Ainda vai levar um longo caminho, e muitos dribles e gols, para que o futebol feminino vire uma paixão nacional.
A repórter Isabella Menon mostrou que, em plena Copa do Mundo, a rua 25 de Março, centro do comércio popular em São Paulo, está abarrotada de produtos da Barbie. Tudo cor-de-rosa: blusas, croppeds, vestidos, saias de tutu. Pouquíssimas opções em verde e amarelo, uma camiseta da seleção aqui, uma vuvuzela escondida acolá. Como revela a foto que ilustra a reportagem, é mais fácil encontrar um boné do Botafogo, clube carioca que faz uma campanha alucinante no Brasileiro.
No país em que o futebol praticado por mulheres esteve proibido por lei entre 1941 e 1979, perdura um enorme preconceito. O streamer Casimiro Miguel foi obrigado a desativar o chat de transmissão da partida entre Nova Zelândia e Noruega, jogo de estreia da Copa, após uma enxurrada de comentários machistas. Os participantes ridicularizaram atletas, questionaram a qualidade das seleções e acusaram Casimiro de ter se rendido à lacração. Detalhe: o jogo começou às quatro da manhã, e os caras lá acordados destilando ódio: "Vai pilotar um fogão".
A seleção viajou não como favorita, mas entusiasmada com o torneio, embarcando para a Austrália pela primeira vez num voo fretado. A sueca Pia Sundhage —há quatro anos no comando da equipe— mesclou experiência e juventude. Deu certo no primeiro jogo: 4 a 0 sobre o Panamá, com três gols de Ary Borges, que ainda deu o passe de calcanhar para completar o placar numa jogada coletiva sensacional.
Veio a França, da qual não ganhamos faz tempo também no masculino —mas não se deve comparar, não é mesmo? O time jogou mal, e o nervosismo poderá ser um adversário mais difícil que a Jamaica no mata-mata desta quarta-feira (2). O Tostão acha que, melhorando "um pouco", o Brasil tem chance de ser campeão. Se o Tostão acredita, estou com ele.
Albert Camus afirmou que o suicídio era a única questão filosófica realmente séria. Decidir se a vida vale a pena ser vivida é o problema fundamental da filosofia; todos os demais são secundários. Transpondo a fórmula para o direito, podemos dizer que existe uma única questão constitucional realmente séria, que é a de determinar o alcance da liberdade no ordenamento jurídico, que é o que dá a base ao contrato social; todas as demais lhe são secundárias.
É sobre esse problema que o STF volta a debruçar-se esta semana, ao retomar o julgamento sobre a descriminalização do uso de drogas. Mais do que um "tópos" do direito penal, o que os ministros estão debatendo é se o artigo 28 da Lei Antidrogas (nº 11.343/2006), que penaliza a posse de entorpecentes para uso próprio, fere ou não o princípio da inviolabilidade da vida privada (CF, art. 5º, X).
E eu penso que fere. Acredito que existe uma esfera da intimidade que é tão irredutivelmente pessoal que o Estado não tem legitimidade para controlar. Entram nessa categoria não apenas as substâncias que o indivíduo escolhe ingerir como também suas práticas sexuais (desde que consensuais, é óbvio), se vai levar em frente uma gravidez ou interrompê-la, se prefere enfrentar estoicamente uma doença ou abreviar sua estadia no mundo sublunar. Até acho que o poder público pode regulamentar essas matérias, a fim de reduzir conflitos sociais e externalidades negativas, mas sem jamais retirar do cidadão o direito de decidir o que quer para si.
A ampliação da autonomia individual não é nova na história do direito. É uma tendência que ganhou força a partir do Iluminismo e desde então não parou de avançar. O Brasil já esteve na vanguarda desse processo. Foi um dos primeiros países a abolir, em 1830, as leis que criminalizavam a sodomia. Mas, nas últimas décadas, com Congressos particularmente conservadores, perdemos vários bondes da história.
OSupremo Tribunal Federal (STF)adotou uma postura “militante” para barrar as ações do governo deJair Bolsonaro, segundo dois estudos daFundação Getúlio Vargas (FGV), obtidos pela coluna. As ações do STF seriam uma reação ao chamado “infralegalismo autoritário”. É assim que especialistas classificam a estratégia de Bolsonaro para governar o País entre 2019 e 2022. Agora, seria a hora de o STF voltar à normalidade institucional.
No período Bolsonaro, a Corte tomou 231 decisões sobre a conduta do ex-presidente e de seus apoiadores relacionadas a atos hostis à Constituição e aos seus princípios, algo inédito na história da Nova República. Os números foram reunidos por pesquisadores.
É em razão deste contexto polarizado que os artigos dos professores Oscar Vilhena, Rubens Glezer e Ana Paula Barbosa devem ser lidos com atenção. Eles esmiúçam ainda a relação do então chefe do Executivo com o Congresso. Chegaram à conclusão de que Bolsonaro foi o presidente com a menor taxa de aprovação de projetos no Legislativo, a chamada “taxa de sucesso”, com 37,9%, quase dez pontos porcentuais a menos do que a do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2003), com 46,2%.
Já a taxa de dominância, que indica se agenda do Congresso está sendo pautada pelo presidente, foi ainda menor. Ficou em 28,32% ante 35,15% de Dilma Rousseff (PT), até então o pior resultado entre os mandatários. O fracasso em montar uma coalizão estável levou Bolsonaro – segundo os pesquisadores – a abusar do uso de Medidas Provisórias, sendo o recordista no uso dela (254 editadas), bem como de decretos, onde estabeleceu outro recorde, com 1.426 publicados.
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Destes, 314 alteraram a estrutura da burocracia federal, sendo que 80% deles tinha por objetivo modificar, extinguir ou limitar a atuação de conselhos e colegiados. Foram nos decretos que os pesquisadores encontraram o que chamam de caminho usado pelo ex-presidente por meio do qual ele teria tomado as medidas que mais se chocaram com a Constituição.
Tanto o Congresso como o Supremo reagiram ao método. Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, isso acontecia porque Bolsonaro teria uma visão tortuosa do papel da Presidência. “É o presidente com menos institucionalidade da história. Isso porque ele entendia seu papel como o de um imperador, que não deve se submeter aos demais Poderes, como se fosse o comandante em chefe do Poder Moderador.”
Os pesquisadores da FGV verificaram ainda que Bolsonaro teve a menor taxa de conversão de MPs em leis dos presidentes pesquisados – 45,28% ante 68,75% de Dilma – e também a maior quantidade de vetos derrubados pelo Congresso. Foram 30, ante 4 do governo de Michel Temer e 2 do segundo mandato de Dilma. No começo, a cada rejeição de uma medida, o governo via a ação deletéria da “velha política”, que não lhe deixava governar, justificativa que caiu em desuso após o acordo de Bolsonaro com o Centrão.
“Tenho dificuldade em aceitar a expressão democracia militante. Se ela significa desrespeito à lei, eu não posso concordar com isso. O Estado Democrático de Direito pressupõe o respeito à lei, um primado básico da sociedade. Os excessos precisam ser corrigidos”, afirmou à coluna o procurador regional da República Bruno Calabrich. Ele afirma que a legislação não autoriza nenhum magistrado ou integrante do Ministério Público tomar partido de candidatos. “Talvez haja incompreensão de agentes do Judiciário e do Ministério Público de seu papel na democracia”, critica.