sexta-feira, 9 de julho de 2021

Velhacos, nossos e alheios, Ruy Castro, FSP

 


Todos os dias, políticos, governantes e empresários são flagrados em alguma sujeira e tachados de irresponsáveis, corruptos, venais ou coisa pior. Um ou outro, isoladamente, pode chamar seu acusador a se explicar, mas nenhuma dessas categorias tem audácia ou esprit de corps suficiente para reagir em bloco contra a imprecação. Quando, digamos, Jair Bolsonaro e seus filhos são chamados de assaltantes dos cofres públicos pela prática da rachadinha, os políticos não se juntam para emitir uma nota ameaçando a democracia. Aliás, nem os próprios aliados deles os defendem —não são suicidas.

Mas, se um general de escrivaninha é declarado suspeito de algum malfeito e isso é confirmado por uma série de testemunhas, o azedume corre os quartéis. Se essas suspeitas atingem também alguns coronéis e tenentes-coronéis de suas relações, os militares espumam, falam em desrespeito às instituições e insinuam que vão mandar lubrificar o canhão. E por que, ao contrário das outras categorias, fazem isso? Porque eles têm o lubrificante —e o canhão.

Os militares se julgam diferentes de nós, os paisanos. E são mesmo. A farda lhes dá imunidades e privilégios com que nem sonhamos. Eles têm, por exemplo, seus próprios e generosos planos de carreira, saúde e previdência e até a capacidade de se administrar leniente Justiça. Sua autossuficiência só não é total porque dependem de nós, os paisanos, para sustentá-los com nossos impostos.

Por se verem tão acima de si mesmos, os militares não deveriam rebaixar-se a privar com determinados políticos, negociantes, contrabandistas, atravessadores, reverendos, cabos da polícia e outros espécimes típicos do governo Bolsonaro, muito menos em negócios envolvendo milhões de dólares e vidas.

Se privam, deixam de ser diferentes e arriscam-se a serem tratados por nós com a mesma sem-cerimônia com que nos referimos aos nossos velhacos.

1932, Por Lincoln Secco , Carta Maior

 

Combatentes da 'Revolução' de 1932 (Acervo/Ricardo Della Rosa)

Créditos da foto: Combatentes da 'Revolução' de 1932 (Acervo/Ricardo Della Rosa)

 
O ano de 1932 foi do Código Eleitoral e do voto feminino; dos manifestos Integralista e dos Pioneiros da Educação Nova; de mudanças na legislação trabalhista e recomposição de partidos políticos. O país estava convulsionado pela queda do arranjo oligárquico da Primeira República e pela derrota da autodenominada “Revolução Constitucionalista” de 9 de julho.

Apesar da derrota militar, o nome do levante paulista se impôs como uma vitória memorialística. Como recorda Francisco Quartim de Moares no seu livro 1932: a história invertida (Editora Anita Garibaldi, 2020) a Assembleia Constituinte já tinha sido convocada por Getúlio Vargas antes do nove de julho. Nem mesmo a exigência de um interventor civil e paulista era verdadeira, já que o interventor Pedro de Toledo foi exatamente o que as elites paulistas desejavam. Tanto é que no início do movimento sedicioso ele se tornou governador por aclamação.

Durante décadas o levante paulista foi reivindicado como um sacrifício heroico em defesa da democracia, do mérito, dos contratos, da eficiência, da raça bandeirante, das ideias liberais e outros valores que se lhe agregaram posteriormente. Com base nos relatos dos participantes é possível perceber que aqueles atributos não tem nenhuma vigência na realidade histórica, embora componham uma disputa bem sucedida pela memória. O mito da Guerra Cívica se prolongou no tempo, mesmo entre aqueles que nunca leram uma linha acerca dela.

Ela foi mais celebrada do que conhecida. Em muitas cidades de São Paulo a memória de 1932 se ergueu em museus com listas de combatentes e artefatos, como o famoso capacete de aço. Em alguns casos a memória de soldados paulistas da Força Expedicionária Brasileira também é misturada com a de 1932.

Não por acaso, foram os dois únicos conflitos bélicos reais, com dois lados em combate, que envolveram as Forças Armadas depois da Guerra do Paraguai. No mais, elas só participaram de massacres de civis, como Canudos, Contestado ou Volta Redonda; de torturas e assassinatos de presos políticos, indígenas e populações marginalizadas em regimes ditatoriais, como o Estado Novo e a Ditadura Militar de 1964; de golpes de Estado; intervenções em favelas e outras ações em que não havia uma situação que justificasse algum estado de beligerância.

A página mais importante de nossa História militar provocou escaramuças e manobras inteligentes da Coluna Prestes, mas interna corporis foi apagada pelo anticomunismo do partido militar. Em 1932 houve uma guerra, ainda que de baixas proporções comparativamente à coetânea Guerra do Chaco, conflito armado entre a Bolívia e o Paraguai que se estendeu de 1932 a 1935.

A elite de 1932 soube fazer uma contrarrevolução sem negar oficialmente os valores iniciais de 1930. Recusou-os na prática, mas também assumiu formas pragmáticas de acomodação. Ao longo do tempo, fez a apropriação indébita de duas bandeiras que não lhe cabiam: a crítica da corrupção e a do autoritarismo. Aquela identificada com o Partido Republicano Paulista e o regime de 1889 a 1930; e ambas com o trabalhismo.

Pouco importa que a elite paulista comandara a República Velha e que o PRP fosse uma das forças do levante de 1932. Aquelas duas “ideias força” são permanências de longa duração e ainda hoje são mobilizadas pelo discurso hegemônico nos meios de comunicação, agora espalhado por outras regiões do país.

Sua opção pelas armas não deixou de ser eficaz para negociar em melhores termos. A vitória do Governo Provisório só afastou o setor mais ideológico da elite paulista. No exterior os liberais conservadores curtiram seu exílio. Mas a classe dominante como um todo foi poupada e reintegrada. Foi este fato que permitiu perpetuar no tempo a memória da derrota militar como vitória política.

Isso foi possível mediante o afastamento do fenômeno tenentista com seus arroubos de classe média radicalizada. Como disse Góes Monteiro, "a Revolução Paulista trouxe esta consequência boa: restabeleceu a disciplina no Exército, que estava, realmente, ao sabor das conveniências de alguns elementos agitadores e exploradores da farda”. Obviamente, ele não diria que outros exploradores da farda exerceram depois o mesmo papel. O Partido Militar que se reestabeleceria depois de 1932 erigiu a disciplina como ideologia e não enquanto prática. Aliás, a maioria dos oficiais brasileiros só conhece uma ordem de marcha: “Direita, volver!”.

Lincoln Secco é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP)

vCorregedor nacional orientou procuradora sobre como atuar contra promotor que a investigava, fsp

 Italo Nogueira

RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO

O corregedor nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima, orientou a ex-procuradora-geral de Justiça da Bahia Ediene Lousado, investigada na Operação Faroeste, sobre a possibilidade de o órgão abrir uma apuração contra um promotor que atuava no caso.

As informações constam em denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que acusa Ediene de ter praticado os crimes de advocacia administrativa e violação de sigilo funcional e também de ter integrado organização criminosa.

Sua defesa sempre negou que ela tivesse cometido irregularidades.

Ediene Lousado, ex-procuradora-geral de Justiça da Bahia
Ediene Lousado, ex-procuradora-geral de Justiça da Bahia - Divulgação/MP-BA

Em nota, a Corregedoria Nacional do Ministério Público afirmou que "desconhecia completamente a existência de eventual investigação de qualquer tipo envolvendo a referida promotora, tendo tomado conhecimento somente em dezembro de 2020 quando foi afastada cautelarmente de suas funções". O órgão disse ainda que "seguiu os trâmites previstos no Regimento Interno do CNMP".

Segundo a denúncia, assinada pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, Ediene atuou para favorecer pessoas investigadas em apurações relacionados ao suposto esquema, inclusive repassando dados sobre interceptações telefônicas.

Principal operação sobre venda de decisões judiciais do país, a Faroeste se ramificou em investigações que envolvem outros Poderes além do Judiciário e ajudou a desmontar um suposto esquema que envolvia empresários, advogados e agentes públicos que operavam para interessados.

Ediene foi alvo de busca e apreensão no ano passado, no âmbito da Faroeste, já depois de deixar o cargo de procuradora-geral de Justiça da Bahia. Ela também foi afastada do Ministério Público. A denúncia é recheada de conversas que ela teve em aplicativos de mensagens.

Segundo a Procuradoria, a partir dessas conversas "percebe-se que Ediene Lousado possuía duas preocupações centrais: o avanço da Operação Faroeste e o monitoramento da atividade funcional do Promotor de Justiça João Paulo Schoucair, cedido para atuar como membro auxiliar do procurador-geral da República nos casos envolvendo ações penais originárias no Superior Tribunal de Justiça".

Em uma conversa com outro procurador, Ediene disse que estava acompanhando de perto o trabalho de Schoucair e que queria saber o que ele "está colocando nessa investigação contra mim”.

“Quero ir ao STJ. Quero me blindar", disse também ao colega, em conversa interpretada pelo Ministério Público Federal como tentativa de interferência na investigação.

Em outra ocasião, a procuradora de Justiça afastada faz relatos sobre uma representação apresentada junto ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra Schoucair, assinada por uma pessoa fictícia. A procuradora queria que o promotor fosse investigado com base nesse documento. A denúncia da PGR não informa qual o teor dessa representação.

Mas, como a representação era assinada por uma pessoa que não tinha identidade e endereços válidos, ela seria arquivada pela Corregedoria Naciona, órgão do CNMP. Ediene procura, então, o corregedor Rinaldo Reis, para achar meios de uma apuração ser aberta.

Ela questiona ao corregedor, segundo as capturas de tela apresentadas na denúncia, se a Corregedoria Nacional apuraria o fato se ele saísse na imprensa. Informa que estaria sendo ameaçada.

Rinaldo responde: "Sim. Melhora bastante [se sair na imprensa]. Mas não apareça nisso de jeito nenhum!!!".

Procurado pela Folha, Rinaldo confirmou que foi procurado por Ediene para saber informações sobre uma representação protocolada na Corregedoria. Ele afirmou que informou à colega as falhas na documentação.

"Ela veio me dizer algo que estava ocorrendo na Bahia que ninguém apurava. Disse a ela que se alguém representasse, eu apurava. Depois, ela me perguntou sobre a representação. Disse que havia um problema de documentação", disse o corregedor.

Ele disse que o caso —sobre o qual declarou não se lembrar detalhes— foi arquivado em razão das falhas. "Em nenhum momento o procedimento-padrão do CNMP deixou de ser observado", afirmou Rinaldo.

O corregedor afirmou não considerar errado caso a procuradora afastada tenha usado o nome de outra pessoa para fazer a representação.

"Qualquer pessoa que saiba de qualquer infração disciplinar pode ligar para a Corregedoria, falar com o corregedor. Às vezes ela não quer aparecer, pergunta como fazer uma denúncia anônima. Eu instauro diversas investigações em notícias que saem em jornais, blogs, televisão", disse ele.

Ele também discordou da interpretação dada pela PGR de que a atuação da Corregedoria poderia "perturbar e impedir a produção de provas". "Pelo que me lembre, o assunto não era nada que geraria uma punição grave, apenas uma advertência", declarou.

Rinaldo afirmou ainda que orientou Ediene a não se vincular à denúncia, caso o assunto fosse levado à imprensa, para não prejudicá-la na tentativa de obter uma cadeira no CNMP. À época, o nome dela estava em discussão no Senado.

"Ediene estava num momento em que seria sabatinada no Senado. Disse a ela que não seria bom ela aparecer como alguém que estava denunciando um colega. Como uma candidata que precisa do apoio da classe, apareça como alguém que faz representação disciplinar contra um colega", disse.

O corregedor afirmou que não sabia que a procuradora era alvo de investigação no momento em que eles trocaram mensagens.

Também procurado, o advogado de Ediene Lousado, Milton Jordão, afirma que a defesa ainda não tomou conhecimento do teor da denúncia, que está sob sigilo, e não se manifestará.

A denúncia da PGR também afirma que a ex-procuradora-geral de Justiça atuou para blindar investigados da Operação Faroeste, como o ex-secretário de Segurança Pública da Bahia Maurício Barbosa, a desembargadora afastada Maria do Socorro Barreto Santiago e o empresário Adailton Maturino, conhecido como “falso cônsul”.

Eles também foram denunciados pela PGR, sob outras acusações. A defesa de todos sempre negou que tenham cometido qualquer irregularidade.

Ano passado, Ediene ficou conhecida pela relação com Carlos Rodeiro, o "joalheiro das celebridades", também investigado na Faroeste.

Rodeiro foi alvo de busca e apreensão sob suspeita de que suas joias eram um meio de lavar dinheiro do suposto esquema de venda de sentenças e também de que subornava autoridades.

Em seu celular, os investigadores encontraram diversas conversas com Ediene Lousado. Ela entregou, em uma viagem para Brasília, um colar de Rodeiro de presente para a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Para a investigação, foi montada uma “sistemática que aparenta possível tentativa de cooptação da máxima autoridade do Ministério Público brasileiro, responsável, em última instância, pelo desfecho da Operação Faroeste”.

“Raquel amou o presente! Depois te mando as fotos”, disse Lousado antes de enviar uma imagem com Dodge usando o colar. Depois, Lousado pede a Rodeiro que lhe faça uma transferência bancária porque estava “precisando muito”.

Rodeiro sempre negou irregularidades. Disse no começo do ano à reportagem que Ediene é “uma amiga muito querida”. Ele também confirmou que presenteia artistas, celebridades e personalidades com suas joias, mas destaca que não se tratam de joias de valor e servem para divulgar seu trabalho.