quinta-feira, 10 de abril de 2025

Livros apontam culpados, mas não explicam a derrota democrata de 2024, Lucia Guimarães, FSP

 A campanha presidencial americana de 2024 já ganhou dois registros em livro. Nenhum oferece profundidade histórica, mas ambos reforçam a convicção de que a insistência de Joe Biden em se candidatar era uma catástrofe anunciada que nem seus assessores nem a liderança do Partido Democrata tentaram evitar a tempo.

O mais recheado de fofocas é "Fight: Inside the Wildest Battle for the White House" (luta, dentro da mais selvagem batalha pela Casa Branca, em tradução livre) que acusa o entorno de Biden de enganar o povo americano, escondendo o declínio mental do presidente. Os autores são dois repórteres, Jonathan Allen e Amie Parnes, que não tiveram acesso aos responsáveis pela campanha.

O segundo livro é "Uncharted: How Trump Beat Biden, Harris, and the Odds in the Wildest Campaign in History" (desconhecido: como Trump derrotou Biden, Harris e as probabilidades na campanha mais selvagem da história), de Chris Wipple. O autor discorda da tese do acobertamento, mas não oferece uma tese convincente sobre o que motivou democratas veteranos de outras Presidências a não soar o alarme sobre a evidente fragilidade do candidato.

Um homem de cabelos grisalhos, vestindo um terno escuro e uma gravata listrada, está sentado em uma cadeira de escritório. Ele tem a cabeça inclinada para baixo, com a mão cobrindo parte do rosto, sugerindo um momento de reflexão ou preocupação. À sua frente, há uma mesa com documentos e um fichário aberto. Ao fundo, podem ser vistos quadros emoldurados e uma bandeira.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de reunião no Salão Oval da Casa Branca - Andrew Caballero-Reynolds/10.jan.25/AFP

Ficamos sabendo que Barack Obama, o mais popular democrata dos EUA, juntou-se à pressão para Biden desistir —o que ele fez em julho—, mas era radicalmente contra a escolha de Kamala para liderar a chapa em novembro. Obama deu aprovação antecipada ao editorial que seu amigo próximo George Clooney publicou no jornal The New York Times pedindo a renúncia da candidatura de Biden. Se as fontes citadas nominalmente ou anônimas dos dois livros são confiáveis, o declínio cognitivo de Biden já era claro no começo de 2024, quando o presidente tinha 81 anos.

Allen e Peters citam comentários de interlocutores que descreviam um chefe de Estado quase fantasmagórico. Grandes doadores de campanha manifestavam perplexidade sobre jantares extremamente coreografados e, ainda assim, Biden perdia o fio da meada em conversas.

Kamala foi surpreendida pela renúncia e teria tido uma conversa surreal com o chefe, suplicando a Biden que ele endossasse imediatamente sua candidatura para transferir os delegados democratas na convenção do partido em agosto. Ao mesmo tempo, Obama e a influente deputada Nancy Pelosi agiam para que a convenção fosse disputada, não uma coroação de Kamala.

Parece haver consenso de que Kamala não considerava a possibilidade de derrota e, ao saber do resultado, em novembro, perguntou se haveria recontagem de votos. Também é difícil duvidar da versão de que Biden, obcecado pela própria herança política, engessou a mensagem da candidata, insistindo que ela não podia expressar qualquer diferença de opinião sobre as prioridades do presidente. Por que Kamala se intimidou? É uma pergunta sem resposta satisfatória nos dois livros.

Os democratas martelavam a mensagem sobre o perigo do autoritarismo sob Trump, os americanos se queixavam do preço dos ovos e a campanha limitava o acesso à candidata, enquanto Trump percorria estúdios de podcast e se colocava disponível para mídias alternativas.

Se ainda não é possível explicar o fracasso dos democratas em 2024, os dois livros lembram que a imprensa política americana continua embriagada com a proximidade ao poder. E cobre campanhas como corridas de cavalos em que a democracia sempre sai perdendo.


A elitização dos parques de São Paulo, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

Ir aos parques Ibirapuera e Villa-Lobos no fim de semana virou uma custosa experiência de consumo. Deixou de ser um passeio barato e acessível. Desde que eles ganharam gestão privada, o primeiro em 2019 e o outro em 2022, as comidas e bebidas aumentaram consideravelmente de preço.

Os parques estão de transformando em uma espécie de shopping a céu aberto. A entrada é livre, mas o custo da permanência só sobe. O que se pretende é tirar os mais pobres do parque, mantê-los na periferia e deixar o lazer em algumas áreas verdes só para os abonados.

Barraca no Ibirapuera
Barraca de comidas e bebidas no parque Ibirapuera: preço de meio litro de água de coco é R$ 17

Uma forma de fazer isso é esgotando o limite de renda do consumidor. Outra é ostentando luxo. Se não pode pagar uma mísera água de coco para toda sua família, a pessoa não vai ao parque. Isso faz parte de processo de gentrificação, de elitização dos espaços. É o mesmo que vem acontecendo no centro da cidade. Mais do que um caso isolado, é um imperativo do mercado e uma política de governo.

Quem vai ao parque só para passear ou praticar esportes precisa se alimentar e se hidratar. Há bebedouros no Ibirapuera, mas muita gente gosta de comprar água. Se for essa a decisão, vai ter de pagar até R$ 10. No caso de um café expresso, o desembolso será de R$ 12.

O restaurante italiano Bottega Bernacca inaugurou uma filial no parque neste ano
O restaurante italiano Bottega Bernacca inaugurou uma filial no parque neste ano

Os preços no Ibirapuera, localizado na zona Sul, atingiram os níveis dos estabelecimentos das regiões de mais alta renda da cidade. Um litro de água de coco sai por R$ 27, meio litro, por R$ 17, e uma tigela de açaí, por R$ 48. Uma tapioca com manteiga custa R$ 28. Em um dos restaurantes locais, o Selvagem, um café da manhã vale R$ 119. Para estacionar no parque gasta-se R$ 18 por três horas

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Estabelecimentos refinados estão ocupando o lugar, como o restaurante italiano Bottega Bernacca. Uma filial foi instalada ali neste ano. As massas custam de R$ 79 a R$ 130. Outro exemplo é a Casa Nubank Ultravioleta, destinada aos clientes premium do banco. Quem não está nessa condição tem de desembolsar R$ 150 para entrar no local.

Alameda no Ibirapuera: parque vem perdendo apelo popular e está mais elitizado
Alameda no Ibirapuera: parque vem perdendo apelo popular e está mais elitizado

O Villa-Lobos, na zona Oeste, segue na mesma toada. Antes da concessão para a iniciativa privada tinha a sua entrada principal cheia de barracas que vendiam, por valores razoáveis, pastel e água de coco, por exemplo. Era um ambiente popular. Hoje todo o comércio está dentro do parque e os preços estão no padrão do Ibirapuera. Aliás, o estacionamento custa R$ 23 para ficar entre 5h30 e 19h30. Algumas voltas no carrossel saem por R$ 40.

Há, inclusive, uma empresa, a Cia do Tomate, que, desde 2023, comercializa uma área de 1,2 mil metros quadrados no Villa-Lobos para a realização de piqueniques ou para as pessoas passarem um tempo num espaço privativo. O preço para um grupo de quatro amigos ficarem simplesmente sentados no local, durante três horas, com almofadas e guarda-sóis, é de R$ 200.

O parque Villa Lobos ganhou uma área para a realização de piqueniques privativos
O parque Villa Lobos ganhou uma área para a realização de piqueniques privativos

Se quiserem acesso aos jogos, como badminton e basquete, o valor sobe para R$ 1.260. Com um lanchinho, salta para R$ 1.560. O pacote mais caro da Vila Picnic é de R$ 6.500 para eventos com 50 pessoas. Dá direito a comidas, água e suco e acesso a várias atividades recreativas para crianças e adultos.

Isso pode parecer conversa de pobre, mas exibe um problema de todos os tempos no Brasil: tirar os menos favorecidos de vista. O aumento de preço tem muito a ver, provavelmente, com as quantias pagas pelos comerciantes que operam nos parques às concessionárias. Não é o caso, porém, de extrapolar e transformar o Ibirapuera e o Villa-Lobos em lugares só para privilegiados.

Cuidado: chatbots, Ruy Castro, FSP

 Um amigo veio me falar dos chatbots: "Cuidado! São um perigo! Se conversar com um deles, não diga nada que possa te comprometer! Não faça confidências, não peça conselhos e não acredite em tudo o que ele diz!". Envergonhado por não saber direito o que era um chatbot —nem como conversar com ele, se nunca lhe fui apresentado e não tenho ideia de onde vive—, apenas escutei e concordei enfaticamente. Assim descrito, o chatbot parecia ser tão desagradável quanto um bolsonarista, só que inteligente —o que o tornaria, aí, sim, perigoso.

Pela terminação do nome em bot, como em "robot", intuí brilhantemente que um chatbot seria um robô que fala. Algo como a linda robota de "Metrópolis" (1927), o Robbie de "Planeta Proibido" (1956) ou o C-3PO de "Guerra nas Estrelas" (1977). Mas, pelo que li no Google, esses avós da robótica não chegam nem ao chinelo de um chatbot —um programa de computador, baseado em inteligência artificial, que simula conversas com falantes em qualquer língua, nível intelectual e tipo de conteúdo. Se você tentar tapeá-lo falando na língua do P, ele te respespondeperapá no apatopó.

Pelo grau de evolução da coisa, ouvi que os cientistas estão alarmados, porque muitos chatbots, controlados por uma facção de algoritmos fora da lei, aprenderam a se passar por humanos. Se for verdade, isso comprometerá todas as relações pessoais e sociais. Em quem poderemos confiar? Chatbots "humanos" terão acesso aos centros de decisões mundiais, induzindo os poderosos a fazer coisas.

Um exemplo. Um chatbot disseminará uma fake news capaz de abalar um país. Um segundo chatbot o "denunciará" como um farsante, com o que se tornará digno de confiança, e disseminará outra fake news ainda mais grave —e nesta todos acreditarão—, iniciando talvez uma guerra. Você perguntará: por que eles fariam isso? Por causa da velha (e tão humana) ambição de dominar o mundo, curvando-o a um controle planetário.

Só uma coisa preocupa um chatbot: alguém arrancar seu fio da tomada da parede.