É bom o último livro de John McWhorter. Mas, antes de comentar "Woke Racism", talvez seja bom falar um pouco sobre o autor. McWhorter é um linguista de primeira. Especializado em idiomas crioulos, dá aulas em Columbia. Antes, lecionou em Cornell e na Universidade da Califórnia, Berkeley. É colunista do New York Times. McWhorter pode ser descrito como um homem de esquerda. Sempre apoiou os democratas e defende o direito ao aborto e a legalização das drogas. É ateu. Mais importante, McWhorter é negro e pode ser descrito como um militante contra o racismo.
"Woke Racism" é um livro incômodo porque nele McWhorter bate forte no antirracismo de terceira geração, que vem ganhando espaço na esquerda cultural americana. Para ele, ao contrário do antirracismo de primeira e segunda gerações, que lutou pelos direitos civis e trouxe ganhos para a qualidade de vida dos negros, o de terceira está fazendo mal às comunidades e à própria sociedade americana, que não consegue mais debater certas questões. McWhorter diz que o novo antirracismo se tornou uma religião. Não se trata de figura retórica. Para o autor, o movimento "woke" tem todos os elementos que um antropólogo precisaria para considerá-lo uma religião secular, com dogmas fora do alcance da lógica e sessões de cancelamento de "heréticos" conduzidas com fervor evangélico.
Segundo McWhorter, melhor do que perseguir e cancelar pessoas que ousam discordar da nova ortodoxia antirracista seria buscar medidas concretas que contribuam para reduzir a desigualdade racial. Ele cita especificamente o fim da guerra às drogas e reformas educacionais, notadamente a adoção do método fônico no processo de alfabetização e a valorização do ensino profissionalizante.
Vale a pena ler a obra nem que seja para dela discordar. Afinal, rejeitar uma tese sem nem mesmo analisá-la racionalmente é atitude típica de religiosos, não de intelectuais.
O projeto de lei aprovado pelo Congresso que classifica combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo como bens essenciais e cria um teto para a alíquota de ICMS desses bens em 17% ou 18%, dependendo do Estado, é a melhor proposta apresentada até agora para reduzir os efeitos negativos da aceleração inflacionária e aumento dos preços dos combustíveis.
A proposta deverá resultar em uma queda dos preços desses bens. Estimamos que o efeito sobre a taxa de inflação será da ordem de 2,1 pontos de porcentagem.
Como esses bens são parte importante da cesta de consumo das famílias, principalmente das mais pobres, teremos um aumento da renda real das famílias e menos regressividade da estrutura tributária do País.
Vai sobrar mais renda para as famílias comprarem outros bens e serviços, o que significa mais crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e aumento do bem-estar da população.
As outras propostas em discussão, um voucher caminhoneiro de mil reais, aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 e do auxílio-gás, ainda que transitórias, vão exigir aumento dos gastos e rompimento do teto, o que fragiliza o regime fiscal, aumenta o risco e reduz o fluxo de investimentos para o País, consequências que deverão exigir um aumento das taxas de juros.
As propostas mais negativas são as que sugerem reversão de reformas implementadas ao longo dos últimos seis anos que mudaram estruturalmente o regime fiscal brasileiro, em especial o teto do gasto e a Lei das Estatais.
Com o teto do gasto, qualquer proposta que signifique um rompimento dele é exaustivamente discutida pela população e pelos investidores, forçando o governo a apresentar seus prós e contras.
Da mesma forma, a tentativa de mudar a Lei das Estatais com o objetivo de facilitar a interferência política na direção dessas empresas. Essa interferência, no passado recente, gerou corrupção, má gerência das empresas e desperdício de dinheiro público.
Reverter essas reformas seria um importante retrocesso institucional que, além dos efeitos de curto prazo, teria um efeito bastante negativo sobre o crescimento e a estabilidade de longo prazo da economia brasileira.
A reação dos investidores já se faz sentir na reversão da trajetória de valorização cambial, queda dos juros e aumento dos preços das ações que caracterizou o primeiro trimestre de 2022 desde que essas propostas começaram a ser discutidas.
* PROFESSOR APOSENTADO DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO; É ECONOMISTA-CHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS
Brasileiros que vivem fora das regiões metropolitanas devem gastar cerca de R$ 3 trilhões em 2022, o que dá força para negócios gigantes criados bem longe do eixo Rio-São Paulo
Texto: André Jankavski e Lucas Agrela
02 de julho de 2022 | 13h50
Com 101 anos, a gigante das confecções Lupo surgiu em Araraquara, no interior de São Paulo. Criada pelo empresário Henrique Lupo, o negócio segue na mão da família – hoje, é comandado por Liliana Aufiero, neta do fundador. Mesmo com faturamento de R$ 1,5 bilhão e a intenção de abrir capital, a empresa não vê razão para trocar o interior pela capital. “Qual seria a vantagem de irmos à capital? Hoje, temos mais de 6 mil funcionários em Araraquara e uma grande simbiose com a cidade. Estamos felizes por aqui”, afirma a empresária.
A Lupo não está sozinha nessa tendência. A fabricante de porcelanatos e revestimentos cerâmicos catarinense Portobello, o grupo de atacarejos maranhense Mateus e a empresa de telecomunicações mineira Algar também mantêm suas sedes em municípios do interior. Todas elas sabem que há um enorme potencial de consumo fora das capitais.
Desde 2011, o potencial de consumo no interior é maior do que o das capitais e das regiões metropolitanas. Levantamento feito pela consultoria IPC Marketing a pedido do Estadão, mostra que as cidades do interior atualmente concentram um potencial de quase R$ 3,1 trilhões, ou 54,9% do total do País. Em 2000, esse número era de R$ 382,9 bilhões, com participação de 46,9%.
Qual seria a vantagem de irmos à capital? Hoje, temos mais de 6 mil funcionários em Araraquara e uma grande simbiose com a cidade. Estamos felizes por aqui”.
Liliana Aufiero, presidente da Lupo
E o ritmo de crescimento do interior deve seguir mais acelerado, segundo Marcos Pazzini, fundador da IPC. “Nas últimas décadas, houve um trabalho intenso de prefeituras e governos para levar empresas e indústrias para o interior, com subsídios fiscais e facilidades. Essas empresas se instalaram e ajudaram no desenvolvimento das cidades”, diz Pazzini. “Agora, pelo efeito da pandemia de covid-19, também existe um movimento das pessoas estarem preferindo morar com mais conforto no interior, mas gastando o mesmo que na capital.”
Uma das empresas que mais demonstram esse poder do consumo do interior é o Grupo Mateus, criada no Maranhão. “Temos um jeito simples do interior, somos uns caipiras da roça, e aprendemos a nos ‘virar nos 30’. O nosso modelo de negócio nasceu por causa das dificuldades que tínhamos”, afirma Ilson Mateus, presidente e fundador da empresa, que realizou IPO em 2020 (o segundo maior daquele ano) e faturou R$ 15,9 bilhões no ano passado.
EFEITO DO AGRONEGÓCIO
O agronegócio também ajudou a dar mais força à economia do interior. A participação do setor no PIB chegou a 27,4% de toda a economia do País – os cálculos são da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq/USP), em parceria com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, mesmo com um cenário um pouco mais complicado no curto prazo, com o aumento do preço dos insumos causado pela pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia, a tendência é de que o crescimento do PIB dessas regiões continue muito mais alto do que a média do Brasil.
Para se ter uma ideia, o crescimento acumulado médio do PIB dos Estados do Centro-Oeste entre 1986 e 2022 é estimado em 357%, contra 103,6% da média brasileira, no mesmo período, aponta a MB Associados. Isoladamente, o Estado de Mato Grosso cresceu 639% nesses 36 anos.
A Boa Safra quer representar o interior do Brasil
Nascido e criado no município de Formosa (GO), o empresário Marino Colpo lembra que, desde cedo, seu pai o obrigava a acompanhar a cobertura econômica de grandes jornais. Ao fim de um dia de trabalho na pequena loja de sementes da família, o rapaz anunciou que, no futuro, o negócio faria um IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações).
Mais de 40 anos depois, a Boa Safra é uma das empresas do agronegócio com ações negociadas na B3, após um IPO realizado em 2021. Em seu ano de estreia na Bolsa, a empresa também ultrapassou a barreira de US$ 1 bilhão em faturamento.
Até por seu setor de atuação, a companhia não tem intenção alguma de se transferir para uma capital. Como a Boa Safra atende fazendeiros de todas as regiões do País, Colpo afirma que não faz sentido pensar em criar unidades de processamento em capitais, mesmo que elas sejam próximas de regiões importantes para o setor.
“No Mato Grosso, por exemplo, não vamos para Cuiabá, mas para Sorriso e Primavera enquanto no Maranhão estamos chegando à cidade de Balsas. Já na Bahia vamos para o município de Jaboranti”, afirma Colpo. “O agronegócio representa o interior do Brasil.”
Aos 140 anos, Döhler prepara sua chegada ao comércio eletrônico
Quem conhece as toalhas da Döhler muitas vezes nem imagina que a empresa tem mais de 140 anos. Criada pelo imigrante alemão Carl Döhler, em Joinville (SC), o negócio surgiu a partir de um tear que ele construiu com as próprias mãos. Alguns anos mais tarde, decidiu importar um tear de ferro da Inglaterra para aumentar a produção. Logo, passou a vender toalhas de mesa, panos de prato e cachecóis, expandindo o comércio para cidades próximas.
Udo Döhler, presidente do conselho de administração da Döhler e neto do fundador, conta que a empresa até considerou sair de Joinville, mas a ideia foi abandonada. A relação de Udo com a cidade é tão forte que ele foi eleito prefeito duas vezes, em 2012 e em 2016, pelo MDB. O executivo toca os negócios da família desde o começo da década de 1970.
A Döhler hoje tem como carro-chefe as toalhas, que representam 40% da produção. Cerca de 70% dos produtos da companhia são vendidos para o segmento corporativo e 30% para os consumidores finais. Em 2021, a receita de vendas foi de R$ 674 milhões, com lucro líquido de R$ 77,3 milhões.
A companhia comercializa produtos de cama, mesa e banho no varejo, além de atender hotéis e hospitais, mas também tem itens mais sofisticados, como uniformes com tecido invisível ao infravermelho, voltados às forças armadas.
Para aumentar as vendas no varejo, a empresa planeja a entrada no comércio eletrônico ainda em 2022. A médio prazo, o próximo passo da Döhler é avançar na agenda de sustentabilidade e governança para captar recursos de investidores na bolsa de valores para continuar a expandir os negócios.
Catarinense Portobello vai ampliar exportação e abrir fábrica nos EUA
A Portobello atua no segmento de revestimentos cerâmicos desde 1979, e tem sede no município de Tijucas (SC). Depois de manter por algum tempo um negócio no ramo de açúcar, a família do fundador César Gomes migrou para o ramo de produção de cerâmica, aproveitando a localização que permitia tanto a venda para São Paulo quanto para países vizinhos, como Argentina e Chile. Hoje, a companhia tem 150 lojas pelo País e exporta para 60 países.
“Diversificamos para uma atividade em um setor forte, que podia ir ao mercado internacional e tinha muito avanço de tecnologia que nos traria ganhos de mercado”, conta César Gomes Júnior, filho do fundador, que tocou os negócios da empresa por mais de 40 anos e ocupa a posição de presidente do conselho de administração desde 2020.
A história da Portobello foi construída por profissionais que moram tanto em Tijucas quanto em cidades próximas, como Florianópolis e Camboriú. “A localização oferece qualidade de vida para as pessoas”, diz. A empresa tem mais de 5 mil funcionários.
Atualmente, cerca de um quarto das operações são internacionais. Com uma nova fábrica nos Estados Unidos, prevista para começar a funcionar no fim do ano, a empresa almeja duplicar esse porcentual ao acelerar sua produção.
A localização oferece qualidade de vida para as pessoas.”
César Gomes Júnior, presidente do conselho da Portobello
Em 2021, o faturamento da Portobello chegou a R$ 1,9 bilhão, salto de 43% ante 2020 graças ao comércio de produtos de maior valor agregado, ao aumento de vendas no varejo e à ampliação de negócios internacionais. A receita vinda do mercado externo subiu 50%, chegando a R$ 401 milhões no ano passado.
Aos 101 anos, a Lupo espera o melhor momento de ir à Bolsa
Em um século, a Lupo saiu de uma pequena tecelagem com duas máquinas de costura na casa do fundador Henrique Lupo, na cidade de Araraquara (SP), para se tornar uma das maiores fabricantes de roupas do País, com receita de R$ 1,5 bilhão em 2021 e mais de 6 mil funcionários.
Neta do fundador e presidente da Lupo, Liliana Aufiero orgulha-se de que a força de trabalho da empresa é predominantemente feminina – mais de 80% dos funcionários da Lupo são mulheres. Por isso, a companhia criou uma creche em 1988 para garantir a amamentação das crianças de até 6 meses, além de dar orientações pedagógicas e ajudar no desenvolvimento de crianças até os dois anos e meio.
Para além de Araraquara, a empresa também tem outras duas fábricas localizadas fora das capitais – uma no Ceará e outra na Bahia. Para os próximos anos, a empresa quer aumentar tanto a sua presença no varejo físico – a meta é alcançar as 975 lojas até dezembro, com a abertura de mais 160 unidades até o fim do ano.
Desta maneira, a empresa quer abrir caminho para uma estreia na Bolsa de Valores. A vontade, segundo Liliana, era que isso já tivesse acontecido, porém o momento complicado do mercado não ajudou no planejamento. “O ‘quando’ é muito difícil de estimar agora pois as janelas, como são chamadas as oportunidades na Bolsa, não estão abertas nesse momento”, diz.
Varejista do interior, Grupo Mateus só agora pensa nas capitais
O empresário Ilson Mateus é um ex-garimpeiro que viu a oportunidade de abrir uma mercearia na cidade de Balsas (MA), conhecida por ser uma grande produtora de soja. No início, Mateus vendia cachaça e produtos diversos para a cidade que começava a crescer, mas logo observou uma grande oportunidade: comprar a prazo dos distribuidores e vender à vista para uma região que sentia os primeiros efeitos da expansão trazida pelo agronegócio.
O resultado disso foi o surgimento do Grupo Mateus, empresa que faturou R$ 15,9 bilhões no ano passado e 218 lojas espalhadas pelas regiões Norte e Nordeste. O detalhe principal, no entanto, é que toda essa expansão da companhia foi realizada em cidades do interior, estratégia que foi mantida desde a sua fundação.
Somente neste ano a empresa abriu a sua primeira loja em uma capital (Aracaju), e agora planeja mais duas para Maceió. A atual missão do fundador é se consolidar como o maior grupo do varejo nas regiões do Norte e do Nordeste. Os olhos do mercado estão voltados à companhia: em 2020, fez a segunda maior abertura de capital daquele ano na B3, levantando cerca de R$ 4 bilhões.
Tenho me desdobrado junto à nossa cúpula, trabalhado muito e enxugando as empresas porque nós acreditamos que vamos dar bons resultados”.
Ilson Mateus, presidente do Grupo Mateus
De acordo com Mateus, a empresa segue cumprindo cada linha do plano de seu prospecto de IPO. “Tenho me desdobrado junto à nossa cúpula, trabalhado muito e enxugando as empresas porque nós acreditamos que vamos dar bons resultados”, diz Mateus, que planeja entregar 50 novas lojas até o fim de 2022.
Do arroz ao 5G, Algar virou referência em Uberlândia
A história do começo da Algar remete à Primeira Guerra Mundial, quando Alexandrino Garcia deixou Portugal rumo ao Brasil e conseguiu um emprego na construção de uma ferrovia. Após algum tempo, o projeto foi interrompido em Uberlândia (MG), e Garcia acabou se estabelecendo por lá. Com veia empreendedora, fazia de tudo um pouco, mas viu uma oportunidade de negócio no beneficiamento do arroz. Junto aos irmãos, ia em seu caminhão a São Paulo para vender produtos agrícolas.
O negócio deu certo, mas Garcia não se deu por satisfeito. Já perto dos 50 anos, começou a expandir sua empresa para novas áreas, até que, em 1954, entrou para o ramo de telecomunicações. Após negociações com empresas de telefonia, Garcia estendeu uma ligação telefônica de Ribeirão Preto a Uberlândia –um trajeto de cerca de 350 km.
Ali, começava a nascer a Algar Telecom, que hoje fornece serviços de telefonia e internet. Nos últimos quatro anos, o faturamento da divisão de telecomunicações subiu 230%, chegando a R$ 3,3 bilhões em 2021.
Além do agronegócio e das telecomunicações, o terceiro pilar da Algar começou a surgir na década de 1970, para diversificar negócios enquanto enfrentava pressões de estatização de seus serviços de telefonia. Foi quando o turismo se apresentou como uma oportunidade. Hoje, uma das verticais da empresa é chamada Aviva, controladora da Pousada do Rio Quente. Cada empresa tem sua diretoria independente e hoje o neto do fundador ocupa o cargo de presidente do conselho da Grupo Algar.
A decisão de ficar em Uberlândia foi uma escolha pessoal do fundador. Mas, hoje, mais de 60% dos negócios são gerados fora da nossa área de abrangência inicial.”
Luiz Alexandre Garcia, presidente do conselho do Grupo Algar
“A decisão de ficar em Uberlândia foi uma escolha pessoal do fundador. Mas, hoje, mais de 60% dos negócios são gerados fora da nossa área de abrangência inicial”, afirma Luiz Alexandre Garcia, presidente do conselho do Grupo Algar. Ao longo de sua história, a empresa se beneficiou da formação de talentos na Universidade Federal de Uberlândia. Portanto, ele diz não ter encontrado dificuldades para ter mão de obra qualificada mesmo estando fora do eixo Rio-SP.