sexta-feira, 21 de junho de 2024

Tiveste juventude?, José Renato Nalini, OESP

 Em “O trágico cotidiano”, Giovanni Papini exerceu um de seus talentos: a literatura divagante e vaga, narrativas extravagantes, paradoxais, absurdas, quase delirantes. Foi uma revolução no campo da literatura italiana. Seu intento era transferir o drama das aventuras exteriores às aventuras interiores, puramente espirituais ou intelectuais.

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Na verdade, a maioria dos textos não é mais do que uma angustiada exploração da própria alma do autor, às voltas com as reflexões quase sempre negligenciadas: você é finito, você é destinado a morrer. A acabar.

Hoje, a longevidade está na moda. São inúmeros os artigos a contemplarem as conquistas da ciência e da medicina, a procura de pessoas que alcançaram viver por mais de um século. Ao lado disso, - o que deve ser comemorado, é certo – existe a pergunta que Papini já fazia na primeira metade do século XX: “Você crê viver, viver de verdade, profundamente, inteiramente? Parece que sua vida é tão bela e grande como acaso a sonhara nos dias ardentes da juventude?”.

A indagação que pode anteceder as anteriores, é também múltipla: “Tiveste uma juventude? Sentiste em ti, dentro de tuas entranhas, dentro de teu sangue, algo que fermentava, que fervia, que se agitava, que queria sair, derramar-se, inundar o mundo como um lago de chamas? Sentiste nunca, depois de alguma hora de agitação, depois de um grande crepúsculo, depois dos versos de um poeta, sentiste que eras tu, tu em pessoa, o primeiro homem, o descobridor da vida, o descobridor do mundo? E não te pareceu mísera esta vida, e não te pareceu pequeno este mundo? Não desejaste a morte por amor à vida?”. Tais questões parecem ainda mais graves quando se utiliza a segunda pessoa do singular, o quase agressivo “tu”.

Giovanni Papini é um provocador. Ele se dirige a um fictício leitor enfraquecido, atento ao que ocorre com a vida alheia, porque não sabe praticar os atos que validariam a sua própria existência. E isto vale para os nossos tempos. Aficionados às redes sociais, acompanhando o que acontece com os outros, principalmente com aqueles que não conhecemos e que nunca iremos conhecer, deixamos de confeccionar a trama de nossa única e insubstituível vida.

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Daí o quase insulto papiniano: “Não te parece vil, covarde, covardíssima, a ação que estás realizando?”. Isso vale para uma profunda reflexão. Criticamos o Estado, mas o que fazemos para modifica-lo. Podemos até ser “simpáticos” à causa do aquecimento global, gerador das mudanças climáticas que tendem a eliminar qualquer espécie de vida da face da Terra. Mas o que fazemos, individualmente, para impedir essa catástrofe? Economizamos água e energia? Andamos mais a pé? Servimo-nos do transporte coletivo? Reciclamos nossa excessiva produção de lixo? Plantamos árvores? Defendemos as árvores que continuam a ser exterminadas no âmbito macro – em todos os biomas – e no âmbito micro, em nossa própria rua, bairro, cidade?

Ainda assim, quantos de nós nos consideramos intelectuais, refinados, pensadores, aristocratas, criaturas superiores às demais – convivemos, no mesmo espaço físico e esbarramos continuamente – com os excluídos, os miseráveis, os despossuídos – mas não somos como eles. Ao contrário: o mundo gira ao meu redor. O mundo foi feito para mim.

Daí o questionamento de Papini. Quem vive assim, alienado, na verdade não vive com aquela grandeza com que concebe sua peregrinação por este planeta. Não vive grandemente, profundamente, inteiramente.

Escondo-me na segurança de minha casa, cada vez mais cercada de equipamentos que me garantem que dela não vou ser expulso. Ergo muralhas na residência que foi construída num bairro planejado, chamado paradoxalmente de “Jardins”, porque ali se edificaria uma sociedade verde e florida, sem cercas, mas com amplas frentes cobertas de vegetação. Não satisfeito com erigir uma fortaleza cinza ou negra, ainda coloco offendicula para obviar pretenso acesso dos invisíveis.

Procuro nutrir-me da certeza de que não dei causa a tal situação. O mundo se perverteu. O convívio apodreceu. Aninho-me, ensimesmado, em minha ilusão e me consolo dizendo para mim mesmo: lá fora é perigoso. Os caminhos estão repletos de lobos famintos. Faço o que posso para defender minha família.

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Será que foi isso o que sonhei quando jovem?

Lixo pode ser luxo, José Renato Nalini, OESP

 


Dos três vilões causadores do aquecimento global e das mudanças climáticas, o lixo é aquele que mais de perto tem a ver com a cidade. O primeiro é o transporte. Só para ficar na capital, são mais de sete milhões de veículos transitando dia e noite. Treze mil ônibus. Um milhão e duzentas mil motocicletas. Tudo expelindo veneno, pois funciona a combustão fóssil.

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O segundo é a energia estacionária. Aquela que gastamos para manter tudo em funcionamento: indústrias, serviços, hospitais, escolas, igrejas, clubes e residências.

Ora, transporte e energia – lamentavelmente – são assunto federal. A Federação assimétrica e bem caolha que se implantou no Brasil deixa o município com todas as incumbências e com renda insuficiente. Tudo se canaliza para a perdulária União, com estruturas tentaculares e incapacidade para administrar a complexidade do Brasil.

Já os resíduos sólidos, estes são produzidos na cidade e é esta a responsável por cuidar deles. O Brasil desperdiça muito. Descarta o que é valioso e tem utilidade. Ainda não tem a expertise na economia circular e na logística reversa. Daí o contrassenso de se pagar para concessionárias varrerem e coletarem o que se descarta. Para isso, o povo de São Paulo paga cerca de 13 bilhões, mais do que 10% do orçamento da cidade.

É preciso reinventar esse sistema. Começando com educação intensiva da população, para não desperdiçar tanto e para reaproveitar tudo aquilo que tem utilidade. Exigir do governo observância da economia circular e implementação de obrigatória logística reversa. Estimular as cooperativas de catadores, verdadeiros heróis que ajudam a limpar a cidade. Incluir nos contratos de concessão a obrigatoriedade de estimular as cooperativas, de colocar contêineres para coleta seletiva, de também educar a sociedade civil, para que pense com seriedade naquilo que desperdiça e lança às ruas.

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A solução dos aterros sanitários não pode se eternizar. Eles se encontram em áreas ambientais. Glebas que deveriam ser parques, reservas naturais, florestas urbanas. Não os “lixões” que só existem nos países atrasados e defasados.

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Há sinais promissores naqueles que detectam a possibilidade de obtenção de lucro no tratamento consentâneo com a economia verde. A empresa Orizon, que tem no seu Conselho a figura notável de Jerson Kelman, transforma aterros sanitários em grandes complexos de captação de biogás e geração de energia. Prevê seu CEO, Milton Pilão, que a geração de biometano nos aterros é mais propícia a curto prazo do que aquela obtida da cana. Esta se submete a sazonalidade e as plantações estão espalhadas pelo Estado inteiro, enquanto os aterros estão mais próximos.

A Orizon possui dezesseis ecoparques, dotados de tecnologias de triagem para reaproveitamento de material reciclado, compostagem para fertilizantes e combustível extraído de resíduo.

O Brasil gera oitenta milhões de toneladas por ano, dos quais 40% vão para lixão e 60% para aterros. A Orizon adquire aterro e o transforma em ecoparque, onde se instalam indústrias de energia, biometano, reciclagem e fertilizantes.

A explicação para a subsistência de lixões diz com a falta de regulamentação do Estado quanto ao desperdício praticado por toda a população. No mundo civilizado, existe uma taxa de destinação de resíduo, paga por toda a cidadania. Aqui, por não ser responsável pelo lixo que produz, a sociedade acredita que a Prefeitura é que tem de cuidar de tudo.

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O aproveitamento do lixo brasileiro se faz em baixíssima escala. Na capital, apenas 3% da coleta é que chega à reciclagem. Isso por uma série de causas, das quais não é a menor ou menos importante a falta de educação ecológica da população.

É preciso que o governo cumpra seus acordos internacionais, torne concreta a sua promessa de fazer a transição verde e obrigue a utilização do biometano, pois é menos poluente do que o gás natural. Sem imposição governamental, sem sanções – que podem ser positivas, no estímulo e negativas, com punições para as infrações – dificilmente se chegará à consciência de que a tentativa de salvar a humanidade é responsabilidade de todos, não apenas dos Prefeitos. Lixo pode ser luxo, se houver mentalidade tal. Vamos cuidar disso?

A lei mudou, mas a realidade é a mesma: presos deixam cadeias de SP na ‘saidinha’ de Santo Antônio, OESP

 Por Raquel Gallinati

Atualização: 

A recente mudança na legislação brasileira, que visa acabar com as saídas temporárias de presos, parece não ter alterado a prática para muitos detentos em São Paulo. Cerca de 50 mil presos deixaram as cadeias no estado, beneficiados pela conhecida ‘Saidinha de Santo Antônio’.

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A lei que extingue as saídas temporárias foi inicialmente vetada pelo presidente Lula, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. No entanto, essa proibição só afeta condenações futuras, pois a lei penal não pode retroagir para atingir os condenados atuais. Assim, os detentos que já cumprem pena em regime semiaberto continuam a ter direito a essas saídas.

A ‘Saidinha de Santo Antônio’ beneficia 50 mil detentos do regime semiaberto em São Paulo, incluindo Lindemberg Alves que executou sua namorada em rede nacional.

A saída temporária que antecede o Dia dos Namorados tem duração de sete dias, com os presos devendo retornar às prisões na próxima segunda-feira, dia 17. Durante esse período, eles estão proibidos de ficar fora de casa entre 20h e 6h, bem como de frequentar festas noturnas. No entanto, a fiscalização dessas regras é praticamente impossível.

Apenas presos do regime semiaberto podem usufruir da saidinha desde que cumpram certos requisitos:

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- Ter cumprido pelo menos 1/6 da pena (réus primários) ou 1/4 (reincidentes).

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- Manter bom comportamento.

As saídas temporárias previstas para 2024 são:

1. 11/6 a 17/6

2. 17/9 a 23/9

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3. 23/12 a 3/1/2025

A continuidade dessas saídas temporárias suscita um debate sobre a eficácia das mudanças na legislação e a capacidade do sistema penal de se adaptar a novas normas sem comprometer a Segurança Pública.