segunda-feira, 23 de novembro de 2020

3 em cada 4 vereadores que se reelegeram perderam votos em São Paulo, Agora SP

 

SÃO PAULO

Três a cada quatro vereadores reeleitos na capital tiveram uma redução no número de votos recebidos neste ano na comparação com 2016. Ao todo, 34 parlamentares da cidade serão reconduzidos ao cargo a partir de 2021. Destes, 26 receberam votação inferior à do último pleito municipal.

Juntos, os 34 políticos reeleitos foram escolhidos por 1,229 milhão de eleitores neste ano, uma queda de 22,3% na comparação com 2016, quando esse mesmo grupo recebeu 1,582 milhão de votos. Vereadores ouvidos pela reportagem classificam que a pandemia de Covid-19 e o alto percentual de abstenções (29,29%) provocaram a diminuição de seus eleitorados.

Apesar da queda no número de eleitores, vereador Eduardo Suplicy (PT) se manteve como o candidato mais bem votado da capital - Ze Carlos Barretta - 26-mar.19/Folhapress

"Pela primeira vez, eu fiz a campanha inteiramente da minha residência, atendendo às recomendações do meu médico. Portanto, eu não pude ir às ruas para ter um diálogo com a população, como eu sempre fiz", comenta Eduardo Suplicy (PT), que, com 79 anos, é considerado grupo de risco para a Covid-19. Apesar de ter se mantido como o candidato mais votado da capital, seu eleitorado teve uma queda de 44,4%.

Vereador desde 2004, Adilson Amadeu (DEM) avalia ter sido impactado pelas abstenções. "Houve um número grande de idosos que não foram votar. E eu tenho um público antigo, idoso", afirma. Na opinião dele, dificilmente os votos são mantidos pelas gerações seguintes. "Os filhos [dos idosos] têm outra cabeça e votaram em outra pessoa."

Entre os oito parlamentares reeleitos que tiveram aumento no eleitorado está Fernando Holiday (Patriota), cuja votação cresceu 40,9%, passando de 48.055 para 67.715. Ele também enxerga as abstenções como fator de influência para a eleição deste ano, mas cita uma mudança no perfil de quem votou.

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"O eleitorado que foi às urnas é, em sua maioria, bem mais seletivo. Aparentemente são pessoas que pesquisaram mais e que buscaram mais novidades e mais representatividade", analisa. Para Holiday, sua candidatura se enquadra nesse perfil, pois considera ter um eleitorado "mais engajado" no campo político da direita.

Vereador reeleito Fernando Holiday (Patriota) teve aumento de 40,9% no número de votos na comparação com a eleição de 2016 - André Bueno - 5.set.19/ Divulgação CMSP

A cientista polícia Roseli Coelho, professora da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) acredita que as novas candidaturas "deslocaram para baixo" políticos mais tradicionais.

"Tenho impressão que a eleição em São Paulo está em parte movida pela novidade. Vejo isso na candidatura do [Guilherme] Boulos [do PSOL]. É mais do que uma identificação ideológica, é apostar em alguém que é novidade", diz a especialista.

Políticos não reeleitos criticam aumento nas candidaturas

Vereadores que não conseguiram se reeleger consideram que o aumento no número de candidaturas é um dos fatores que contribuíram para a mudança no cenário político da capital. Em 2016, 1.315 pessoas concorreram ao cargo de vereador na cidade. Neste ano, foram 2.002 - um aumento de 52,4%.

Com 13,3 mil votos, vereadora Soninha Francine (Cidadania) não conseguiu ser reeleita para novo mandato na Câmara - Fabio Braga - 10.nov.16/Folhapress

Para Soninha Francine (Cidadania), o número elevado de candidatos "dispersa demais a representatividade". A parlamentar teve uma queda de 66,7% em seu eleitorado, que passou de 40.113 para 13.338. "Eu não tenho só 13 mil eleitores. Não tem o que explique eu perder tantos votos", desabafa.

Outro fator citado pelos parlamentares é o aumento na polarização do debate político no Brasil. "O centro, centro-esquerda e centro-direita diminuíram. [Entre os eleitos] tem mais gente para o PSOL e para o lado da direita", comenta Daniel Annenberg (PSDB), que ficou como segundo suplente do partido.

"O voto que não é bem marcado de território, categoria ou bandeira intensificada se divide", acrescenta Soninha. Outros vereadores tradicionais da cidade como Mario Covas Neto (Podemos) e José Police Neto (PSD) também não conseguiram a reeleição.

"Foi uma eleição de bandeiras, da representatividade trans, LGBTQI+, das mulheres, do combate ao racismo. Vejo que a eleição municipal antecipa o movimento que pode indicar o cenário para daqui a dois anos", analisa Caio Miranda Carneiro (DEM).

Vereadores reeleitos que perderam votos

CandidatoEleição de 2016Eleição de 2020Variação
Eduardo Suplicy (PT)301.446167.552-44,42%
Eduardo Tuma (PSDB)70.27340.270-42,69%
Atilio Francisco (Republicanos)46.96135.345-24,74%
João Jorge (PSDB)42.40434.323-19,06%
Donato (PT)32.59231.920-2,06%
Rodrigo Goulart (PSD)49.36431.472-36,25%
Adilson Amadeu (DEM)67.07130.549-54,45%
Tripoli (PSDB)88.84330.495-65,68%
Jair Tatto (PT)30.98929.918-3,46%
Dra. Sandra Tadeu (DEM)34.18228.464-16,73%
Juliana Cardoso (PT)34.94928.402-18,73%
George Hato (MDB)26.10425.599-1,93%
Aurélio Nomura (PSDB)41.95425.316-39,66%
Senival Moura (PT)45.32025.311-44,15%
Alfredinho (PT)36.32425.159-30,74%
Arselino Tatto (PT)26.59625.021-5,92%
Fabio Riva (PSDB)28.04124.739-11,78%
Isac Félix (PL)25.87623.929-7,52%
Camilo Cristófaro (PSB)29.60323.431-20,85%
Ricardo Teixeira (DEM)28.51523.280-18,36%
Edir Sales (PSD)39.06223.106-40,85%
Gilberto Nascimento Jr. (PSC)30.38222.659-25,42%
Eliseu Gabriel (PSB)52.35521.122-59,66%
Dr. Milton Ferreira (Podemos)21.84920.126-7,89%
Paulo Frange (PTB)29.24217.796-39,14%
Rinaldi Digilio (PSL)20.91613.673-34,63%

Vereadores reeleitos que ganharam mais votos

CandidatoEleição de 2016Eleição de 2020Variação
Milton Leite (DEM)107.957132.71622,93%
Fernando Holiday (Patriota)48.05567.71540,91%
André Santos (Republicanos)37.39341.58411,21%
Rute Costa (PSDB)33.99941.54622,20%
Alessandro Guedes (PT)26.78031.12416,22%
Janaína Lima (Novo)19.42530.93159,23%
Celso Gianazzi* (PSOL)12.13928.535135,07%
Toninho Vespoli (PSOL)16.01226.74867,05%

* Ficou como suplente após a eleição de 2016 e assumiu mandato durante a legislatura


DEM de Milton Leite tem candidatas com verba pública calibrada mas resultado irrisório nas urnas, FSP

 Ranier Bragon

BRASÍLIA

Comandado pelo vereador Milton Leite, o DEM da cidade de São Paulo destacou-se nas eleições por números grandiosos, para o bem e para o mal.

O partido elevou em 50% sua bancada na Câmara Municipal, em comparação com 2016, teve o segundo vereador mais votado, o próprio Milton Leite, mas também abrigou sete concorrentes a vereadora que estão na lista dos dez candidatos com o voto mais caro da cidade —ou seja, aqueles que receberam considerável dinheiro público para a campanha, mas que, ao final, saíram das urnas com resultado irrisório.

Milton Leite foi o vereador que mais recursos públicos teve para sua campanha, em todo o país, de acordo com as prestações de contas feitas até agora. Ele recebeu R$ 2,4 milhões da verba eleitoral do DEM.

O sucesso que obteve nas urnas —teve quase 133 mil votos, atrás apenas de Eduardo Suplicy (PT)— contrasta com o fracasso de ao menos sete candidatas do partido que declararam até agora despesas eleitorais que vão de R$ 64 mil a R$ 284 mil, mas que não chegaram nem a 600 votos cada uma.

Dessas sete candidatas, cinco se declararam negras.

Vereador Milton Leite, que comanda o DEM na cidade de São Paulo - Facebook do parlamentar

De acordo com as regras eleitorais definidas pelo Supremo Tribunal Federal com base na legislação existente, os partidos políticos precisam destinar as verbas públicas de campanha proporcionalmente aos candidatos negros —determinação que passou a valer a partir de 2020— e às mulheres, nunca em patamar inferior a 30%.

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Em 2018, a partir de reportagens da Folha, estourou o escândalo das candidaturas laranjas, mulheres usadas pelos partidos para simular o recebimento e uso do dinheiro eleitoral que, na prática, ia para outros candidaturas masculinas ou para outros fins.

A prática pode ter ocorrido também nas atuais eleições, também conforme mostrou a Folha, já que o ranking daqueles candidatos com alta soma de dinheiro público em suas campanhas e pouquíssimos votos é formado majoritariamente por mulheres e negros, em contraste com o que ocorre se levados em conta os concorrentes de uma forma geral.

Os dados eleitorais dessa reportagem são fruto de compilação feita pelo Movimento Transparência Partidária, com base em ferramenta desenvolvida pela agência de dados Volt Data Lab.

Das sete candidatas do DEM de São Paulo com o voto mais caro das eleições, a que ocupa a primeira posição é Evelyn Chavez, que declarou despesa de campanha de R$ 284 mil de recursos públicos do DEM e obteve apenas 242 votos, ficando na 893ª colocação.

Ela é filha de imigrantes bolivianos e pautou sua campanha —cujos registros estão em suas redes sociais e em fotos de atos de campanha enviados à Folha pela assessoria de Milton Leite— com a promessa de representar a comunidade do país vizinho que vive na capital paulista.

Nos últimos 20 anos, os bolivianos têm sido, de longe, a nacionalidade mais comum dos que chegam ao Brasil: quase 57 mil deles se registraram entre 1999 e 2019, segundo levantamento feito pela Folha com dados da Polícia Federal, cerca de 20% do total de estrangeiros de todas as nacionalidades nesse período e o dobro do segundo lugar da lista, os chineses.

Folha tentou contato com Evelyn por meio do telefone informado por ela à Justiça Eleitoral, mas não obteve resposta.

Nas despesas que afirma ter feito, Evelyn listou a contratação de 69 pessoas que teriam cumprido a tarefa de realizar "atividades de militância e mobilização de rua". Seus gastos declarados incluem também a locação de quatro veículos, R$ 2.100 de consumo de combustível, R$ 30 mil para advogado e R$ 40 mil para um produtor de vídeos do YouTube, entre outros.

Por meio de sua assessoria, o vereador Milton Leite afirmou que não considera ter havido erro na estratégia de direcionamento de verba para as candidatas e que todas elas fizeram campanha.

"O Democratas foi o segundo partido com maior votação nominal na cidade de São Paulo. Portanto, todas as 62 candidaturas tiveram sua importância dentro da estratégia que proporcionou as seis cadeiras obtidas na Câmara Municipal de São Paulo, um crescimento de 50% em relação ao resultado de 2016", afirmou.

A assessoria de Milton Leite também encaminhou à Folha fotos de eventos de campanha e registros de impulsionamento de conteúdo das candidatas no Facebook.

"Desde o início, o DEM apostou em candidaturas que refletissem nossa sociedade. Por isso uma chapa tão diversa. O partido contemplou a todos de maneira equitativa, não destinou as maiores quantias de recursos apenas para os candidatos com chance de serem os puxadores de voto. Ademais, o partido disponibilizou um suporte individual aos candidatos, tanto para a campanha de rua quanto para a digital", afirmou.

Milton Leite é o principal aliado no Legislativo dos tucanos João Doria e Bruno Covas, e um dos políticos mais populares da região sul da capital paulista.

Ele ampliou sua influência por meio da canalização de centenas de milhões de reais em verbas estaduais e municipais para obras no ano eleitoral para seus redutos. Tudo amplificado pela campanha a vereador mais cara do Brasil.

Conforme mostrou reportagem da Folha do início deste mês, era improvável andar pelos diversos distritos da zona sul sem encontrar propaganda do vereador, muitas vezes perto de obras da prefeitura recém-realizadas ou em andamento.

Campanha de Milton Leite na zona sul de São Paulo - Karime Xavier / Folhapress

Uma das maiores vitrines propagandeadas por Leite foi o anúncio da duplicação da estrada do M’Boi Mirim, uma obra de DER (Departamento de Estradas de Rodagem), do governo Doria, em convênio com a prefeitura, que vai receber investimentos de R$ 446,8 milhões.

O DER está sob o guarda-chuva da Secretaria de Estado de Logística e Transporte, cujo titular é João Octaviano Machado Neto, uma indicação de Milton Leite.