terça-feira, 9 de março de 2021

Com selo sustentável, Danone espera conquistar consumidor consciente, OESP

 Renée Pereira, O Estado de S.Paulo

09 de março de 2021 | 05h00

De olho no avanço de consumidores cada vez mais conscientes e engajados, que querem saber a origem dos produtos que consomem, a Danone Brasil decidiu investir pesado em projetos de sustentabilidade, inclusão social e governança corporativa. Os planos envolvem toda a cadeia de fornecedores (leiteira e de água), inovação e criação de produtos e medidas de combate a mudanças climáticas – nesse último caso, as ações obedecem um plano global de 2 bilhões de euros de investimentos em três anos.

O pacote de projetos rendeu a Danone o certificado B – um selo dado a companhias que adotam medidas mais inclusivas, equitativas e regenerativas. O conceito foi criado em 2006, nos Estados Unidos, com o objetivo de redefinir a noção de sucesso de uma empresa, deixando de olhar apenas o êxito financeiro, mas também a postura em relação ao bem estar da sociedade e do planeta. Hoje o Brasil tem 202 empresas B, a maioria de médio e pequeno porte. Entre as grandes corporações está a Natura e, agora, a Danone Brasil.

Maurício Camara
Camara acredita no aumento do volume de vendas. Foto: Silvia Costanti/Valor/Globo

“Nos últimos três anos, passamos por um amplo processo de auditoria conduzido pela B Lab (organização que faz todo o processo de certificação), que tinha o objetivo de entender nossa relação com a sociedade e com o meio ambiente. A certificação é uma validação de tudo isso”, diz o presidente da Danone Brasil, Maurício Camara. Ele espera que essa certificação, que coincide com o boom dos ESG (environmental, social and corporate governance), traga uma conexão maior com esse novo consumidor que busca “marcas sérias e com propósitos” e eleve o volume de vendas.

Num primeiro momento, a empresa deve adotar algumas estratégias para chegar até a esse público por meio de divulgações internas e redes sociais. Numa próxima etapa, a companhia pretende considerar em seus processos de inovação a inclusão do selo nas embalagens, que devem seguir alguns parâmetros definidos.

“Mas, além do reflexo no consumo, há um benefício financeiro sobre o custo do crédito e de captação, que tende a ficar mais barato para empresas sustentáveis”, diz Camara. Na avaliação dele, nessas companhias, o nível de risco é menor – uma vez que há maior transparência em toda a operação e nos números da empresa – e o retorno para o acionista tende a ser maior.

Pandemia

Nos últimos meses, a empresa teve de passar por grandes transformações por causa da covid-19. Com o isolamento social no primeiro semestre do ano passado, houve uma mudança expressiva no perfil de consumo da população, que afetou as vendas da empresa. O chamado consumo de rua e de academia, despencou. As vendas para restaurantes e hotéis praticamente zeraram. Por outro lado, com mais gente dentro de casa, a aquisição de produtos em embalagens maiores aumentou.

No segundo semestre, com a reabertura do comércio, as vendas voltaram. O auxílio emergencial ajudou bastante na retomada, diz Camara. “Essa renda ajudou a evitar uma queda maior e acabamos crescendo 3% no ano.” Para 2021, apesar das as incertezas, a expectativa é de crescimento de 5%.

Camara conta que desde o ano passado, os funcionários do escritório estão em home office. Mas a presença na empresa não está vetada. Quem quiser pode ir ao escritório, obedecendo uma taxa de ocupação de 15%. Para ele, dificilmente os espaços usados pelas empresas serão como antes. “Hoje o escritório está ocioso. É um espaço que precisa ser repensado”, destaca o executivo.


Lula de volta desvia o foco na pior hora da pandemia e do próprio Bolsonaro, OESP

 Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

09 de março de 2021 | 03h00

Tudo já caminhava para a anulação das condenações e o resgate da elegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para 2022, mas o ministro Edson Fachin arranjou um atalho e chegou direto lá. E justamente no dia em que o presidente Jair Bolsonaro reclamou, enigmático, que “alguns estão se excedendo”. Ganha Lula, de volta ao palanque, ganha Bolsonaro, com o pretexto e o desvio do foco na pandemia, e ganha, enfim, a polarização que tantos prejuízos causa ao País. 

“Eu quero paz, tranquilidade, democracia, respeito às instituições, mas... alguns estão se excedendo”, disse Bolsonaro depois de falar no “meu Exército” e horas antes da decisão monocrática de Fachin. Referia-se a outras questões, como lockdown e toque de recolher na pandemia, e a ameaça velada era a outros atores, como governadores e prefeitos. Mas a decisão de Fachin pode servir de pretexto... 

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Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em São Bernardo do Campo, na Grande SP Foto: REUTERS/Amanda Perobelli (15/11/2020)

Indiretamente, isso remete à “advertência” do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, na véspera de uma decisão do mesmo Supremo sobre a prisão do mesmo Lula. Mas com uma diferença: em 2018, Lula era forte e o objetivo era tirá-lo do páreo para a Presidência; para 2022, o Planalto considera Lula o melhor adversário para Bolsonaro. 

Logo, se o Comando do Exército liberou seu comandante e sua conta no Twitter para tentar impedir a soltura e a candidatura de Lula há três anos, hoje, ao contrário, há uma dissimulada comemoração no governo do capitão e dos generais. “O melhor oponente do presidente é o Lula! Sem estresse”, reagiu uma das chamadas “altas fontes” do governo ontem. 

O processo em curso no Supremo começou com a liberação, para a defesa de Lula, dos diálogos dos procuradores da Lava Jato de Curitiba com o então juiz Sérgio Moro. Foi o start para, depois, declarar a suspeição de Moro e anular as condenações de Lula – primeiro pelo triplex do Guarujá, pelo qual ele foi preso, e depois pelo sítio de Atibaia, pelo qual foi condenado em duas instâncias. O gran finale seria a elegibilidade para 2022. 

O preço, porém, sairia caríssimo: a anulação em cascata das condenações e prisões dos demais implicados e até dos R$ 4 bilhões devolvidos por corruptos de diversas estirpes aos cofres públicos. Fachin facilitou as coisas, logo ele que une duas personas aparentemente inconciliáveis: uma tem vínculo de alma com o ex-presidente Lula, outra tem sido voto certo pró-Lava Jato. Assim, sua decisão beneficia Lula, mas tenta preservar a Lava Jato. 

Após anos, Fachin decidiu que, como os processos de Lula não envolviam só a Petrobrás e não tinham a ver com Lava Jato, não eram de competência da 13.ª Vara de Curitiba e, sim, da Justiça Federal no DF. Pronto. Tudo que se refere a Lula volta à estaca zero, mas o STF não precisa, por “perda de objeto”, decretar a suspeição de Moro – que seria a morte da Lava Jato. A dúvida é se Gilmar Mendes vai deixar por isso mesmo. 

Para além das formalidades e atalhos jurídicos – que ainda têm muito chão, já que a decisão de Fachin foi monocrática –, o efeito mais explosivo é político. Com Lula, a eleição de 2022 é uma. Sem ele, é outra. Se Bolsonaro é absurdo e perigoso na pandemia e em tudo, ainda conta com firmes seguidores e com a alta rejeição a Lula para repetir 2018: ruim comigo, pior com ele! Ontem, teve duas vitórias: a pandemia em segundo plano e as Bolsas em queda por ojeriza a Lula. 

Resta saber, agora, se o PT e as esquerdas vão finalmente cobrir o inacreditável vácuo de oposição e se o tal centro, tão difuso, desconjuntado, tem como cavar algum espaço entre Lula e Bolsonaro. Fachin bagunçou o coreto eleitoral, bem na hora mais dramática da pandemia e do próprio Bolsonaro. Lula e Bolsonaro agradecem penhoradamente. 

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA


segunda-feira, 8 de março de 2021

Decisão jurídica de Fachin é simples, mas resta saber por que foi tomada agora, FSP

 Rubens Glezer

Professor da FGV Direito SP e coordenador do Supremo em Pauta

Por mais complexa que seja a elegibilidade de Lula sob a perspectiva política, a decisão que anulou as condenações do petista na Operação Lava Jato é bastante simples do ponto de vista jurídico.

Essa ambiguidade é central para entender a perplexidade que ela promove. Ela não realiza nenhum juízo sobre Lula ser culpado ou inocente, sobre a imparcialidade ou parcialidade de Sergio Moro ou sobre a presença ou ausência de provas no processo. Trata-se de algo muito mais objetivo. O argumento é que Lula só poderia ser julgado pela Lava Jato de Curitiba se suas ações tivessem alguma relação direta com o que era investigado pela Lava Jato.

Esse é um pilar essencial do Estado democrático de Direito: ninguém pode escolher o juiz que lhe julgará e nenhum juiz pode escolher quem quer julgar. Na linguagem jurídica, essa orientação é chamada de “princípio do juiz natural”. É um mecanismo para coibir tanto a corrupção de juízes quanto a perseguição por parte dos magistrados. Como regra, as ações são julgadas por processos aleatórios de sorteio e distribuição.

Esse processo de distribuição pode ser ignorado no caso de ações judiciais profundamente conectadas entre si. Seria o caso de um juiz que pode reunir sob seu julgamento as ações de diferentes condôminos contra um determinado ato de um mesmo condomínio. É o caso de um juiz que pode reunir sob si todos os casos que envolvam a corrupção realizada de forma sistemática, por uma série de agentes, em uma determinada estatal.

Era exatamente esse o caso da Lava jato de Curitiba. Após um processo inicial de indefinição, estabilizou-se que a Lava Jato investigava o esquema de corrupção envolvendo construtoras e a Petrobras.

Foi em 2015 que o ministro Teori Zavascki, inegável aliado da operação, determinou que a força-tarefa de Curitiba não poderia investigar a corrupção da Eletronuclear, por respeito ao princípio do juiz natural. Na época, a medida foi chamada de “fatiamento” da Lava Jato, mas era uma organização muito simples de limites que qualquer investigação tem que obedecer. Desde então foi fixado claramente que a Lava Jato de Curitiba não poderia investigar e nem julgar fatos ou pessoas que não tivessem um vínculo direto claramente demonstrado de envolvimento com a corrupção da Petrobras para favorecimento de determinadas empreiteiras em contratos de obra pública.

É por esse motivo que a decisão é simples do ponto de vista jurídico. Foi aplicada uma orientação de 2015. Sem a demonstração ou indício de conexão clara e direta de Lula com a corrupção da Petrobras, ele não poderia ter sido processado e julgado por Curitiba. No entanto, a perplexidade, tanto para defensores quanto críticos da medida, resta em compreender por que essa decisão foi tomada agora.

De um lado, se a nulidade do processo é tão simples e evidente, como justificar que Lula tenha sido impedido de participar das eleições de 2018 por um processo claramente viciado? De outro, se a nulidade é realmente tão simples e evidente, como explicar que a investigação, processamento e condenação de Lula tenham sido chancelados por diversas esferas do Judiciário? Há insatisfação tanto à esquerda quanto à direita.

Não é possível entender as decisões envolvendo Lula sem contextualizar o impacto da Lava Jato no Judiciário como um todo. Desde 2015, o destino do Supremo Tribunal Federal esteve entrelaçado com os rumos da operação e, desse modo, com o da prisão e liberdade de Lula. Foram anos em que o próprio STF endossou teses inusitadas e heterodoxas, na maioria das vezes para reforçar as ações da operação.

Durante esse período, a Operação Lava Jato tomou uma série de decisões arriscadas da perspectiva jurídica. Medidas que demandavam longos argumentos jurídicos para defender que era possível realizar ações que até então não eram consideradas juridicamente possíveis. Uma boa parcela do Judiciário, e o próprio STF, embarcou na mesma toada. O desejo de protagonizar o combate à corrupção se demonstrou mais forte do que o respeito a limites do devido processo legal e a algumas garantias básicas.

Foi nesse momento que o Supremo Tribunal Federal criou, por exemplo, a possibilidade de suspensão cautelar de mandato de representantes eleitos, condições inusitadas de prisão de parlamentares, impedir a realização de entrevistas, proibir a indicação de ministros de Estado.

Porém, com o enfraquecimento da operação, ficou cada vez mais difícil editar ou mesmo manter esse tipo de decisão. Uma série de ações da Lava Jato passaram a ser anuladas pela aplicação simples da legislação processual, sem contorcionismos argumentativos. Os propalados golpes contra a Lava Jato pareciam muito mais um retorno a um estado de previsibilidade.

A anulação das condenações de Lula parece encerrar esse grande ciclo de imprevisibilidade e decisões inusitadas movidas pela agenda da moralização da política ou combate à corrupção. Retomar o processo em outros termos, com o desfecho que for, daria a oportunidade de que o país inicie um processo de fazer as pazes com o devido processo legal, de recuperar o pacto civilizatório de exercer o poder de punição dentro dos limites da racionalidade e fora das ânsias do desejo. No entanto, nada disso pode prosperar se não conseguirmos entender por que essa decisão só foi tomada agora.