domingo, 15 de janeiro de 2023

Chorei ao ver Brasília, minha 'irmã caçula', ser agredida, diz filha de JK, FSP

 Sentada em frente à TV na sala de seu apartamento, em Ipanema, Maria Estela Kubitschek não queria acreditar nas cenas que lhe causaram uma das maiores tristezas de seus 80 anos de vida.

Única filha viva de Juscelino Kubitschek, presidente que idealizou Brasília, a arquiteta chorou ao ver a turba golpista de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadir e depredar os palácios do governo, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, na sinistra tarde de domingo (8).

"Brasília é minha irmã caçula, que vi ser sonhada, planejada e erguida. Para mim, aquilo foi uma agressão pessoal", diz ela à Folha, por telefone, ainda desolada com a selvageria cometida contra a capital que ela, aos 18 anos, em abril de 1960, testemunhou o pai inaugurar com os olhos marejados.

A arquiteta e escritora Maria Estela Kubitschek Lopes durante entrevista à TV Brasil em 2018
A arquiteta e escritora Maria Estela Kubitschek Lopes durante entrevista à TV Brasil em 2018 - Reprodução - 20.abr.2018/TV Brasil

Enquanto a horda avançava em fúria sobre o patrimônio público e histórico destruindo o que encontrava pela frente, Maria Estela recebia mensagens pelo celular de gente que podia imaginar seu desespero. "Eu chorei. Não sabia se pegava um avião do Rio de Janeiro até lá para fazer alguma coisa, se rezava para papai proteger a cidade, ou o que eu podia fazer", relembra.

Estupefata como tantos outros compatriotas, ela pensava no trabalho de todos os brasileiros que ajudaram a levantar e manter a capital federal, desde o arquiteto Oscar Niemeyer, que projetou os prédios, até os candangos que levantaram cada viga e os servidores que cuidam diariamente da conservação.

Indignava-se com o que considerou "falta de comando" na segurança, sem entender por que os extremistas irromperam com tanta facilidade. Ficou incrédula ao ver cadeiras sendo arremessadas pelas janelas e a mesa de jacarandá que Juscelino usava no trabalho acabar virando barricada.

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Passado o pior momento, com certo alívio porque o vandalismo não foi ainda maior ("Já imaginou se o fogo se alastra lá dentro?"), a filha de JK foi abatida por perguntas que continua a se fazer.

"Não é do instinto do brasileiro fazer uma coisa dessa. Não sei se onde saiu aquele ódio, se foi incentivado por alguém muito odiento. Ainda estou procurando respostas", diz, antes de lamentar que pessoas com o dom de influenciar usem essa capacidade para o mal. "Papai tinha essa força, mas para o bem."

Nas reflexões, ela acaba chegando ao nome de Bolsonaro como quem pode ter semeado a discórdia democrática ao recusar a transição pacífica de poder depois de contestar as urnas eletrônicas.

"A gente criou [dúvidas sobre o resultado] quando ele foi eleito? Alguém duvidou da eleição dele? Só vale para um lado? É aquele negócio: aí vem a turma que fica com raiva e quer arrebentar tudo. Quer dizer, [ele] está dando corda para isso."

E se põe a explicar com didatismo: "Eleição você ganha ou perde, é simples. Se você se prontifica a participar sabendo que pode ganhar, tem que saber também que pode perder. Se o eleitor não ficou feliz, espera o tempo passar e dali a quatro anos vota de novo".

Ela mesma achou que em 2022 era hora de o ex-presidente ir embora —não imaginava, contudo, que ele faltaria à posse do sucessor, deixando "a impressão de que fugiu" para os Estados Unidos.

Diz que votou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que, como "democrata por nascimento, por herança e por aprendizado", sempre respeita governos eleitos, mas também exerce o direito de criticar e discordar.

Não gostou, por exemplo, de ver a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, chamar a GloboNews para mostrar o estado em que Bolsonaro e família deixaram o Palácio da Alvorada. "A situação é triste, mas não devia ter sido divulgada daquela forma, você vai me desculpar. O fato de mostrar [na TV] ficou uma crítica muito forte. Não sei se foi para justificar a necessidade de uma total reforma."

A arquiteta evita se estender no assunto. Diz que é rotina fazer reparos quando há troca de governante. "O que sei é que mamãe sempre tinha a preocupação de entregar tudo certíssimo, tudo arrumadíssimo, roupa de cama lavada. É aquilo: quando você mora em um lugar que não é seu, tem que ter ainda mais zelo."

O presidente Juscelino Kubitschek com a filha Maria Estela Kubitschek Lopes, arquiteta e escritora
O presidente Juscelino Kubitschek com a filha Maria Estela Kubitschek Lopes na juventude - Arquivo pessoal

Adotada por Sarah e Juscelino aos cinco anos, Maria Estela viveu com eles e com a irmã Márcia, filha biológica do casal, em uma Brasília ainda despovoada e isolada. Na fase de obras da capital, dava um jeito de viajar com o pai para a vistoria dos trabalhos, "de curiosa que era". Foi na cidade que aprendeu a dirigir, com as lições do motorista de JK, e tirou a 38ª habilitação emitida na história local.

Com tantas memórias atreladas à capital, ela poderia se considerar meio dona de tudo aquilo. "Brasília não é de ninguém, é de todos nós. Isso [invasão] me doeu muito, mas a maior agressão foi à nossa democracia. Não tem perdão."

"Papai no Brasil de hoje estaria como eu, sem entender nada", diz ela sobre o político morto em 1976. Na ditadura militar (1964-1985), ele teve seu mandato de senador cassado, viveu exilado e chegou a ser preso. "Aceitou a prisão tranquilamente. Ele só falava: 'Isso vai acabar, isso vai passar'", recorda a filha.

Para a arquiteta, uma reação contundente como a de domingo passado poderia ser justificada se o país estivesse sob ameaça de virar uma ditadura. "E, mesmo assim, não com violência, mas com palavras. Mais forte do que quebrar é falar, denunciar. Aquelas cenas transmitiram ao mundo um retrato feio. Não foi um exemplo de democracia, mas de revanchismo, não sei bem de quê."

Maria Estela foi filiada ao PSDB e chegou a participar de eleição como vice de Eduardo Paes (que também era do PSDB) na disputa pelo Governo do Rio de Janeiro em 2006. A chapa com Paes, que é o atual prefeito da capital fluminense, ficou em quinto lugar —o vencedor foi Sérgio Cabral (MDB).

Na noite de domingo, depois das horas de terror, a arquiteta foi ao Facebook e escreveu: "Não tenho palavras para expressar a tristeza que estou vivendo hoje ao ver a destruição de Brasília, minha 'irmã caçula'. Que Deus nos proteja contra o ódio, o vandalismo e salve a nossa 'capital da esperança'".

À Folha ela reitera a mensagem: "O que aconteceu não é reflexo do Brasil que eu vivi nem é o Brasil que nós queremos. Nunca imaginei que, na minha idade, eu ia passar pelo que passei. Brasília representa os sonhos não só daquela época, mas ainda hoje é a nossa esperança. E o Brasil é forte o suficiente para passar por isso".

Lula destitui diretores da EBC após emissora chamar vândalo de manifestante, FSP

 Marianna Holanda

BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destituiu toda a diretoria da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) na noite de sexta-feira (13) e nomeou a jornalista Kariane Costa para a presidência, de forma interina.

A troca no comando foi acelerada após a linha editorial adotada nos atos golpistas do último domingo (8), segundo auxiliares do chefe do Executivo. Os diretores eram ainda da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A avaliação é a de que a estatal estava com uma postura distante da adotada pelos demais veículos de imprensa, com o objetivo de minimizar os atos.

Um integrante do governo citou, como exemplo, que as pessoas que depredaram a sede dos três Poderes eram chamadas de manifestantes, em vez de vândalos ou golpistas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Paulo Pimenta (Secom) - Pedro Ladeira/Folhapress

Outro afirmou que o temor era de que a cúpula indicada por Bolsonaro tivesse sido ainda mais radical na cobertura do ato golpista. Havia receio de que a empresa fosse utilizada para eventualmente propagar ideias antidemocráticas ou que houvesse uma espécie de sabotagem técnica, interrompendo transmissões da Presidência, por exemplo.

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No dia seguinte ao ato golpista, o jornal da TV Brasil transmitiu a sessão do Congresso e colocou uma passagem do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o que foi interpretado por petistas como provocação.

Dessa forma, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), sob a qual fica subordinada a EBC, decidiu iniciar a transição na EBC. Nos próximos 30 dias, a pasta deve iniciar um processo de reorganização da empresa e retirada de indicados de bolsonaristas em postos-chave.

Kariane participou do gabinete de transição pelo grupo de trabalho das comunicações e conta com a confiança do ministro Paulo Pimenta.

Atualmente, ela integra o Conselho Curador da empresa, na vaga que representa os servidores da casa. O colegiado delibera sobre a linha editorial e diretrizes do veículo.

Por isso, ela já tem o nome aprovado pela Lei das Estatais, processo que dura cerca de 30 dias e pelo qual todos os indicados devem ainda passar.

Assim, Kariane assume de forma interina a presidência e "conduzirá o processo de transição para nova gestão, a ser implementada nos próximos meses", segundo nota divulgada pelo Planalto.

A jornalista está há mais de dez anos na estatal. Chegou a trabalhar como editora de agosto de 2012 a fevereiro de 2014. Deste então, é repórter de política.

"Aceitei o convite do presidente Lula e do ministro Paulo Pimenta para estar à frente, de forma interina, do processo de transição para a retomada da missão da EBC. Agradeço a confiança! Juntos vamos reconstruir nossa empresa!", disse Kariane, nas redes sociais.

Já Pimenta afirmou iniciar, na sexta, uma transição na empresa, "que resultará no fortalecimento da comunicação pública, na valorização dos empregados e no aprimoramento da governança".

O ministro também destacou quatro mulheres para auxiliar no processo de transição, que assumirão cargos de assessoria ou gerência: Rita Freire, presidente do Conselho Curador da EBC à época do impeachment em 2016; Juliana Cézar Nunes, empregada concursada da empresa; e as jornalistas Nicole Briones e Flávia Filipini.

Tanto a nomeação de Kariane, quanto a exoneração dos diretores indicados por Jair Bolsonaro (PL) saíram em edição extra do Diário Oficial da União na sexta. Foram destituídos o presidente, diretor geral, a diretora de jornalismo e o de administração. O de conteúdo, Denilson Morales da Silva, é servidor de carreira da EBC, continua no cargo.

sábado, 14 de janeiro de 2023

 

Neste domingo faz uma semana que Jair Bolsonaro mandou seus seguidores darem um golpe de estado enquanto ele tinha seu dia de princesa na Disney.

Por esse crime, Jair Bolsonaro deve ser preso. Os políticos que convocaram ou apoiaram a tentativa de golpe devem ser cassados e presos. Os empresários que financiaram a tentativa de destruição da democracia devem ter seus bens confiscados, como confiscaríamos propriedades do Comando Vermelho ou do PCCOs militares e policiais com envolvimento comprovado na tentativa de golpe devem ser exonerados e presos.

Resultado da destruição no Palácio do Planalto após invasão de golpistas no domingo (8) - Pedro Ladeira - 9.jan.23/Folhapress

É o que qualquer república funcional faria. Pouco tempo atrás, uma conspiração golpista na Alemanha, que não envolvia o ex-presidente da república ou ninguém remotamente tão poderoso, foi descoberta. Foi todo mundo em cana, nos termos da lei, com amplo direito de defesa, como tem que ser aqui.

No dia 8, a maré de chorume humano inundou Brasília escoltada por desertores e ladrões, e, sob sua proteção, destruiu os prédios e símbolos da república.

Vale um esclarecimento: não se tratava de "radicais bolsonaristas", porque não faz mais sentido falar em bolsonaristas moderados. É óbvio que há dezenas de milhões de eleitores de Bolsonaro que são gente moderada e excelente, mas eles precisam encontrar outro movimento político que os represente. Se o líder inconteste de um movimento é o líder de sua ala extremista, o movimento é extremista.

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Sugiro, inclusive, que da próxima vez a direita brasileira busque um movimento, que não recorra a papai milico ou mamãe PM sempre que o capitalismo brasileiro travar.

Para isso, é preciso que as próprias Forças Armadas combatam o golpismo em seu meio.

É óbvio que há uma parcela grande, forte e honrada nas Forças Armadas: se não houvesse, Jair teria conseguido dar seu golpe.

Mas as Forças Armadas não publicaram mensagem denunciando a Intentona Bolsonarista. Isso sugere que ainda há bolsonaristas lá dentro com, no mínimo, poder de veto. Perdeu a senha do Twitter, Villas Bôas?

Não sei o quanto o governo Lula terá força para combater o golpismo dentro das Forças Armadas. No fundo, a vergonha é que Exército, Marinha e Aeronáutica precisem que os civis lhes deem essa ordem. O ódio a isso tudo que se viu em Brasília deveria ser o reflexo natural de militares com boa formação moral.

O que faz a diferença entre uma roupa verde e uma farda é a bênção da Constituição deliberada pelo povo livre em assembleia. Um militar que trai a democracia é um desertor, é alguém que pretende roubar as armas da república para usá-las a favor de sua facção política (como em 64), ou a favor de sua organização criminosa (no caso do bolsonarismo).

Hoje eu realmente esperava escrever sobre outra coisa. Haddad anunciou um pacote promissor, mas será que vai dar certo? As posses de Guajajara e Franco foram muito bonitas, mas será que conseguiremos implementar boas políticas de inclusão?

Entretanto, ainda tenho que escrever sobre golpe, ainda tenho que pedir a prisão do criminoso Jair Bolsonaro, porque ninguém o prendeu das outras vezes que eu e um monte de gente, com toda razão, sugerimos que o prendessem.

Se tivessem prendido, hoje estaríamos discutindo crescimento econômico e justiça social. Mas nenhum país elege Jair Bolsonaro para a Presidência, uma vez só que seja, impunemente.