureishi, esse abismo está presente no diálogo tenso entre o pai e o filho: o primeiro, bebendo um uísque e tentando convencer o filho a desfrutar a vida; e o segundo, enojado com os uísques do pai, respondendo que há coisas mais importantes para fazer do que simplesmente desfrutar a vida.

Como disse um dos irmãos tche- tchenos, "eu não tenho nenhum amigo americano". E acrescentou: "Eu nem sequer os entendo."

Eis o primeiro passo para o terror: olhar para as vítimas, não como nossos semelhantes, mas como seres inferiores e estranhos que não merecem sobreviver.
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Novas medidas chegam tarde para 30% das usinas

O Estado de S. Paulo - 24/04/2013
 

Segundo presidente da associação das usinas, cerca de um terço delas, em crise financeira, não terá como se qualificar para os financiamentos
A ajuda anunciada ontem pelo governo para o setor sucroalcooleiro chega tarde para muitas usinas. Segundo Elizabeth Faria, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), pelo menos 30% das usinas não terão como acessar os financiamentos com juros reduzidos para renovação dos canaviais e estocagem de etanol - com graves dificuldades financeiras, não terão como se qualificar para esse crédito.
Nos últimos cinco anos, de acordo com Elizabeth, 40 usinas de açúcar e álcool paralisaram o processamento de cana no País, e, em função das margens negativas, mais 12 devem suspender as atividades neste; ano. Ela afirma, porém, que esses fechamentos não significam risco de desabastecimento, porque toda a cana disponível será processada e a produção de etanol deve crescer de 21 bilhões para 25 bilhões de litros.
A presidente da Unica considerou, porém, que a redução das taxas dos financiamentos de 8,5% para 5,5% ao ano, no caso das lavouras, e de 8,7% para 7,7%, no caso da estocagem, vai elevar a demanda pelos recursos do governo para o setor. Dados divulgados nesta semana pelo Ministério da Agricultura mostram que, de julho do ano passado a março deste ano, as usinas tomaram apenas R$ 135 milhões (6,8%) dos R$ 2 bilhões programados para estocagem e R$ 944 milhões (39>3%) para renovação e ampliação dos plantios com cana.
Para a Unica, a redução do PIS/Cofins (que, na prática, será zerado) deve até ajudar na competitividade do etanol em relação à gasolina, mas a entidade pondera que o benefício poderá ficar "parcialmente ou integralmente" com outros elos da cadeia (distribuição, varejo ou o consumidor, no caso de uma redução do preço final), e não apenas com o produtor.
Fôlego. Para Fábio Silveira, sócio da área macrossetorial da GO Associados, a mudança no PIS/Cofins dará fôlego ao usineiro. "A medida dará fôlego financeiro para que o produtor consiga ter gerenciamento financeiro da atividade alcooleira. É um dinheiro bem-vindo para rolar a dívida, investir em ampliação de área, ou mesmo para suprir o custo financeiro, por exemplo", disse.
Ele avalia que o segmento de etanol foi o mais prejudicado pela não correção do preço doméstico da gasolina aos padrões internacionais. Até o ano passado, o governo reajustava os preços da gasolina nas refinarias, mas reduzia a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para não repassar o aumento aos consumidores. Como o etanol tem grande parte do preço definido pela paridade com a gasolina, o represamento da alta no reajuste do combustível de petróleo freou as possíveis altas também no álcool. / Célia Froufe, Renata Veríissimo, Venilson Ferreira e Gustavo Porto

Pelo futuro da Embrapa

O Estado de S.Paulo
Criada há 40 anos com a missão de gerar tecnologias para modernizar a agricultura brasileira, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) teve papel decisivo nas imensas transformações pelas quais passou o setor. As inovações tecnológicas produzidas por seus pesquisadores foram fundamentais para aumentar e diversificar as exportações, reduzir o preço dos alimentos e impulsionar o crescimento da indústria brasileira.
Os benefícios para os moradores das cidades foram enormes. Em 40 anos, a safra de grãos no Brasil quadruplicou e o preço da cesta básica caiu pela metade. A agricultura brasileira produz, por ano, o suficiente para alimentar mais de 1 bilhão de pessoas e gera excedentes que, exportados, ajudam a manter o saldo comercial do País, mesmo em anos de baixo crescimento, como 2012. O faturamento anual da indústria associada à agricultura ultrapassa R$ 500 bilhões.
A Embrapa é também reconhecida pela gestão eficiente de seus recursos humanos e financeiros. Seu balanço social, em 2011, mostrou lucro de R$ 17,8 bilhões. Ele foi apurado com base nos impactos de uma amostra de 114 tecnologias e 163 cultivares desenvolvidos pela empresa e transferidos para a sociedade. Cada real aplicado na Embrapa pela sociedade retorna multiplicado por 8,6.
Erros de gestão e direcionamento, no entanto, igualmente marcaram a história da Embrapa, bem como algumas indicações desastradas em sua diretoria e em gerências de suas unidades. Desmandos e equívocos, como os ocorridos em algumas de suas unidades de pesquisa, foram apontados pelo Estado. Mas os maiores problemas vieram de fora. Ao longo dos anos, decisões governamentais limitaram sua agilidade na contratação de pessoal e no uso de seus recursos e burocratizaram ao extremo a gestão da pesquisa.
Hoje, o orçamento da Embrapa é insuficiente e seus projetos sofrem falhas de continuidade. Como em qualquer instituição científica, seu processo de geração e adaptação de tecnologias implica investimentos volumosos em pesquisa aplicada e fundamental. Para ser competitiva, no longo prazo, a Embrapa necessita de recursos que lhe assegurem condições de enfrentar seus principais competidores internacionais. Os países desenvolvidos investem cerca de 3% do PIB agropecuário em pesquisa, ante 1,5% do Brasil.
A Embrapa precisa de um mecanismo para dinamizar sua relação com o setor produtivo e com o mercado de inovação tecnológica. A solução não está na abertura do capital, como propõem alguns políticos, mas, sim, e em parte, na abertura de uma subsidiária. Já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado projeto de lei que cria a Embrapa Tecnologias S.A. (Embrapatec), subsidiária da Embrapa. Essa iniciativa deverá ser um passo novo e estratégico para o futuro da agricultura brasileira. A Embrapatec, uma sociedade por ações de capital fechado, poderá comercializar tecnologias, produtos e serviços gerados pela Embrapa, explorar suas marcas e aplicar recursos em investimentos e custeio da pesquisa agrícola. Terá a agilidade que o mercado exige e poderá obter os recursos de que a pesquisa precisa.
A Embrapa é também uma federação de redes. Suas unidades refletem os diversos elos da agricultura e pecuária em todos os sentidos: social, econômico e político. A empresa pretende ampliar sua atuação na África e na América Latina e ainda não tem uma atuação estruturada nas mídias sociais. Isso tanto no aspecto da interação e da articulação das suas próprias células quanto em sua relação com seu mercado atual e os que pretende conquistar.
Sem uma visão de futuro da agricultura e da sociedade, não há como definir os novos rumos da Embrapa. Suas ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação devem estar voltadas para os grandes desafios nacionais, em sintonia com as demandas da agropecuária, e buscar maior atuação em redes acadêmicas, econômicas e sociais. Não basta admirar a Embrapa e elogiar suas realizações. É necessário dar-lhe os meios para prosseguir seu trabalho, com sucesso, por mais 40 anos.