terça-feira, 5 de abril de 2022

O Incor e a USP resistem, mas até quando?, OESP

 

Charles Mady

Médico e professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP

Incor —Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo— serve à sociedade há 45 anos, dentro do possível, de forma exemplar. Apesar das dificuldades políticas e econômicas, manteve alto nível acadêmico graças a seus recursos humanos, com invejável espírito institucional. É um grande patrimônio moral. Em certas ocasiões esse espírito se abalou; houve descrédito e desesperança, mas a formação institucional sólida manteve a excelência do serviço.

Nasceu desacreditado, pois julgavam que se tratava de um empreendimento muito grande para uma só especialidade. Sob o comando de Euryclides de Jesus Zerbini e Luiz Venère Decourt, catedráticos da USP e fundadores do Incor, fez-se um trabalho de construção universitária único em nossa história. Reuniram recursos humanos de alto padrão —no início, por problemas econômicos, em número limitado. Críticos nos chamaram de "Instituto do Pericárdio", que é a membrana que reveste o coração, pois não teríamos condições de tratar o restante. Como visionários, e conscientes da coisa pública, colocaram o projeto como objetivo de vida. Essa cultura era presente nos alunos e professores da USP. Receberam a formação profissional e, sobretudo, humana, sem as quais não teriam realizado o projeto.

Cirurgiões em ação no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress
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Esses professores criaram uma fundação para obter os fundos necessários. Era a única forma de levar o Incor adiante. Houve problemas sérios, todos resolvidos de forma legal e construtiva. O toque de genialidade foi um organograma de alto padrão, multiprofissional, com responsabilidades para cada grupo desenvolver as atividades exigidas pela USP e pelo Hospital das Clínicas (HC). Havia talentos em todos os setores. O Incor nasceu e cresceu graças à qualidade de seus recursos humanos. Atingimos resultados excelentes. O ser humano, não equipamentos de última geração, foi o fator determinante do sucesso.

Os selos USP e HC foram essenciais para o bom resultado. Sem essa mentalidade acadêmica, provavelmente o resultado seria outro. É o exemplo do que uma universidade pública pode realizar. Não adianta apenas o poder econômico, hoje cada vez mais infiltrado na saúde e na educação. A credibilidade leva tempo para surgir e não tem preço. Apesar do sucateamento que criminosamente nos atingiu, esse perfil nos manteve em pé.

Mas interesses privados se infiltram cada vez mais nas universidades públicas, criando conflitos de interesses. Empresas privadas disputam profissionais titulados, pois sabem que tipo de retorno terão. Essa mudança de cultura é perigosa para a sobrevivência das academias. A evasão de cérebros para o exterior complica ainda mais essa situação maligna. Para onde caminhamos? Qual o tempo que os estrelados terão para se dedicar à vida acadêmica?

A USP resiste, mas por quanto tempo? Mudanças de critérios de escolha, além de regras rígidas de desempenho profissional, devem ser seriamente discutidas. A evasão de cérebros tende a se agravar. Até quando? É o privado utilizando o público para o sucesso de suas empresas. Que dão estas de retorno à população? A pandemia mostrou o quanto o SUS é importante para o povo. O HC, mesmo pobre, deu exemplo de eficiência pelo trabalho dedicado de profissionais institucionais.

Empresas privadas tiveram lucros históricos com a tempestade perfeita criada pelo vírus e pelos políticos. Estes representam o que há de pior na sociedade, como demonstraram na crise. Seus perfis são histórica e culturalmente corruptos. Mas nada aprenderam. O preço pago pela sociedade, imenso, incalculável, continua a ser cobrado. Temo que o espírito institucional universitário também se perca com o tempo.

Já a USP e outras universidades públicas mostraram sua força com a quantidade e qualidade de informações científicas divulgadas. Os resultados são impressionantes. Cito o Incor: em 1978 e 1979, tivemos três publicações em revistas científicas internacionais. Em 2021 foram 617, aumentando ano a ano. Isso ilustra a cultura que a USP tenta incutir. Apesar de tudo, mantém a excelência.

Até quando? Temo que a erosão desses princípios abale o patrimônio intelectual que é a USP e também seus pares, e toda a estrutura de saúde e educação que representam sofra prejuízos irreversíveis.


Toyota anuncia fechamento de fábrica histórica, que já produziu o jipe Bandeirante, OESP

 Cleide Silva, O Estado de S.Paulo

05 de abril de 2022 | 16h18

Toyota do Brasil anunciou na tarde de desta terça-ceira, 5, que vai fechar sua fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e transferir as operações para as unidades de Sorocaba, Indaiatuba e Porto Feliz, no interior de São Paulo.

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Bandeirante no Salão 1962 Jornal do Carro - Off Road; veículo era produzido pela Toyota do Brasil Foto: Divulgação

A planta mais antiga do grupo – e a primeira da montadora fora do Japão – foi inaugurada em 1962 para a produção do icônico jipe Bandeirante, modelo que ficou em linha por quase 40 anos. Hoje produz componentes para veículos das outras unidades brasileiras e para exportação à Argentina e Estados Unidos.

Dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC dizem que foram pegos de surpresa com uma carta enviada pela Toyota. Foram então para os portões da fábrica conversar com os 550 trabalhadores. Hoje ocorre assembleia para definir ações na tentativa de reverter a decisão. 

O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, também foi informado da mudança desta terça-feira e lamentou o fato. Ele afirma que vai procurar o presidente da montadora no Brasil, Rafael Chang, para tentar convencer o grupo a permanecer na cidade. No fim de 2019 o município perdeu a fábrica da Ford e no local está sendo construído um centro de logística.

A Toyota informa que a mudança será feita de forma gradual a partir de dezembro, com conclusão prevista para novembro de 2023. Os funcionários que quiserem poderão ser transferidos para as outras unidades do grupo. Ao final do processo a área será vendida.

Segundo a Toyota, a transferência visa maior sinergia entre suas unidades produtivas e faz parte de um plano de busca por mais competitividade frente aos desafios do mercado brasileiro e da sustentabilidade dos negócios no País, além de responder às rápidas mudanças do ambiente externo.

A empresa afirma que testou diversas possibilidades, no entanto a mais viável foi o fechamento. “A transferência é necessária para aumentar nossa competitividade; concentrando a produção em três plantas otimizaremos a infraestrutura, mantendo níveis de produção e de mão de obra”, assinala.

CENTRO DE PESQUISA

Após a inauguração das outras fábricas da marca em Indaiatuba (1998), Sorocaba (2012) e a de motores em Porto Feliz (2016) houve especulações sobre o destino da unidade do ABC, mas o grupo sempre afirmava que ela seria mantida.

Há cinco anos, a Toyota instalou no local seu o primeiro Centro de Pesquisa Aplicada na América Latina. Só havia estruturas desse tipo no Japão, EUA, Europa e Tailândia.

O objetivo era realizar, sem depender da matriz, modificações nos carros fabricados no País, criar edições especiais, avaliar novos materiais e, no futuro, talvez até desenvolver carros para a região, conforme diziam executivos na época.

Pouco antes, a empresa havia transferido sua sede administrativa de São Paulo para o ABC, de onde foi de novo transferida para Sorocaba, em 2020. Nos últimos anos foram investidos R$ 2 bilhões nas outras fábricas, além de mais R$ 50 milhões anunciados na semana passada para a renovação do Corolla, feito em Indaiatuba.

Dirigentes do sindicato afirmam que a decisão é injustificável porque, nas últimas negociações, a Toyota afirmava ter projetos para a planta.

Hélio Schwartsman Desumanidade dos Bolsonaros é hereditária?, FSP

 Em 2016, o então deputado Jair Bolsonaro "dedicou" seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao coronel Brilhante Ustra, militar que torturou a ex-presidente nos tempos em que ela era presa política. Quando a gente achava que ninguém poderia superar Bolsonaro nos quesitos desumanidade e torpeza moral, eis que Eduardo Bolsonaro, no que parece ser uma tentativa de desbancar o pai, ironizou a tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão. Por que Eduardo Bolsonaro é assim? Serão os genes? A educação que recebeu?

Durante muito tempo, a esquerda combateu a noção de que genes têm papel importante no comportamento das pessoas. Admitir esse vínculo enfraqueceria a ideia de que a sociedade pode aprimorar o ser humano. Nos últimos anos, porém, ela começou a aceitar melhor nossa natureza biológica.

Para resumir décadas de pesquisa em poucas palavras, genes importam, manifestando-se em características como inteligência, empatia, atitudes econômicas, políticas, propensão ao uso de drogas, à violência etc. Eles raramente têm efeitos determinísticos. São quase sempre probabilísticos, em conjunção com o ambiente em que o indivíduo se desenvolve.

Há várias formas de aferir o papel dos genes e do ambiente. Uma das mais populares são os estudos envolvendo gêmeos. Um trabalho que se vale dessa técnica assinado por Martin Melchers e associados mostrou que entre 52% e 57% da empatia afetiva, isto é, da capacidade de identificar-se com a dor alheia, é hereditária. O restante, de 48% a 43%, vem da educação que a pessoa recebe e do que os cientistas chamam de ambiente não compartilhado, que inclui desde particularidades do desenvolvimento intrauterino até as forças do acaso.

A sina de Eduardo Bolsonaro é que ele não só herdou 50% dos genes do pai como também foi educado e influenciado por essa figura. Seria quase um milagre se, com tamanha carga, fosse capaz de demonstrar empatia.