quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Mirian Goldenberg - Perda de autonomia é 'morte simbólica' para os mais velhos, FSP

 Estou viciada em séries coreanas: já assisti a dezenas. A que mais me encantou foi "Navillera". O protagonista é um carteiro aposentado de 70 anos que, por acaso, vê um jovem dançando e fica fascinado. Seu sonho de criança era ser bailarino, mas o pai não permitiu.

"Eu nunca fiz o que quis… Antes de morrer, eu quero voar alto pelo menos uma vez."

A esposa e os três filhos esperavam que ele, como a maioria dos aposentados, ficasse em casa assistindo televisão. Mas ele está obcecado em realizar seu sonho: "Nós só vivemos uma vez, por isso, cada segundo é importante para mim".

Ele decide, então, sem contar para a família, fazer aulas de dança com o jovem bailarino, que fica muito irritado com a insistência do aposentado: "O que um velho está fazendo em uma academia de dança?". Mas, aos poucos, uma bela amizade nasce entre os dois e mudará completamente suas vidas. A cumplicidade entre o bailarino de 23 anos e o sonhador de 70 é uma verdadeira lição de vida para todos nós, os velhos de hoje e os velhos de amanhã.

Jovem coreano ensina balé para senhor de 70 anos
Cena da série 'Navillera', sobre idoso que aprende balé - Reprodução


O aposentado também está escondendo da família algo bem mais grave: ele foi diagnosticado com Alzheimer. Por isso anota todos os detalhes dos seus dias em uma caderneta, para lembrar-se de tudo o que precisa fazer e dizer para ninguém perceber que ele está perdendo a memória. Apesar dos preconceitos e estigmas associados à velhice, ele está decidido a realizar seu sonho de voar alto e, para isso, precisa manter a doença em segredo das pessoas mais próximas, inclusive do jovem professor.

PUBLICIDADE

"Navillera" significa "belo como uma borboleta". São 12 episódios tão emocionantes que não me lembro mais de quantas vezes eu chorei.

Por que me emocionei tanto com "Navillera"?

Porque o drama aborda, com extrema sensibilidade e delicadeza, os mesmos conflitos que tenho encontrado nas minhas pesquisas com os nonagenários e suas famílias. Filhos e netos que não escutam com atenção os pais e avós e que, mesmo quando eles estão lúcidos e saudáveis, querem controlar suas escolhas e decisões. Parentes que, apesar da intenção de cuidar e de superproteger os mais velhos, acabam ameaçando o bem mais valioso que eles querem preservar: a autonomia.

Lembrei-me de "Navillera" no sábado passado quando estava fazendo exercícios na Academia da Terceira Idade. Em um parque pertinho da minha casa, repleto de mulheres e de homens de mais idade, conheci Nanci, de 92 anos. Foi amor à primeira vista.

"Perdi meu marido muito cedo, de câncer. Ele tinha 49 anos. Apesar de ter tido alguns pretendentes, nunca mais quis namorar ou casar. Eu moro sozinha e tenho muito orgulho de ser independente, de não dar trabalho para ninguém. Não tenho medo de morrer, meu maior medo é ser um peso para as minhas filhas. Quero continuar sendo autônoma e ativa até o fim da minha vida."

Ela me contou que só agora, aos 92 anos, teve a coragem de realizar seus "sonhos de menina".

"Estou tendo aulas de canto e comecei a cantar em um coral na minha igreja. Também estou aprendendo francês. A vida inteira eu cuidei de todo mundo. Chegou a hora de cuidar de mim. Não tenho mais tempo a perder. Abri mão dos meus sonhos para cuidar da família, mas agora minhas filhas e netos não precisam mais de mim. Ninguém mais pode me impedir de realizar meus sonhos."

Cena da série coreana 'Navillera' - Netflix

Ela ficou surpresa com meu interesse em escutar suas histórias.

"Ninguém gosta de conversar com gente velha, ninguém presta atenção no que a gente fala. Uma hora me tratam como uma criança incapaz, teimosa e desobediente, só me dão ordens e broncas. Outra, como se eu fosse uma vovozinha fofinha ou uma velhinha gagá e descartável. Eu adoro conversar, sou muito faladeira. Ainda bem que você é mais escutadeira."

Fiquei muito feliz de escutar as histórias de Nanci e, mais ainda, de ganhar uma nova amiga. E brinquei:

"Nanci, conhece a música do Marcos Valle ‘Não confie em ninguém com mais de 30 anos’? Eu prefiro cantar: ‘Não confio em ninguém com menos de 90 anos’. Eu só tenho amigos e amigas de 97, 98, 99 anos... Você sabe quantos anos eu tenho? 93!"

Ela deu muitas risadas... E já marcamos um chopinho para o próximo sábado.


Como ser assertivo estando errado, Sergio Rodrigues, FSP

Serei tão assertivo quanto possível: ser "assertivo" não tem nada a ver com estar certo. É possível ser assertivo e errar feio: "Com base no exame de todas as evidências científicas disponíveis, afirmo sem medo de errar que a Terra é plana!". Assertividade 10, acerto 0.

Se você gosta de acertar no uso da linguagem, essa confusão —que no limite leva ao delírio da grafia "acertivo"– é uma das maiores cascas de banana disponíveis no vocabulário do português brasileiro neste século. Limito o problema às últimas décadas, porque há evidências de que ele não existia antes disso –ou, se existia, era marginal.

Não que assertivo seja uma palavra nova. Derivada do latim "assertum" (asserção, afirmação), ela andava por aí desde o século 16 com o sentido de "afirmativo". É verdade que tinha uso restrito nesse papel de adjetivo, ocorrendo um pouco mais na forma substantiva feminina "assertiva", isto é, asserção, afirmação: "Sua assertiva sobre a Terra plana é uma estupidez!".

Bem mais tarde, por extensão de sentido, assertivo veio a ganhar no vocabulário da psicologia uma acepção derivada daquela: a de alguém "que demonstra segurança, decisão e firmeza nas atitudes e palavras" (Houaiss). Pronto, estava montado o cenário para o mal-entendido.

Lellis

Primeiro, contudo, foi necessário que a linguagem corporativa —e em especial a vasta literatura best-seller sobre liderança— transformasse assertividade numa palavra-fetiche, qualidade preciosa e polivalente sem a qual gestor algum consegue chupar nem um picolé, muito menos liderar uma equipe.

Para isso contribuiu de modo decisivo, e sem surpresa alguma, a influência da língua inglesa, principal motor da criação de novos usos, sentidos e modismos linguísticos no ambiente corporativo (um tema ao qual a coluna está sempre voltando, mas o que eu posso fazer?).

Vieram do inglês tanto a valorização de uma palavra que se mantivera discreta por muitos séculos em nossa língua quanto sua explosão numa nuvem de sentidos intensamente positivos. Isso se deve em parte ao fato de assertivo trazer da língua de Elon Musk uma nova e decisiva camada semântica.

É que "assertive" tinha passado a acumular por lá uma acepção herdada de "self-assertive" (autoafirmativo, ou seja, que se impõe): a de alguém que "reafirma seus direitos ou sua autoridade".

Foi assim que, além de firmeza, segurança e decisão em atitudes e palavras, o pacote de excelentes qualidades associadas à pessoa assertiva passou a incluir a crença no próprio valor, a capacidade de exercer sua autoridade e o desassombro para lutar pelo que acredita lhe ser devido.

Sim, o excesso de sentidos não mente: estamos diante de uma palavra-ônibus, como bacana ou legal —ou algo bem próximo disso. Assertividade passou a ser tudo de bom.

Daí a acreditar que ser assertivo significa estar certo vai uma distância curta, bem fácil de pavimentar com as pedras da ignorância ortográfica e da anglofilia bocó.

Ah, sim: a linguística ensina que o erro de hoje é o acerto de amanhã, certo? Bem, é verdade que ninguém pode fazer nada para evitar a consagração de um uso que o conjunto dos falantes decida abraçar, mesmo se esse uso estiver baseado num rotundo equívoco de interpretação. A história das línguas está cheia de casos assim.

No entanto, enquanto o uso equivocado é de poucos, o direito de não pagar mico pode e deve ser exercido com a maior assertividade.

Alimento pode ter maior queda mensal de preços em 24 anos, Mauro Zafalon, FSP

 Os alimentos iniciaram agosto com queda de 1,4%. Se essa taxa for mantida durante todo o mês, será a maior redução inflacionária mensal do setor desde maio de 1999.

Os dados são da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que divulgou nesta quarta-feira (9) a primeira quadrissemana de agosto. O período compara os preços médios das últimas quatro semanas em relação às quatro imediatamente anteriores.

Se a curto prazo é uma boa notícia, essa queda ainda está longe de aliviar o bolso dos consumidores, principalmente para os de menor renda. A alta acumulada de 2019 a 2022 foi muito acelerada.

A inflação dos alimentos está com evolução de apenas 0,23% neste ano, com acumulado de 1,84% em 12 meses. Essa forte queda no ritmo dos aumentos de preços, porém, ainda tem pouca expressão quando se olha o comportamento dos preços dos alimentos nos últimos anos.

Desde o início de 2019, quando alguns produtos começaram a disparar, a inflação média dos alimentos permanece em 57%, ainda acima da inflação geral, que é de 32%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor da Fipe.

PUBLICIDADE

A aceleração da inflação nos últimos quatro anos ocorreu devido à forte demanda externa por alimentos e à capacidade brasileira de suprir o mercado externo. Com estoques mundiais reduzidos por efeitos climáticos e por conflitos geopolíticos, como a invasão da Ucrânia pela Rússia, os preços internacionais dispararam, trazendo para dentro do país essa pressão.

Bananas em feira livre em São Paulo - Nelson Almeida - 7.jun.23/AFP

O óleo de soja, ingrediente básico na cozinha da maioria dos brasileiros, é um exemplo. O país teve exportações recordes de soja, e os preços internos da oleaginosa, em alguns momentos de 2022, chegaram a R$ 200 por saca no Paraná, um valor bem acima dos R$ 83 de 2018.

A demanda mundial por óleo de soja cresceu, inclusive pelas dificuldades de a Ucrânia produzir e exportar óleo de girassol, e os preços internacionais evoluíram rapidamente.

Internamente, os consumidores pagaram 164% a mais pelo produto nos supermercados de 2019 a 2022. Neste ano, o óleo acumula queda de 29%, um percentual que não repõe a alta acumulada dos quatro anos anteriores.

A forte pressão externa diminuiu, e os preços das commodities nos campos brasileiros também recuam. Os patamares atuais, no entanto, ainda são bastante superiores aos de há quatro anos, inibindo novas quedas.

óleo de soja
Óleo de soja em supermercado - Getty Images via BBC

O consumidor está pagando neste ano 9% a menos pela carne bovina do que despendia em dezembro de 2022. Nos quatro anos anteriores, no entanto, os preços haviam subido 67%. O Brasil atingiu recordes de exportações, e o preço da arroba de boi gordo, que estava em R$ 146 em meados de 2018, chegou a R$ 350 em março do ano passado. Mesmo com a queda, os valores atuais da arroba estão em R$ 238 no campo.

As carnes suína e de frango seguiram na mesa linha da bovina. A demanda externa por essas proteínas aumentou, vinda principalmente da China, país afetado por doenças na criação de animais, como a peste suína e a gripe aviária. Os preços subiram no Brasil e, na média, se mantêm elevados, mesmo após os recuos deste ano.

A carne de frango ainda acumula alta de 51% nos últimos quatro anos e meio no mercado interno, e a suína, 61%. Os alimentos básicos, como arroz e feijão, também estão na lista de produtos que, mesmo com a acomodação atual dos preços, permanecem caros.

O arroz, além de perder espaço na área cultivada, teve o mercado interno enxugado por exportações, devido ao dólar alto e aos preços externos atraentes.

Quilombola com sementes de arroz no vale do Ribeira, em São Paulo - Claudio Tavares/ISA

O feijão, apesar de não ter a concorrência externa, também perdeu espaço para soja e milho. Com isso, os preços atuais para o consumidor ainda são 92% superiores aos do final de 2018.

Em alguns casos, como o do trigo, mesmo com a disparada de preços externos, a produção recorde inibe um pouco as altas. Com o conflito entre russos e ucranianos, a tonelada de trigo chegou a R$ 2.200 no mercado interno.

A produção recorde de 10,5 milhões de toneladas fez a cotação recuar para R$ 1.300 neste mês. Mesmo assim, o pãozinho, devido à alta de 2022, custa 42% a mais para os consumidores do que em 2018.

Este ano foi um período de safra recorde no Brasil, e o mesmo se espera para 2024, o que ajuda na queda dos preços no campo. A queda no varejo, no entanto, ocorre mais lentamente.