A crise habitacional se agravou nos últimos anos, com o aumento da população em situação de rua, das ocupações e favelas e com os eventos extremos, que deixaram quase 500 mortos em 2022.
O déficit acumulado soma 5,8 milhões de unidades (Fundação João Pinheiro, 2019) enquanto a demanda futura (novas famílias que irão se formar), soma 15 milhões de unidades entre 2020 e 2040, (Universidade Federal Fluminense, 2018), indicando a necessidade de produzir cerca de um milhão de moradias por ano.
Além disso, existem ao menos 7,2 milhões de domicílios com ao menos uma carência de infraestrutura. Dentre esse contingente, estão as moradias em risco, problema que vem se acentuando frente à crise climática.
Frente a essa situação, que exige uma intervenção estrutural do governo, o que os candidatos e seus partidos estão propondo?
O presidente Bolsonaro, até o momento, nada apresentou. Nada consta, também, no site do seu partido, o PL. Como é candidato à reeleição, supõe-se que dará continuidade ao pouco que já vem fazendo.
O Programa Casa Verde Amarela, que substituiu o Minha Casa Minha Vida, praticamente zerou os recursos orçamentários para subsidiar a faixa 1, voltada para a baixa renda, onde se concentram 70% do déficit. O pouco que se tem aplicado, vem de emendas parlamentares, inclusive as secretas, sem planejamento e critério objetivo de atendimento.
Nada se fez na urbanização de assentamentos precários ou para enfrentar estruturalmente as áreas de riscos, enquanto o programa de regularização fundiária, anunciado como prioridade, caminha a passos lentos.
A única ação habitacional que apresentou algum resultado, o financiamento a baixos juros para a baixa classe média (entre três e dez salários mínimos), está ameaçado pela irresponsável política de sangrar o FGTS, com saques que reduzem e que, a médio prazo, inviabilizarão, a capacidade do FGTS financiar a habitação com juros subsidiados.
Desde 2019, foram retirados no FGTS cerca de R$ 123,7 bilhões, em valores atualizados (20% do saldo total do fundo), distribuídos de forma populista aos cotistas para o consumo.
Esses recursos, por lei, deveriam ser destinados para a habitação, saneamento e desenvolvimento urbano, criando empregos, reativando a economia, gerando receita tributária e fortalecendo o próprio FGTS, pois na construção civil o emprego é formal.
Essa enorme capacidade da construção civil e da habitação de gerar empregos e reativar a economia não passou despercebida pelos programas de Ciro e Lula, indicando uma mudança de rumo caso sejam eleitos. No entanto, há diferenças significativas entre suas propostas.
Ciro, que se dedica há tempos a seu programa de governo, aponta para um "Projeto Nacional de Desenvolvimento", uma espécie de "revival" do desenvolvimentismo getulista, que valeria uma coluna inteira para comentar.
Em 2020, lançou o livro "Projeto Nacional: o dever da esperança" onde, após uma análise das raízes da crise econômica brasileira e do novo contexto geopolítico mundial, dedica-se a apresentar seu "Projeto para o Brasil".
Mas Ciro não dá centralidade para o desafio urbano. Em 271 páginas, praticamente ignora as cidades e dedica apenas 18 linhas para o tema da "reativação da construção civil nacional, que usa muita mão de obra e tem rápido impacto no emprego e da renda".
Depois de dizer que "o Brasil tem inegável expertise nessa área", compromete-se a "eliminar definitivamente o déficit de moradia no Brasil", sem esclarecer como essa promessa, tão desafiadora, será cumprida. No site "Todos com Ciro", são apontados os "12 passos de Ciro Gomes", mas nenhum é dedicado especificamente às cidades ou à habitação.
O tema é tratado no item "Recuperar e modernizar a infraestrutura" onde, depois de dizer que "nas cidades faltam habitações, saneamento e transporte", se compromete, sem detalhar, a investir R$ 300 bilhões por ano em habitações, saneamento, transporte público, ferrovias, estradas, portos, aeroportos e energia.
Já na campanha de Lula, a questão é tratada com mais detalhamento nas Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil, onde o tema de cidades aparece em cinco dos 121 itens que compõem o documento.
No item 71, sem citar valores, é assumido o compromisso de "garantir a modernização e a ampliação da infraestrutura de logística de transporte, social e urbana, com um vigoroso programa de investimentos públicos... fundamental para a volta do crescimento e decisivo".
Mas, ao contrário de Ciro, o programa vai além. No item 73, afirma-se que "esses investimentos estarão comprometidos com missões socioambientais (...), com o aumento do bem-estar da população e com a construção de cidades inclusivas, seguras, justas, resilientes e sustentáveis."
No item 29, além de apoiar e incentivar cidades criativas e sustentáveis, propõe-se investimentos integrados em infraestrutura de transporte público, habitação, saneamento básico e equipamentos sociais como instrumentos para garantir o direito à cidade, a reforma urbana, a redução das desigualdades socioterritoriais e a transição ecológica das cidades.
No item 30, propõe-se um "amplo programa de acesso à moradia, com mecanismos de financiamento adequados a cada público" e, no 74, reconhece-se a responsabilidade estatal na universalização do saneamento básico.
Embora genéricas, as diretrizes do programa de Lula inovam em relação à política adotada nos governos do PT ao propor um tratamento mais integrado das políticas urbanas e ao trazer a dimensão ambiental e o enfrentamento da crise climática como variáveis relevantes no enfrentamento da questão urbana.
O detalhamento dessa proposta foi publicado pela Fundação Perseu Abramo, em um Caderno, intitulado "Reconstrução e Transformação das Cidades Brasileiras". Ali estão detalhados os programas propostos e os arranjos institucionais necessários para implementá-los.
Do que até aqui foi divulgado, é o único que dá centralidade para o problema das cidades. Falta, no entanto, saber como se viabilizarão os recursos para colocar em prática a estratégia traçada.