O governo de São Paulo propõe renovar por 20 anos a concessão da Comgás, maior distribuidora de gás encanado do país, controlada pelo grupo Cosan. A concessão vence em 2029, mas o governo defende que a renovação antecipada garante mais investimentos na rede e melhora a conta de gás.
A proposta será discutida em audiência pública da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos de São Paulo) no próximo dia 19 e vem sendo questionada no mercado, que vê impactos negativos no setor de gás e sobre o consumidor paulista.
Entidade que reúne grandes consumidores de energia, a Abrace pediu à Arsesp que estenda o prazo em ao menos seis meses para debater o tema. "Não se vislumbra situação de urgência a ensejar a necessidade de se imprimir celeridade na análise", diz.
O pedido de prorrogação foi apresentado pela própria Comgás e é visto pelo governo João Doria (PSDB) como mais vantajoso do que uma nova licitação para escolher um concessionário ao fim do prazo do contrato ou de uma prorrogação mais perto do vencimento.
O governo alega que a empresa já realizou todos os investimentos estabelecidos em contrato e, sem a renovação, gastaria apenas R$ 360 milhões entre 2024 e 2029. A prorrogação do contrato cria novas metas, que demandariam R$ 4,1 bilhões no período.
Em nota, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado diz que a companhia terá que ampliar a rede para atender 14 novos municípios em sua área de concessão, beneficiando 625 mil consumidores.
Responsável pela região metropolitana de São Paulo, a Comgás foi concedida em 1999 a British Gas e Shell por R$ 1,65 bilhão (o equivalente hoje a R$ 6,3 bilhões), um ágio de 120% sobre o preço mínimo do leilão. Em 2012, a Cosan comprou a parte da British Gas pelo equivalente a R$ 5,6 bilhões.
Hoje, o conglomerado do empresário Rubens Ometto tem 99,14% das ações da empresa, por meio da Compass, empresa do grupo que atua nos setores de gás e energia. A Comgás terminou o primeiro trimestre com 2,1 milhões de clientes e lucro de R$ 499 milhões.
O governo defende que a proposta de renovação do contrato prevê a renúncia, pela empresa, de R$ 1,5 bilhão que seriam repassados à conta de gás no ciclo tarifário que se inicia em 2024 por erros no cálculo das tarifas na última revisão e pela troca do IGP-M pelo IPCA como indexador do reajuste de 2021.
A mudança no índice foi negociada pelo governo do estado para aliviar a pressão sobre a tarifa, já impulsionada por reajuste de 39% promovido pela Petrobras no preço do gás natural e pela escalada do dólar, que impacta os custos de transporte do combustível.
Com o IGP-M, índice de inflação com maior impacto da taxa de câmbio, o reajuste médio na tarifa da Comgás seria de 34%, diz o governo estadual. Com o IPCA, ficou em 10%. O novo contrato prevê esse último índice como indexador das tarifas pelos próximos 20 anos.
A data dos reajustes será alterada de maio para dezembro, para reduzir os impactos no consumidor em um período de aumento de consumo durante o inverno.
Entre os investimentos obrigatórios, estão a construção de 15,4 mil quilômetros de rede de distribuição, expandindo o atendimento a ao menos 134 municípios, e a interligação com as outras duas concessionárias de gás do estado, a Naturgy e a GasBrasiliano.
Essa última cláusula é um dos alvos de questionamentos no mercado, pois poderia representar a saída de São Paulo da malha de transporte de gás do país, que hoje é responsável por essa interconexão. Sem as tarifas pagas pelas distribuidoras do estado, a tendência é de alta no valor repartido pelo resto do país.
A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente diz não ver esse efeito. "Não há interesse em 'ilhar' o estado, mas permitir às demais distribuidoras e consumidores paulistas o acesso ao gás mais competitivo proveniente da Baixada Santista", afirma.
Grandes consumidores de energia argumentam ainda que o contrato apresentado pelo governo mantém a estrutura tarifária da concessionária, desconsiderando questionamentos a respeito de ganhos a mais no último ciclo tarifário, tema que vem sendo debatido na Arsesp.
Em pareceres divulgados em março, a área técnica da agência reconhece erros no cálculo que gerariam compensações tanto em favor da empresa quanto em favor dos consumidores. A primeira parcela está contemplada na proposta de renovação.
Do R$ 1,5 bilhão que a concessionária renunciará, R$ 600 milhões referem-se a valores que a concessionária teria direito após revisão de cálculos passados. O governo defende que a avaliação dos grandes clientes é equivocada e a renovação beneficiará os usuários.
A Abrace diz que não é possível calcular ainda o valor da renúncia, já que o crédito é objeto de recurso administrativo em análise na Arsesp, "sendo incerta sua real dimensão, razão pela qual a renúncia ao crédito não poderia ser incluída na minuta proposta".
A entidade defende também que o prazo da audiência pública é insuficiente para análise dos "mais de 50 documentos técnicos" que embasam a proposta.
"Apesar da relevância do tema e dos impactos jurídicos e econômicos associados, o prazo para oferecimento de contribuições é de 20 dias, o que praticamente inviabiliza a apresentação de contribuições devidamente fundamentadas", afirma.