Em 1872, Francisco Otaviano, jornalista, político e diplomata, publicou um livro de versos. Um dos poemas dizia: “Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu/ Quem não sentiu o frio da desgraça/ Quem passou pela vida e não sofreu/ Foi espectro de homem, não foi homem/ Só passou pela vida, não viveu”. Bastou aquilo para consagrá-lo —a qualquer lugar que fosse alguém se punha de pé, alçava a fronte e declamava o poema. Os presentes deliravam. Otaviano é que, depois de algum tempo, não suportava mais ouvi-lo. Mas tinha de ficar firme.
O mesmo com Juscelino Kubitschek. Já presidente, uma reles ponte ou torneira que inaugurasse era precedida de uma banda militar tocando a ciranda “Peixe Vivo” —“Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria...”. Como inaugurava cinco obras por dia, ouvir a cantiga se tornou um suplício. Mas JK armava seu melhor sorriso e todos achavam que ele a adorava.
Louis Armstrong idem. A toda cidade que chegasse, em qualquer país, era recebido no aeroporto por uma furiosa bandinha tocando “When The Saints Go Marchin’ In”. Era preciso muita coragem para alguém tocar trompete diante de Satchmo. Talvez por isso, saturado, ele tenha resistido a gravar “When The Saints”, o que só fez em 1954.
E Adolf Hitler? Diante dele, seus liderados tinham de bater os tacões, esticar o braço e gritar “Heil Hitler!”. Em resposta, com nítida impaciência, Adolf só mostrava a palma da mão. Devia urrar contra si próprio por ter instituído aquela saudação.
Jair Bolsonaro é diferente. A qualquer grota que chegue, inclusive o cercadinho no Alvorada, grupos ainda ululam “Mito! Mito!”. E ele acredita nisso. Tem de acreditar. Com sua máscara de honesto caindo diante de sérias acusações que o revelam como corrupto, precisa aproveitar cada minuto na Presidência. Ninguém o chamará de “Mito! Mito!” na cadeia.