terça-feira, 20 de julho de 2021

Orçamento sem controle: Congresso usa ‘emenda cheque em branco’ para direcionar R$ 2 bilhões. OESP

 Lorenna Rodrigues e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

20 de julho de 2021 | 15h37
Atualizado 20 de julho de 2021 | 21h26

BRASÍLIA – Depois de o governo dividir verbas públicas entre seus aliados por meio do orçamento secreto, sem critérios mínimos de transparência, parlamentares de vários partidos têm utilizado uma outra modalidade nebulosa de repasses, para enviar dinheiro a prefeituras e governos estaduais, também criada no governo Bolsonaro.

Trata-se de uma espécie de “emenda cheque em branco”, pela qual deputados e senadores podem transferir recursos, desta vez de suas emendas individuais, sem que os beneficiários justifiquem ou apresentem qualquer tipo de projeto para mostrar em que, afinal, o valor será aplicado. Basta a prefeitos e governadores indicarem uma conta bancária para receber o dinheiro. Para especialistas, esse tipo de emenda pode aumentar a corrupção e o mau uso do dinheiro público.

Neste ano, 393 parlamentares utilizaram a chamada transferência especial para enviar R$ 1,916 bilhão em emendas a Estados e municípios, de um total de 513 deputados e 81 senadores. No orçamento de 2020, apenas 137 deputados e senadores lançaram mão das transferências para repassar R$ 621 milhões, valor que mais do que triplicou neste ano. Os dados foram compilados pelo Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) e repassados ao Estadão/Broadcast com exclusividade.

Congresso Nacional
Congresso Nacional, em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão

Apelidadas de “emenda cheque em branco” e de “Pix orçamentário”, devido à facilidade com que o dinheiro chega até os beneficiários, as transferências especiais foram criadas em 2019, com a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Esse tipo de repasse transfere recursos das emendas individuais, a qual cada parlamentar tem direito, mas de uma forma “menos burocrática”. A ideia era criar uma maneira mais rápida de fazer as verbas chegarem na ponta, para situações excepcionais. A exceção, no entanto, tem virado regra.

Nas “emendas cheque em branco”, o repasse do recurso é feito diretamente no caixa dos governos estaduais e municipais, pulando etapas necessárias para outros tipos de emendas parlamentares, como a verificação técnica de contratos entre prefeitura e governo federal e a prestação de contas para órgãos como Tribunal de Contas da União (TCU) e Caixa.

A fiscalização caberá aos procuradores e tribunais de contas locais, mas há dúvida sobre a efetividade do pente-fino, já que, ao receber o recurso, o prefeito ou o governador não é obrigado a dizer para o governo federal onde gastará.

“A principal característica da transferência especial é que ela não tem um objeto definido para utilização. É um recurso que simplesmente é depositado na conta do beneficiário (um município ou Estado). Não passa por nenhum crivo de análise técnica”, explica o diretor do Inop, Renatho Melo.

O esquema da “emenda cheque em branco” não é o único criado no governo Jair Bolsonaro que permitiu ao Congresso operar bilhões de reais do Orçamento da União sem qualquer transparência. Como revelou o Estadão, políticos passaram a utilizar uma nova modalidade de emenda, chamada RP9, de autoria do relator-geral do Orçamento para direcionar o dinheiro público para seus redutos eleitorais sem que suas digitais aparecessem. Somente do Ministério do Desenvolvimento Regional foram R$ 3 bilhões liberados para um grupo de aliados do governo sem qualquer critério técnico ou transparência. O Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal (STF) foram instados a analisar a legalidade dessa operação. 

No orçamento de 2021, cada senador e deputado tem cerca de R$ 16 milhões em emendas individuais, que podem ser transferidas para obras e outras ações em suas bases. Metade desse valor tem que ser repassado para a área da saúde. O restante pode ser enviado por transferências com finalidade definida e, desde o ano passado, pelas transferências especiais (o cheque em branco).

O diretor do Inop explica que a principal diferença é que as transferências tradicionais têm que seguir um processo mais transparente. Nas transferências com finalidade definida, o parlamentar indica o ministério e o programa para o qual o recurso será utilizado – por exemplo, Ministério do Desenvolvimento Regional, programa de infraestrutura urbana. Em seguida, o beneficiário, Estado ou prefeitura tem que apresentar uma série de documentos para receber o recurso, o que inclui o objeto do programa em que o dinheiro será utilizado, sua justificativa e o plano de trabalho a ser seguido. “Tem toda uma etapa técnica”, explica Melo.

Já na transferência especial, o parlamentar indica a cidade ou unidade da federação que receberá os valores e, então, o prefeito ou governador apresenta a agência bancária onde será depositado o dinheiro. Por isso o nome “emenda cheque em branco”. “O beneficiário não diz para que será aplicado o recurso”, completa o diretor. Como a maioria das prefeituras e governo não dão transparências para os gastos públicos o acompanhamento do que foi feito com essa verba se torna quase impossível.

Até agora, os parlamentares já indicaram a transferência de R$ 133,9 milhões para governos estaduais e R$ 1,782 milhões para prefeituras. Com o atraso na aprovação do Orçamento neste ano, que só se deu no fim de abril, os valores ainda não foram pagos. Já foram empenhados R$ 1,034 bilhão, o que significa que o dinheiro já está “reservado” para a transferência. Até o fim de julho, os beneficiários têm que indicar a conta para receber a “emenda cheque em branco” e o pagamento deve começar a ocorrer nas próximas semanas.

Os Estados que receberam mais recursos, considerando governos estaduais e municipais, foram Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Bahia e Ceará. Com as indicações, 2.759 municípios serão brasileiros serão contemplados com essa modalidade de transferência. Do total, 93,4% foram destinados para investimentos, como obras e compras de máquinas, e o restante para custeio, com o pagamento de despesas com combustíveis ou aluguel.

O diretor do Inop, Renatho Melo, ressalta que o Ministério Público Federal já fez alertas sobre a falta de transparência desse tipo de transferência e vai fiscalizar a utilização do dinheiro. “Os gestores precisam tomar cuidado na aplicação dos recursos. O prefeito ou governador tem que entender que, em algum momento, poderá cobrada dele uma transparência parecida com a transferência definida”, avisa.

Congresso se movimenta para ampliar emenda de bancada

Além de repassar a “emenda cheque em branco”, o Congresso se movimenta para ampliar o modelo para as emendas de bancada, formadas pelo conjunto de parlamentares de um mesmo Estado. O Legislativo aprovou na semana passada a ampliação na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 para as bancadas. Além de o modelo ser questionado, a Constituição prevê esse mecanismo apenas para as emendas individuais.

“Será que o preço de melhorar a agilidade e diminuir a burocracia nas transferências da União para Estados e municípios é abrir mão de transparência e controle? Tentar que a saída para a demora seja a criação do Pix orçamentário pode nos custar caro”, afirmou o assessor de orçamento do Congresso Nacional e analista do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) Romero Arruda, para quem o modelo abre brecha para corrupção.

A mesma manobra foi feita na LDO de 2021. A proposta de transferência direta para as bancadas foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado e o impasse foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que julga uma ação questionando a possibilidade de os grupos estaduais no Congresso abocanharem esse repasse. Na semana passada, o governo enviou um novo projeto para barrar o cheque em branco para as bancadas, mas a proposta deve ser rejeitada.

Na prática, ampliar o modelo para as bancadas aumentaria ainda mais os valores nos próximos anos. Se essa ampliação estivesse em vigor neste ano, por exemplo, o volume do “cheque em branco” poderia chegar a R$ 12 bilhões neste ano.

ENTENDA 

Qual a diferença entre o orçamento secreto e o cheque em branco?

No orçamento secreto, parlamentares definem o destino de verbas federais por meio das emendas de um relator-geral. Esses pagamentos foram usados pelo governo Bolsonaro para negociar apoio político no Congresso. Em 2020, elas somaram R$ 20 bilhões e, neste ano, chegaram a R$ 16,9 bilhões. Já nas emendas “cheque em branco”, os recursos repassados são de emendas individuais, ou seja, aquelas indicadas por cada deputado e senador no Orçamento. Neste caso, o dinheiro é livre para o prefeito ou o governo usar em qualquer área. Além disso, é repassado mais rapidamente do que as outras emendas. Essas “transferências especiais” totalizaram R$ 621 milhões no ano passado e R$ 1,9 bilhão em 2021. 

Quando as emendas do cheque em branco entraram em vigor?

No fim de 2019, foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) criou as transferências especiais, uma nova modalidade pela qual deputados e senadores podem enviar recursos para prefeituras e governos estaduais.

Esse ‘cheque em branco’ já foi usado pelo Congresso? 

Levantamento aponta que 66% dos parlamentares já usaram o recurso da transferência especial. Em 2021, cada senador e deputado tem cerca de R$ 16 milhões em emendas individuais a serem repassadas para ações em suas bases

Como essas transferências funcionavam antes?

Antes, era possível fazer transferência dos recursos das emendas individuais apenas com  finalidade definida. Nestes caso, o parlamentar indica o ministério e o programa para o qual o recurso será utilizado. Além de apontar o beneficiário, Estado ou prefeitura, tem que apresentar documentos para receber o recurso, como justificativa e plano de trabalho a ser seguido.

E como funciona com a transferência especial?

Com a nova regra em vigor, desde o ano passado o parlamentar precisa indicar apenas a cidade ou unidade da federação que receberá os valores. Então, basta o prefeito ou governador apresenta a agência bancária onde será depositado o dinheiro, sem detalhar a destinação da verba. Para especialistas, essa modalidade é menos transparente e pode estimular a corrupção.


Como o dispositivo Pegasus conseguiu 'entrar' em celulares de políticos e jornalistas, OESP

 Redação, O Estado de S.Paulo

18 de julho de 2021 | 19h53
Atualizado 20 de julho de 2021 | 18h58

O sistema Pegasus, um spyware de uso militar licenciado por uma empresa privada de Israel a governos para rastrear terroristas e criminosos, foi usado em ao menos 10 países para espionar 37 celulares pertencentes a jornalistas, ativistas de direitos humanos e executivos de todo o mundo. Entenda como funciona o programa.

O que é o “spyware”? 

Spyware é um termo genérico para uma categoria de software malicioso, ou malware, que coleta informações do computador, telefone ou outro dispositivo. O spyware pode ser relativamente simples, aproveitando as vulnerabilidades de segurança conhecidas para invadir equipamentos protegidos. Alguns, porém, são muito sofisticados, contando com falhas de software que podem permitir que alguém entre até mesmo nos smartphones mais novos. 

Espionagem
Ativistas, jornalistas e políticos foram alvo de espionagem por meio de programa Pegasus, usado para rastrear terroristas e criminosos Foto: Sajjad HUSSAIN / AFP

Como o spyware entra nos celulares?

As primeiras versões do Pegasus exigiam que o usuário clicasse em algum link para que o programa fosse instalado. Com o tempo, o spyware passou a se aproveitar de falhas no desenho de softwares comuns, como o WhatsApp ou o iMessage, para invadir o aparelho. Nos casos mais recentes, não era necessário nem um contato direto via chamada telefônica ou mensagem para que isso ocorresse. A invasão era remota, feita diretamente no aplicativo com falhas. 

Quem usa o dispositivo?

O spyware mais sofisticado é geralmente usado por agências de inteligência e há um mercado privado para fornecer essas ferramentas a nações que podem pagá-las, incluindo os EUA.

O que o “spyware” pode coletar?

Quase tudo em um dispositivo é vulnerável. Muitas pessoas estão familiarizadas com a escuta telefônica tradicional, que permite o monitoramento em tempo real das chamadas, mas o spyware pode fazer isso e muito mais. Ele pode coletar e-mails, publicações em mídias sociais, registros de chamadas e até mesmo mensagens em aplicativos de bate-papo criptografados como WhatsApp ou Signal. O spyware pode determinar a localização de um usuário, juntamente com se a pessoa está parada ou em movimento - e em que direção.

Por que a criptografia não impede isso?

O que é conhecido como “criptografia ponta a ponta” protege a transmissão de dados entre dispositivos. É útil para impedir ataques em que um hacker intercepta uma mensagem entre o remetente e o destinatário. Essas formas de criptografia foram muito adotadas em serviços comerciais após revelações de Edward Snowden sobre a Agência de Segurança Nacional dos EUA, em 2013. Com o “spyware”, a mensagem criptografada chega ao dispositivo pretendido e o sistema executa um programa para decodificá-la e torná-la legível. Quando isso acontece, o spyware também pode lê-la. / W. POST


Oposição a Aras quer procurador-geral independente e “não como espectador”, FSP

 Frederico Vasconcelos

Eleitos pelos pares em lista tríplice, em junho último, os subprocuradores-gerais da República Luiza Frischeisen, Mario Bonsaglia e Nicolao Dino criticaram a indicação, pelo presidente Jair Bolsonaro, do procurador-geral da República, Augusto Aras, para um segundo mandato.

Aras driblou a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e foi escolhido por Bolsonaro, em 2019, para suceder a Raquel Dodge. O presidente deverá ignorar a votação pela segunda vez.

“A missão primeira do Ministério Público é a defesa do Estado Democrático e o seu cumprimento exige independência em cada uma das nossas esferas de atuação, que se faz por atuação e não como espectador”, afirma Frischeisen.

Mais votada (com 647 votos), ela diz que o MPF quer a escolha pela lista tríplice.

“A lista foi formada em 2021. Será formada em 2023. Agora cabe ao Senado, a sabatina, a votação em plenário. Ao Congresso, a análise de PEC para que tenhamos a lista tríplice na Constituição Federal”, afirma.

Bonsaglia (636 votos) diz que “a recondução de Aras não surpreende, cabendo ainda ao Senado deliberar a respeito”.

“O MPF é essencial ao sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição, cabendo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos humanos.”

“Uma coisa é certa: a luta dos membros do MPF pela lista tríplice para PGR continuará. Não é uma questão corporativa. Interessa a toda a sociedade um MP independente, como diz a Constituição”, afirma Bonsaglia.

Dino (587 votos) diz que “a escolha do PGR fora da lista não é compatível com o grau de independência que a sociedade almeja, para o bom exercício da função”.

“É urgente que esse tema seja revisto pelo Congresso Nacional, a fim de que seja constitucionalizada a lista tríplice, pelo fortalecimento do Estado Democrático de Direito.”

Em nota pública, a ANPR sustenta que “o não atendimento da lista enfraquece o anseio pela independência do Ministério Público Federal e fragiliza a posição da instituição no exercício de seu papel”.

Eis a íntegra da manifestação:

NOTA PÚBLICA DA ANPR

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) lamenta que a lista tríplice, formada em eleição realizada em 22 de junho, não tenha sido observada e reafirma sua posição institucional em defesa desse modelo para a escolha do Procurador-Geral da República (PGR), nos moldes que se aplicam aos demais Ministérios Públicos no Brasil.

A formação da lista tríplice assegura transparência a um processo que culmina com a escolha política exercida pelo Presidente da República e um juízo de controle e ratificação pelo Senado, tudo resultando na independência que deve observar o PGR no exercício de suas funções junto ao Supremo Tribunal Federal e no modelo de controle do qual também faz parte o Ministério Público Federal (MPF).

O não atendimento da lista enfraquece o anseio pela independência do MPF e fragiliza a posição da instituição no exercício de seu papel. A recusa na adoção de uma prática consolidada pelos chefes do Poder Executivo entre 2003 e 2017 representa a quebra de um procedimento que está perfeitamente alinhado à Constituição e ao desejo da sociedade brasileira por um Ministério Público combativo e comprometido com a ordem jurídica e com a democracia.

A ANPR reitera que continuará a lutar, no Congresso Nacional, pela inclusão na Constituição Federal da previsão da lista tríplice também para o cargo de Procurador-Geral da República, buscando o diálogo com a sociedade para a compreensão da necessidade do instrumento.

Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República