sexta-feira, 27 de abril de 2012

Os CEOs financistas


Coluna Econômica - 26/04/2012
Com a entrada dos gestores financeiros nas grandes empresas, o corte de custos tornou-se uma obsessão. Nada contra o aumento da eficiência, mas voltou-se a práticas dos anos 80, em que o dono da tesoura saía tesourando sem dispor da menor visão sistêmica.
Nas empresas verdadeiramente comprometidas com programas de qualidade e gestão, o ponto central é a visão de conjunto, analisando resultados, sim, mas o longo prazo, o clima interno, a imagem junto aos clientes.
Nesse modelo financista, desmontaram-se áreas de desenvolvimento, prejudicou-se o atendimento ao consumidor. Só que os efeitos desse desmonte aparecem no médio prazo, enquanto o corte de despesas reflete-se no balanço trimestral.
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Com os executivos sendo premiados com bônus polpudos em função exclusivamente dos resultados trimestrais, houve o comprometimento da visão de longo prazo em benefício de melhorias pontuais de curto prazo: algo similar ao populismo na política.
É significativo o que ocorreu na Vale do Rio Doce na gestão Roger Agnelli.
Roger formou-se no mercado de capitais, como executivo da Bradespar. Assumiu a Vale conservando parte do estilo Bradesco: discrição, criação de uma solidariedade interna, responsabilidade social e um enorme potencial para se transformar em um dos principais CEOs brasileiros.
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Aos poucos, deixou-se contaminar pelo estilo financista dos anos 90 e 2000. A busca da rentabilidade a qualquer preço, a megalomania, modificaram seu temperamento. Deixou de ouvir seus diretores, de prestar satisfações a seus acionistas e passou a jogar exclusivamente para SUA plateia: o mercado e o jornalismo financeiro.
Tomou diversas decisões de afogadilho, que ajudaram a pavimentar seu presente e a comprometer seu futuro.
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A Vale adquiriu minas no Canadá. O presidente designado para a nova companhia, Murilo Ferreira, ponderou sobre a necessidade de um trabalho de aproximação com sindicatos, ambientalistas, sociedade canadense. Roger não aceitou. Queria resultados imediatos. Murilo acabou pedindo demissão. O resultado foi uma entrada caótica no Canadá, com a Vale provocando conflitos sindicais e comprometendo fortemente sua imagem no país.
Outra prova de voluntarismo foi a compra dos tais supernavios chineses. O governo chinês está exposto às mesmas pressões corporativas das democracias ocidentais. Depois de entregues, a Vale teria que enfrentar a pressão dos armadores chineses.
Agnelli encomendou os navios a um setor influente, os estaleiros chineses. Acertou preço, prazo e deixou de lado o principal: a montagem de uma blindagem contra os armadores chineses. Depois de entregues os navios, os estaleiros não tinham mais nenhum interesse no tema deixando a Vale órfã para enfrentar os armadores.
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Roger dançou e seu cargo foi ocupado justamente por Murilo. O primeiro ato do novo presidente foi convidar os sindicatos para uma conversa. Apenas ouviu e falou, tratando-se com civilidade. Não trouxe nenhuma mudança imediata para a Vale. Mas no dia seguinte, na empresa, respirava-se um ar melhor, tanto na direção quanto no chão das minas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A nova era do sistema bancário



Coluna Econômica - 25/04/2012
Os bordões de um certo jornalismo econômico chegaram a limites insuportáveis. Age-se por uma espécie de efeito Pavlov: qualquer redução de juros é vista como imprudência; se dos bancos públicos, é por ordem do governo, se dos bancos privados, por pressão da Dilma. Como se a normalidade consistisse em manter inalterada a mais anormal taxa de juros do planeta.
Conseguem ser mais realistas que o próprio setor bancário.
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Tome-se o caso do Banco do Brasil.
Com a crise de 2008, o sistema bancário trancou o crédito, os bancos públicos avançaram. No período, o BB conseguiu ampliar de 17% para 21% sua participação de mercado - e a conserva até hoje.
Nesse período, manteve um crescimento de 17 a 21% na carteira de crédito, e o ROI (retorno sobre investimento) permaneceu entre 20 a 22% do Patrimônio Líquido. A inadimplência, de 2,1%, é a mais baixa do sistema, contra uma média de 3,6% do mercado.
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Quando ficou claro que o BC traria a taxa Selic para níveis civilizados, o banco redefiniu um segundo round, buscando ampliar posição, conta Paulo Cafarelli, vice-presidente da Área de Negócios e Área Internacional do banco.
O cenário em que o BB começou a trabalhar mostrava 44 milhões de pessoas recebendo salários pelo sistema bancário, dos quais 13 milhões através do BB. Portanto, há uma faixa de 31 milhões a ser trabalhada. No INSS, são 24,7 milhões de pessoas recebendo benefícios de aposentadoria e pensão: dessas, o BB possui 6,9 milhões. São 18 milhões de correntistas com cadastro pré-aprovado para operar com banco, 13 milhões dos quais com apetite para o crédito. Desses, o BB tem 5 milhões.
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Mais. Em suas pesquisas o banco constatou a existência de clientes, recebendo o benefício através do próprio banco, mas tomando crédito em outros bancos, por taxas de juros até maiores.
Decidiu, então, implementar um programa de abordagem desse público, de forma mais qualificada que os "pastinhas", utilizados para captar clientela.
Para atuar sobre esse mercado, o BB criou um conjunto de operações de fidelizando, baseando-se até em práticas dos anos 80, meio esquecidas.
O pacote, denominado de Bom Para Todos, prevê até dez dias de uso do cheque especial sem pagar juros. Se continuar utilizando os serviços por 60 dias, possibilidade de refinanciamento do saldo devedor do cheque especial por taxas de 3% ao mês.
Haverá também um estímulo à portabilidade, tanto da folha de salários de empresas públicas e privadas, como do crédito. Cliente que recebe salário pelo banco poderá trocar um financiamento mais oneroso em outro banco por linhas módicas no BB.
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Como explica Cafarelli, o sistema bancário se deu conta que está acabando a era das taxas de juros elevadas. Os novos tempos exigirão nova postura, um aumento da escala, das operações de crédito e de clientes, compensando a redução do spread.
Os bancos vao ter que se reinventar, diz Cafarelli, viver em um ambiente de margem menor, de spread menor, com novos produtos e serviços, buscando redução de despesa, racionalização de custos (como o compartilhamento de caixas eletrônicos).

terça-feira, 24 de abril de 2012

É pau, é pedra, é o começo do caminho


Rodrigo Lara Mesquita, jornalista - O Estado de S.Paulo
Chegou a hora do voto ou do veto para o novo Código Florestal e todos serão perdedores nessa história. Por mais de duas décadas o Código Florestal sofreu milhares de alterações por iniciativa do Poder Executivo, sem a participação direta do Legislativo nem consulta à sociedade. Decretos e medidas provisórias criaram novas figuras e exigências jurídicas, como as da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente. Elas passaram a ser exigidas nas propriedades rurais de forma retroativa pelos órgãos ambientais e, por fim, "transformaram-se em lei, sem nunca terem sido votadas". Isso colocou na ilegalidade a imensa maioria dos agricultores, trouxe grande insegurança ao meio rural e propiciou abusos e injustiças, principalmente para os pequenos proprietários.
Os pequenos agricultores, com até quatro módulos fiscais, representam cerca de 4,6 milhões de imóveis, ou seja, 88,8% do total existente. Eles ocupam 11% do território nacional e o valor estimado de sua produção, pelo Censo do IBGE de 2006, era de cerca de R$ 72,5 bilhões, 50% do valor total da produção agrícola do País. O projeto de Código Florestal revisado pelo Senado Federal vai atingi-los em cheio. O artigo 62 exige, de forma retroativa, que os pequenos proprietários recomponham ou abandonem parte das áreas ocupadas, muitas vezes há mais de século, ao longo de açudes, barragens, riachos e rios. A porcentagem exigida em Área de Preservação Permanente pode chegar a até 20% das propriedades no Sudeste, no Sul, no Nordeste e em parte do Centro-Oeste. Nos Cerrados essa área pode alcançar 35% e na Amazônia, até 80% das propriedades.
Considerados esses "limites" de recomposição de Áreas de Preservação Permanente, propostos pelo Senado, a perda de área produtiva dos pequenos será de cerca de 12 milhões de hectares. Com isso, algumas fontes estimam uma queda na renda anual dos pequenos proprietários de quase R$ 7 bilhões. Retirar pomares e culturas e abandonar pastagens em 20% dessas terras férteis representa perdas de mais de 50% na renda dos pequenos e em alguns casos o seu provável desaparecimento, segundo estimativas de fontes especializadas.
Se o Legislativo não equacionar corretamente a questão da consolidação ambiental das áreas ocupadas há dezenas de anos, em alguns casos centenas, em conformidade com a legislação de seu tempo, isso exigirá da presidente Dilma Rousseff a edição de mais uma medida provisória para corrigir e evitar esse desastre social e econômico. Mais uma vez, o Executivo invadirá o campo do Legislativo. Um mal menor e paradoxal para uma nova lei que gostaria de ver encerrado esse tipo de intervenção.
Desde o relatório inicial elaborado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), esse projeto foi discutido em todo o País, em mais de uma centena de audiências públicas. Para muitos ambientalistas, isso foi feito de forma manipulada. Por outro lado, as organizações rurais - como a Confederação Nacional da Agricultura, a Sociedade Rural Brasileira, a Associação Brasileira do Agribusiness, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - foram incapazes de organizar o debate, levar adiante suas propostas e comunicar-se com a sociedade.
Boa parte das propostas da Frente Parlamentar da Agricultura não está contemplada no projeto que vai a votação esta semana. O projeto final do relator Paulo Piau (PMDB-MG) concorda e mantém em mais de 98% a versão do Senado. Ele parece atender mais às cobranças do Palácio do Planalto e da ministra do Meio Ambiente do que dos próprios correligionários. O Ministério da Agricultura, ao contrário do ocorrido nas gestões anteriores, esteve absolutamente ausente do debate, como se o destino da agropecuária nacional lhe fosse indiferente.
A questão tecnológica, do uso sustentável das terras, esteve ausente no debate do Código Florestal. Ela não existe no texto proposto, assim como o tema da irrigação. É enorme a responsabilidade da direção da Embrapa nessa omissão. Em vez de premiar quem usa práticas sustentáveis e intensivas, o Código Florestal considera que a nossa agricultura está na fase em que os cafezais destruíram as encostas do Vale do Paraíba ou no Neolítico. E como tal é considerada uma ameaça ao meio ambiente. O novo código não incentivará um uso mais adequado das terras, por meio de tecnologias mais produtivas e sustentáveis, nem contribuirá para criar um ambiente de concórdia, no qual a sociedade como um todo possa procurar um caminho, que será árduo e espinhoso, para com o tempo avançarmos para uma "economia verde", que hoje é mais uma palavra de ordem do que um objetivo conquistável.
O Brasil terá um Código Florestal que impactará as áreas urbanas e rurais. Os prefeitos não acompanharam esse processo e serão surpreendidos por exigências legais que questionarão planos diretores, zoneamentos urbanos e códigos construtivos em todo o País. O novo código começa mal e deverá ser remendado no curto e no médio prazos. A avalanche de processos no Judiciário já está sendo anunciada, tanto por parte dos agricultores vitimados, quanto por parte de ambientalistas e integrantes do Ministério Público. Todos pretendem questionar até a constitucionalidade de determinados artigos.
Com este quadro, perdem os agricultores, os ambientalistas, o agronegócio, o meio ambiente, a economia e a sociedade brasileira. A mídia tem uma grande responsabilidade nisso, na medida em que foi incapaz de fugir do emocionalismo dos dois lados e promover uma cobertura técnica com a profundidade que a matéria exige. Não foram raros os casos em que o leitor podia identificar a posição do pseudojornalista sobre o tema já no lead da matéria nem as entrevistas em que o jornalista oferece o "microfone" ao entrevistado. Não questiona, não contesta, não atua como jornalista.