domingo, 1 de setembro de 2024

7 de setembro anuncia tempestade perfeita, Camila Rocha , FSP

 A suspensão do X no Brasil ocorreu no melhor momento possível para a extrema direita no país.

A derrubada da rede controlada por Elon Musk, no dia 30 de agosto, ocorreu exatamente uma semana após a suspensão temporária de perfis de Pablo Marçal (PRTB) nas redes sociais. No dia 23 de agosto, a Justiça Eleitoral de São Paulo entendeu que o candidato promovia abuso de poder econômico em sua campanha e aplicou a sanção cabível. No entanto, no dia anterior, o Datafolha divulgou que as intenções de voto em Marçal haviam disparado.

homem branco de meia idade
Elon Musk, CEO da SpaceX e Tesla e dono do X - David Swanson/Reuters

De acordo com a pesquisa, Marçal, com 21%, estava empatado tecnicamente com Guilherme Boulos (PSOL), com 23%, e com o atual prefeito, Ricardo Nunes, com 19%. Atrás deles apareceram empatados José Luiz Datena (PSDB), com 10%, e Tabata Amaral, com 8%, cujo partido, o PSB, fez a acusação que levou à suspensão de perfis de Marçal nas redes. Ato contínuo, Marçal passou a utilizar um perfil reserva no Instagram. Na foto da nova conta, que já acumula 3,8 milhões de seguidores, o candidato aparece com um papel cobrindo sua boca no qual está escrito "sistema".

Em um primeiro momento, Jair Bolsonaro e seu clã procuraram conter o crescimento eleitoral do ex-coach. Após a divulgação no canal de Bolsonaro no WhatsApp de um vídeo com falas controversas de Marçal, teve início uma troca de farpas nas redes sociais. Em uma postagem de Bolsonaro no Instagram, Marçal escreveu: "Para cima deles, capitão. Como você disse: eles vão sentir saudades de nós". Bolsonaro respondeu: "Nós? Um abraço."

Eduardo Bolsonaro, por sua vez, lembrou que, em 2022, Marçal havia dito que a diferença entre Lula e Bolsonaro "é que um tinha um dedo a menos". Por fim, Carlos Bolsonaro, ameaçou, no X, processar Pablo Marçal por crimes de injúria e difamação após ter sido xingado pelo ex-coach de "raivoso", "retardado" e "estúpido". Em resposta, Marçal provocou: "Manda o Pix que eu já te mando o dinheiro pra procurar um tratamento psiquiátrico".

No entanto, após a publicação de uma pesquisa da Quaest, no dia 28 de agosto, a família Bolsonaro reviu a estratégia. A pesquisa registrou a continuidade do empate técnico dos três principais candidatos à Prefeitura de São Paulo, bem como o avanço de Marçal entre o eleitorado de Bolsonaro. Além disso, nas redes sociais, eleitores passaram a sinalizar que Marçal seria o verdadeiro candidato do bolsonarismo na cidade.

Com a mediação de Nikolas Ferreira (PL), Carlos Bolsonaro e Pablo Marçal "fizeram as pazes". No mesmo dia, 28 de agosto, Jair Bolsonaro deu a senha para a cristianização de Ricardo Nunes. O ex-presidente anunciou em um vídeo que o ato de 7 de setembro promovido por seus apoiadores em São Paulo será suprapartidário e autorizou qualquer candidato à prefeitura —leia-se, Pablo Marçal— a subir no carro de som.

Para completar a tempestade perfeita, passados apenas dois dias do convite de Bolsonaro para que Marçal participe do "grande ato nacional em defesa das vítimas perseguidas pelo sistema", Alexandre de Moraes suspende o X no país. Agora, a cidade de São Paulo, que até então era o principal reduto do antibolsonarismo no Sudeste do país, pode se tornar o coração político da extrema direita.


Ruy Castro - Seu passado sumiu, FSP

 Um amigo, envolvido em determinada pesquisa e superestimando meus poderes extrassensoriais, me pergunta onde encontrar o áudio da entrevista do Chacrinha ao Pasquim nos anos 1970. Respondi que não tinha a menor ideia, mas que seria mais fácil achar o áudio da conversa telefônica entre Graham Bell e d. Pedro 2º, na Exposição do Centenário da Independência dos EUA, em Filadélfia, em 1876. Tivesse sido gravado, esse telefonema estaria no acervo do Instituto Smithsonian ou da Biblioteca do Congresso. Os americanos são esquisitos —não jogam nada fora.

As entrevistas do Pasquim, muitas entre as melhores da imprensa brasileira, eram gravadas em cassete e na maior informalidade: ao redor de uísques, com interrupções para ir ao banheiro e todo mundo falando ao mesmo tempo. Concluídas, as fitas eram transcritas na Redação por algum dos participantes e publicadas sem edição —a exceção foi a de Leila Diniz, em 1969, no nº 22, com a genial substituição dos palavrões de Leila por asteriscos. Depois disso, que fim levavam as fitas? Talvez fossem aproveitadas para outras entrevistas. Ou esquecidas num canto e deixadas para trás numa das muitas mudanças do Pasquim ou, quem sabe, jogadas fora, quem vai saber?

Se tivessem caído em mãos do multimuseólogo Luiz Ernesto Kawall, elas estariam preservadas, catalogadas e à mão até hoje. Kawall mantinha em São Paulo um Museu da Voz, a Vozoteca LEK, com 4.000 registros de vozes em todas as mídias —Rui Barbosa, Santos-Dumont, Rondon, Monteiro Lobato, Carmen Miranda, Getulio, Juscelino, Freud, Lênin, Hitler, Mussolini, Churchill, Gandhi, Kennedy. O incansável Kawall morreu no dia 13 último, aos 97 anos, mas, felizmente, seu acervo está a salvo —ele já o doara à USP.

No Brasil, Kawall era exceção. Quando se trata de preservar o patrimônio nacional, não hesitamos —desprezamos áudios, vídeos, filmes, fotos, desenhos, esculturas, monumentos, casas, ruas, cidades, tudo.

Olhe em volta e procure o seu passado. Xi, é mesmo, que fim levou?

Elon Musk quer ser o Alexandre de Moraes do mundo, Ronaldo Lemos, FSP

 Elon Musk não é um defensor da liberdade de expressão. Ao contrário. Ele é o símbolo do seu antônimo: a concentração das mídias sociais e da infraestrutura sobre a qual elas operam.

A promessa da internet era que qualquer pessoa com um computador pudesse se conectar à rede e operar seus próprios serviços: websites, mensagens, hospedagem etc. Tenho amigos que mantinham servidores no banheiro de casa, que se conectavam com o mundo todo.

homem branco de meia idade
Elon Musk, CEO da SpaceX e Tesla e dono do X. - David Swanson/REUTERS

Musk é o inimigo número 1 dessa ideia. Sua ambição é ser o Cidadão Kane da internet. Ele já é dono do principal provedor de internet por satélite, a Starlink. É dono do X (Twitter), uma das mais influentes mídias sociais. É dono da Tesla, cuja missão é criar carros autônomos ("robotáxis") para centralizar e dominar todo o mercado de transporte do planeta. E dono da Neuralink, que literalmente quer entrar na cabeça das pessoas para conectar cérebros.

Se Musk realmente quisesse defender a liberdade de expressão, estaria copiando a estrutura dos seus concorrentes, o BlueSky e o Mastodon. Esses concorrentes promovem o oposto da centralização: federações de servidores, protocolos de comunicação autônomos e infraestrutura distribuída. As redes do Mastodon e do BlueSky são desenhadas para dificultar o controle privado ou estatal das suas plataformas. Nem as próprias empresas têm controle sobre o que é postado nessas plataformas. Uma pessoa rodando um servidor no banheiro de casa poderia continuar postando nelas enquanto esse servidor estiver no ar, aconteça o que acontecer.

Musk não quer nada parecido com isso. Ele quer ser o dono da plataforma, quer ser seu gatekeeper, seu editor-geral e seu bloqueador-geral. Seu objetivo final é a centralização do poder nas suas próprias mãos —não a descentralização do poder, que é a premissa inerente à ideia de liberdade de expressão. Mutatis mutandis, ele quer ser o Alexandre de Moraes do planeta.

Exemplos disso estão em toda parte. Ele paralisou os serviços da Starlink na Guerra da Ucrânia por ordem própria sua. Removeu conteúdos que desagradavam ao governo da Índia, como barganha para obter vantagens no país. Removeu conteúdos a pedido do governo da Turquia, e assim por diante. Neutralidade não é o seu forte.

Se Musk quer tanto proteger a liberdade de expressão, por que então nunca cogitou mudar a arquitetura do X para um modelo descentralizado e neutro, parecido com o dos seus concorrentes? A razão é que, se fizer isso, ele também perderá o controle total da sua plataforma. E esse controle total, para ele, é precioso. Ele é a razão de Musk ter pago US$ 44 bilhões pelo Twitter, muito mais do que a empresa valia. Essa é também a razão pela qual ele lança um foguete a cada três dias para colocar em órbita satélites de provimento de conexão à internet no mundo todo. Musk não quer conectar o mundo. Ele quer controlar as redes que conectam o mundo.

READER

Já era – Achar que a concentração na internet é algo natural

Já é – Lembrar que quem defende liberdade de expressão promove a descentralização da rede e da sua infraestrutura

Já vem – Ficar claro que "liberdade de expressão" é só cortina de fumaça para Musk