sábado, 7 de novembro de 2020

Hélio Schwartsman Democracia na América, FSP

 Se fizéssemos um concurso para escolher o pior sistema eleitoral do planeta, teríamos dificuldades para projetar algum que superasse o americano. Ele é pouco republicano (os votos dos cidadãos não têm o mesmo peso), ruim de apurar e multiplica por 51 a probabilidade de resultados apertados que podem dar margem a contestações. Ainda assim, não vejo como se possa afirmar que os EUA não são uma democracia.

E isso nos leva ao tema da coluna de hoje: boas leis ajudam a criar um ambiente favorável à democracia e a outras virtudes públicas, mas é possível exercê-las mesmo se as leis não forem muito boas. Temos um justificado fetiche por protocolos e normas escritas que tanto nos facilitam a vida, mas eles são só a face mais visível da institucionalidade, que, ao fim e ao cabo, tem mais a ver com os comportamentos e atitudes adotados no mundo real do que com sua codificação.

Isso nem deveria ser uma surpresa. O Reino Unido e Israel são democracias mesmo sem dispor de uma constituição escrita. No polo oposto, a constituição soviética de 1936 era ótima no capítulo dos direitos e liberdades, o que não impediu a URSS de ser uma ditadura.

Nada disso era segredo para Tocqueville, que, em sua obra clássica, identificou nas atitudes da sociedade civil a força da democracia na América. Podemos ter visto uma demonstração disso na reação de cidadãos, empresas e instituições à tentativa de Trump de melar as apurações.

O presidente transpôs uma linha vermelha, porque até políticos aliados e órgãos de comunicação simpáticos ao magnata rejeitaram com veemência seu discurso delirante sobre fraudes. Redes de TV aberta chegaram a interromper a transmissão de sua fala. Algo parecido se deu nas redes sociais. Órgãos federais, como a FAA (agência federal de aviação) e o Serviço Secreto, em tese subordinadas a Trump, já começaram a proteção do virtual presidente eleito —sem perguntar nada para o chefe.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Da bagatela ao módico – distribuindo dinheiro público em campanhas municipais, OESP

 Lara Mesquita

05 de novembro de 2020 | 21h06

Em 10 dias iremos às urnas escolher prefeitos e vereadores para os 5.568 municípios brasileiros. Esse pleito, além da excepcionalidade de ocorrer em meio à pandemia, também é o primeiro pleito municipal em que os partidos têm a seu dispor os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A legislação é bastante flexível no que diz respeito à alocação desses recursos. É preciso respeitar um mínimo de 30% dos recursos para candidaturas femininas, e desde a recente decisão do STF, que estes sejam distribuídos proporcionalmente à diversidade racial dos candidatos de cada partido. Mas nada impede, em um exemplo hipotético, que um partido que tenha 30% de candidatas mulheres e 30% de candidatos e/ou candidatas pretos e pardos, que esse partido destine 30% dos seus recursos para uma única candidata, uma mulher negra. Nesse caso esse valor deve ser, também, inferior ao teto de gastos estabelecido em lei para o cargo em disputa.

A despeito de o valor do FEFC ser vultoso, soma a bagatela de R$2.034.954.823,96; se dividíssemos esse valor por todas as 540.618 candidaturas até o momento consideradas válidas pela justiça eleitoral, cada um receberia módicos R$3.764,13.

Refinando um pouco mais essa conta de padeiro, dividimos a parcela do FEFC que coube a cada partido pelo número de candidatos considerados “aptos” ou “cadastrados” pela justiça eleitoral em 04/11/2020. Ou seja, foram excluídos os candidatos que já tiveram suas candidaturas rejeitadas, os Inaptos.

Caso o partido Novo não tivesse abdicado dos recursos do FEFC, seus candidatos seriam os que receberiam maiores transferências nesse exercício hipotético. Cada um dos 612 candidatos receberia R$59.745,40. No outro extremo estariam os 7.612 candidatos que concorrem pelo PRTB, que receberiam apenas R$162,02. Eles seriam seguidos de perto pelos 2.711 candidatos do PMB, que receberiam, individualmente, R$454,93. Os valores per capta dessa distribuição hipotética para todos os partidos podem ser observados na figura abaixo.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE – DivulgaCandContas. Acessados em 04/11/2020.

Após rápida análise das prestações de contas eleitorais, é fácil concluir que os partidos optaram por priorizar a alocação dos recursos do FEFC nas disputas aos cargos executivos, de prefeitos. Em 24 dos 26 estados, mais de 50% dos recursos do FEFC foram transferidos para candidatos a prefeitos. Em 14 estados esse percentual corresponde a 75% ou mais. Apenas no AP e no AC candidatos a vereador receberam mais recursos do Fundo que candidatos a prefeito.

Parece razoável que os partidos privilegiem a alocação de recursos em candidaturas majoritárias: essas costumam ter uma estrutura maior que precisa ser custeada, além de ter mais condições de prestar contas adequadamente. Também é comum que candidatos a prefeito produzam materiais de “dobradinhas” com vereadores e vereadoras, e entregue os materiais já prontos para os apoiadores. Além disso, nas cidades com retransmissoras de TV, esses candidatos precisam produzir 3 peças para a TV por semana, enquanto os candidatos a vereadores, via de regra, aparecem apenas por alguns segundos durante toda a campanha, em peças produzidas pelo próprio diretório/organização partidária.

Quando a imprensa e parte da sociedade civil “acusam” os partidos de concentrarem os recursos em poucos candidatos desconsideram que esses “poucos candidatos” desempenham papel crucial no bom desempenho geral do partido, que parte desses recursos são direta ou indiretamente destinados a outros candidatos, e que quando as legendas alocam “mal” seus recursos, são prejudicadas frente a outros competidores. Partidos, assim como quaisquer outros agentes, precisam maximizar seus recursos, e distribuir recursos igualmente entre todos os candidatos está longe de se mostrar a estratégia ótima. Afinal, como esperar que um candidato a prefeito de uma grande cidade, uma capital por exemplo, faça campanha com o mesmo montante que um candidato a vereador de uma pequena cidade do interior?

Existe um debate legítimo sobre a necessidade de se adotar critérios mais transparentes para a alocação dos recursos públicos recebidos pelos partidos. Também é pertinente a discussão sobre como viabilizar espaço para novos quadros partidários, como diversificar o perfil médio de detentores de mandatos eletivos, em geral homens, brancos, com mais de 40 anos. Como quase sempre ocorre, não existe uma solução fácil nem obvia. Ainda assim, devemos fugir do discurso ingênuo e da tentativa de criminalizar as estratégias partidárias, que priorizam a alocação de recursos visando a maximizar seu sucesso eleitoral.

Funcionários administrativos da USP decidem entrar em greve sanitária, FSP

 Patrícia Pasquini

SÃO PAULO

Os funcionários dos setores técnico-administrativos da USP decidiram, na tarde desta quinta-feira (5), fazer uma greve sanitária —quando o motivo é a existência de um risco à saúde ou segurança do trabalhador presente no ambiente de trabalho— a partir do próximo dia 9. O movimento é por tempo indeterminado.

Há duas semanas e sem dialogar com o Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), que representa a categoria, a reitoria da USP decidiu mudar o Plano USP para o Retorno Gradual das Atividades Presenciais, que havia sido apresentado no final de agosto.

Por isso, parte dos 13.700 servidores deverão retornar ao trabalho presencial a partir desta sexta (6), exceto os docentes, que só voltarão aos campi em 2021.

A assembleia, realizada através de uma plataforma virtual, reuniu cerca de 200 trabalhadores, mas apenas 166 participaram das votações, segundo Reinaldo Souza, diretor do Sintusp.

Dos votantes, 120 foram favoráveis ao movimento, 11 contra e 35 se abstiveram.

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O grupo decidiu manter as atividades remotamente e, no caso de serviços essenciais —hospitais, áreas de segurança e alguns laboratórios— de forma presencial, como já vinha ocorrendo desde o início da pandemia de Covid-19.

O Sintusp pretende formar uma comissão, que envolverá professores da USP, alguns intelectuais e parlamentares, para procurar a reitoria e pedir a abertura de negociações sobre os termos do plano apresentado.

Na versão anterior do plano (apresentado no final de agosto), o retorno se dava de maneira gradual, não era compulsório —dependia de acordo entre a chefia e o funcionário—, e tinha como uma das diretrizes a manutenção do teletrabalho, quando possível.

Segundo a categoria, o plano tem problemas graves e importantes. “Não há nenhuma justificativa no retorno presencial a partir do elemento da necessidade do trabalho, porque está sendo cumprido remotamente. Como as aulas não vão voltar, a demanda de atendimento é baixa”, afirma Souza.

Outro questionamento é a categorização que a reitoria da USP fez de fatores de risco, em contradição com o que tem sido disseminado pela área médica. Para a instituição, idosos acima de 60 anos não são considerados de risco, assim como doentes crônicos.

Pelo documento, hipertensos, diabéticos e pneumopatas poderão ser convocados para a volta presencial; só serão preservados se a doença for considerada descompensada. Poderão continuar em home office os imunodeprimidos e as grávidas, se a gestação for de risco.

“Se os grupos de risco fossem preservados e o retorno pudesse ser discutido nas unidades a partir das necessidades reais do trabalho, daria para debater sem precisar de medidas como a greve sanitária”, diz Souza.

O sindicato também vai elaborar uma carta de repúdio à realização da São Paulo Boat Show. Neste ano, a feira de barcos, iates e lanchas será realizada em novembro, na Raia Olímpica da USP. O evento deverá atrair cerca de 30.000 pessoas.

“Um evento dessas proporções no atual estágio, para nós, é totalmente desproporcional e sendo dentro da USP merece a nossa manifestação contrária, embora não esteja claro ainda o quanto vai demandar de trabalho dos funcionários da universidade”, diz Souza.

O sindicato também avaliará com o departamento jurídico da entidade a possibilidade de ações judiciais sobre os itens que constam no plano, como a classificação do grupo de risco e as condições sanitárias que a reitoria diz que vai oferecer, mas não estão garantidas.

No caso dos idosos, a USP afirma que o retorno é facultativo. “Pelo plano diz que é facultativo, mas não diz que é facultativo à pessoa voltar ou não, mas a convocação. Então, a rigor, as chefias e os dirigentes podem convocar as pessoas acima de 60 anos. O principal problema é que no plano não consta que essas pessoas são parte dos fatores de risco. Eles colocam como um grupo à parte. Ao nosso entender é facultativo ao dirigente convocar”, ressalta Souza.

Um levantamento extraoficial elaborado pelo Sintusp aponta que 13 trabalhadores da USP, entre efetivos e terceirizados, já morreram em decorrência da Covid-19.

O Instituto de Psicologia e a Faculdade de Educação e a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas se manifestaram sobre o plano elaborado pela USP e a falta de diálogo por parte da reitoria.

Em resposta ao instituto, a reitoria justificou a mudança do plano alegando preocupação com a opinião pública e justiça em relação aos funcionários que seguem nas atividades presenciais.

Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, São Paulo registrou até esta quinta-feira (5) 39.717 mortes e 1.125.936 casos confirmados do novo coronavírus.

Dos óbitos, 76,5% estão concentrados em pacientes com 60 anos ou mais. As cardiopatias, o diabetes e as pneumopatias estão entre os principais fatores de risco associados à mortalidade por Covid-19 – 23.790 (59,9%), 17.197 (43,3%) e 3.296 (8,3%), respectivamente.