terça-feira, 12 de outubro de 2021

Ronaldo Lemos Qual é a promessa das criptomoedas? -FSP

 Quem andava desanimado com as cotações das criptomoedas pode comemorar. Na sexta-feira (8), o preço de um bitcoin chegou a R$ 300 mil, um ether, a R$ 20 mil, e um hathor, criptomoeda brasileira, chegou a R$ 4. Claro que a alta do dólar ajudou nessa valorização no Brasil, mas o principal impulso foi global.


Muita gente olha para as criptomoedas e enxerga um potencial esquema de pirâmide em que os tubarões antigos devoram as sardinhas recém-chegadas.

Várias partes do mercado são isso mesmo. No entanto, a promessa das criptomoedas é mais ambiciosa, especialmente por conta do conceito de DeFi, que significa “finanças descentralizadas”.

Trata-se de pensar a infraestrutura dos serviços financeiros de uma forma que não dependa de agentes centralizados, ao menos no início.

Logos das criptomoedas Bitcoin, Ether, Litecoin e Monero em caixa eletrônico em Zurique - Arnd Wiegmann - 25.jun.2021/Reuters

Uma boa analogia é pensar no que aconteceu nos anos 1990 com os serviços de voz sobre protocolo de internet (VoiP). Naquela época, os serviços de telecomunicações eram prestados por empresas que controlavam vastos segmentos da infraestrutura que utilizavam. A chegada do VoiP mudou tudo.

Empresa minúsculas, que não detinham nenhuma infraestrutura, podiam de repente oferecer serviços de voz semelhantes aos da telefonia. Para isso, elas usavam a internet, infraestrutura aberta e descentralizada. Em vez da voz seguir por canais já existentes, seguia por múltiplas infraestruturas diferentes. Para o usuário final a diferença era pouca e, surpreendentemente, a qualidade da ligação podia ser até melhor.

A reação ao VoiP foi violenta. Entidades governamentais rapidamente se mobilizaram para tentar coibir a prática. Houve empresas fechadas e até pessoas processadas por prestação ilegal de telecomunicações. No entanto, progressivamente, as próprias empresas de telefonia foram assimilando a internet. Hoje, muitas chamadas de voz feitas pelas próprias empresas de telecomunicação usam mais a internet do que infraestruturas típicas da década de 1990.

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Com as finanças algo similar acontece. O dinheiro está se tornando cada vez mais um conteúdo. Criptomoedas e blockchains são uma infraestrutura parecida com a internet: abertas, descentralizadas e ninguém precisa de permissão para utilizá-las. Conseguem armazenar valor sem intermediários, na forma de informação consensual e auditável universalmente.

A promessa do DeFi é justamente que uma de duas coisas pode acontecer: essas novas tecnologias serão assimiladas pelo próprio sistema financeiro, como a internet acabou sendo pelas empresas de telecomunicação. Ou, se isso não acontecer, um caminho se abrirá para uma série de novas empresas financeiras que serão mais competitivas justamente por usarem essa nova tecnologia, tornando o que existe hoje tão antiquado quanto as redes dos anos 1990.

É difícil saber se essa promessa irá se concretizar. Mas há sinais da junção das finanças com cripto em vários lugares. Bancos centrais emitindo suas próprias moedas digitais. Parcerias entre bandeiras de cartão de crédito e blockchains. E até um relatório de um grande banco de investimento que aponta que hoje há mais de 200 milhões de usuários de cripto e que no final da década haverá ao menos 1 bilhão. Quem viver verá.

Já era Finanças tradicionais avessas às criptomoedas

Já é Incertezas regulatórias relacionadas a criptomoedas

Já vem Modelos híbridos de finanças tradicionais e criptomoedas

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Rio São Francisco vira 'salvador da Pátria' contra crise hídrica e energética, OESP

 André Borges, O Estado de S.Paulo

11 de outubro de 2021 | 15h30

BRASÍLIA – Mesmo castigado pela constante degradação ambiental, ocupações irregulares de suas margens e anos sucessivos de seca, o Rio São Francisco sobrevive e, hoje, é um dos principais aliados do País no enfrentamento da escassez hídrica e no combate ao risco de racionamento de energia.

Neste mês de outubro e em novembro, boa parte da energia que vai alimentar o Brasil e que ajudará a aliviar a situação drástica encarada nos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, principalmente na Bacia do Rio Paraná, vai sair das águas do Velho Chico. Seu maior reservatório, o de Sobradinho, na Bahia, que cinco anos atrás agonizava com apenas 3% da água que é capaz de armazenar, hoje está com 38% do volume total. Por isso, a ordem agora é fazer uso de boa parte dessa água e ampliar a vazão rio abaixo.

No início deste mês, a estatal Chesf, da Eletrobras, acatou a determinação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para abrir as torneiras do São Francisco. Sobradinho, com seus 4.200 quilômetros quadrados, é o maior reservatório do Brasil em área alagada. Em volume, pode acumular 28 bilhões de metros cúbicos de água, só ficando atrás da capacidade de Serra da Mesa, na Bacia do Rio Tocantins, que tem uma calha mais profunda e chega a armazenar 43,2 bilhões de m³ de água. Serra da Mesa está com 23% de sua capacidade total.

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Na semana passada, o volume de água que passa pela barragem de Sobradinho foi elevado de 1.300 m³ por segundo para 1.600 m³/s. A tendência é de que esse volume aumente ao longo de outubro e novembro e que chegue a 2.500 m³/s, conforme as necessidades determinadas pelo setor elétrico.

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Maior reservatório do Rio São Francisco, o de Sobradinho, na Bahia, hoje está com 38% do volume total Foto: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM - 04/08/2019

A barragem de Sobradinho funciona como uma “caixa d’água” do Rio São Francisco, porque alimenta uma sucessão de hidrelétricas instaladas no curso do rio, como as usinas de Luiz Gonzaga, o complexo de Paulo Afonso e de Xingó, a última em operação, até que o São Francisco vá bater no meio do mar.

Assim como fez com Sobradinho, o ONS determinou o aumento de vazão da hidrelétrica de Xingó no mesmo período. Como a geração de energia é distribuída por um sistema de transmissão interligado em todo o País – com exceção do Estado de Roraima –, é possível enviar energia de uma área para outra, como forma de tentar equilibrar o abastecimento nacional.

Questionado sobre o assunto, o ONS confirmou que , com a elevação da geração nas usinas da bacia do São Francisco, pretende cumprir as medidas previstas pela Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG), grupo ligado ao Ministério de Minas e Energia que tem avaliado o cenário e as ações em relação à crise hídrica e energética.

“Essa medida excepcional se torna viável pela melhor condição de armazenamento nesta bacia em relação à situação da bacia do rio Paraná e, também, assegura melhores níveis de armazenamento nos reservatórios localizados em outras bacias, como a dos rios Grande e Paranaíba”, declarou o ONS.

Na prática, é a região Nordeste, portanto, historicamente reconhecida pelas agruras da seca, que tem protagonizado o enfrentamento da pior época sem chuvas dos últimos 91 anos, em especial na Bacia do Rio Paraná. “Os recursos energéticos da região Nordeste, no período seco de 2021, têm sido fundamentais até a chegada do período chuvoso”, informou o Operador.

Cinco anos atrás, a agonia do São Francisco atingia um nível mínimo inédito, o que exigiu o desligamento de diversas usinas que dependem de suas águas para funcionar. A navegação também foi afetada e houve problemas com falta de abastecimento humano. A situação de calamidade levou à liberação máxima de apenas 700 metros cúbicos de água por segundo, a partir de suas comportas, menos da metade do volume atualmente liberado. Foi a pior situação desde 1979, quando os militares fecharam a barragem no rio para formar o maior lago artificial do Brasil e um dos maiores do mundo.

“No passado, quando a região Nordeste estava com baixos níveis de armazenamento, o Sistema Interligado Nacional possibilitou socorrer a bacia do rio São Francisco”, declarou o ONS. “Hoje a situação no Nordeste é bem mais favorável, permitindo auxiliar as demais regiões do país.”

Além da geração hidrelétrica, o Nordeste tem sido o protagonista na geração nacional de energia, com a participação crescente das gerações eólica e fotovoltaica, que têm batido recordes de desempenho.

Mathias Alencastro -Angola vive o fim de sua perestroika, FSP

 Nos anos Bolsonaro, o debate sobre Angola no Brasil se resume às querelas missionárias animadas pelos bispos evangélicos da base governista. Mas o país, fundamental para a diplomacia brasileira em tempos normais, tem conhecido importantes transformações.

A chegada de João Lourenço ao poder em 2017 foi vivida como uma inesperada ruptura com os anos de autoritarismo e obscenidade financeira do interminável regime de José Eduardo dos Santos. Para a surpresa de todos, Lourenço, membro do MPLA, mesmo partido que o de seu predecessor, encampou uma agenda de abertura política e tomou medidas espetaculares, como a prisão de membros da família Dos Santos e a reorganização da estatal petrolífera Sonangol.

O presidente de Angola, João Lourenço, na Assembleia-Geral da ONU em Nova York - Timothy A. Clary/Pool via Reuters

Mas o conto da perestroika angolana era um mito criado pelo MPLA, mestre na arte de adaptar a narrativa nacional às expectativas da comunidade internacional para se eternizar no comando do país. A despeito dos avanços concretos em termos de governança, as medidas anticorrupção parecem ter sido calibradas para enfraquecer os oligarcas ligados ao ex-presidente Santos e consolidar o novo projeto de poder.

A implementação do plano de reformas acertado com o FMI é celebrada como um modelo de competência tecnocrática. Mas a economia real está em frangalhos. O fim do ciclo de ouro da indústria petrolífera dissipou a ilusão de um petroestado desenvolvimentista que pairava sobre o país.

A infraestrutura está decadente, os serviços públicos desmoronaram, a fome cresce nas regiões rurais e a população urbana vive no marasmo de um modelo econômico em via de extinção.

Ninguém esperava que o novo governo transformasse de ponta-cabeça, em anos de pandemia, um país refém de dogmas soviéticos e oligarquias góticas. Mas o período deixou claro que a reconversão econômica é incompatível com a ausência de alternância política. Lançada oficialmente na semana passada, a Frente Patriótica Unida representa o maior avanço da construção democrática angolana desde 2002.

O vento de mudança deixou a ala mais reacionária do MPLA desesperada. Os quadros mais autoritários da era Dos Santos regressaram ao jogo político, e o partido voltou a manifestar seus piores reflexos.

Logo depois da criação da Frente Patriótica Unida, o Tribunal Constitucional, capturado por membros do MPLA, abriu uma ofensiva legal para deslegitimar o principal líder da oposição, Adalberto Costa Júnior. Por enquanto, Lourenço parece resistir, mas a pressão do MPLA pelo fechamento do regime deve aumentar nos próximos meses.

Nesse cenário, as eleições presidenciais agendadas para outubro de 2022 podem ser um teste importante para o Brasil na África.

A inesperada alternância de poder na Zâmbia criou esperança na África austral, atormentada pelo impasse autoritário no Zimbábue, o colapso social na África do Sul e o desastre militar em Moçambique. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, em 1975. Ele deve estar preparado para, quando chegar a hora, se posicionar novamente do lado do progresso democrático.