sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Hélio Schwartsman O que deu errado?, FSP

 Donald Trump não perdeu de lavada. O que isso diz sobre os EUA em particular e sobre o mundo em geral? Não faltavam motivos para votar contra o presidente americano. Para começo de conversa, ele é um mentiroso compulsivo que não tem o menor respeito por minorias nem pelas instituições, incluindo a própria democracia.

Como se não bastasse, sua gestão foi um fracasso frente à pandemia de Covid-19, tendo transformado os EUA num dos países mais mortíferos do planeta. A economia, que poderia ser uma razão plausível para votar em Trump, ia bem até a chegada do vírus, mas, desde então, entrou em forte recessão.

Em tempos normais, bastaria um desses fatores para arrasar qualquer tentativa de reeleição e afundar o partido que a patrocinasse. Mas não estamos em tempos normais nem lidando com um candidato normal. Trump foi um postulante competitivo, e o Partido Republicano não foi mal no pleito, sendo grandes as chances de conservar maioria no Senado e até de ampliar suas cadeiras na Câmara. Como é possível?

Uma das características da atual leva de líderes populistas é que eles parecem ter o dom de levar eleitores a desapegar-se de fatos e da ideia, tão central para a democracia, de punir governantes por maus resultados.

A pergunta relevante, então, é como um sujeito com as características de Trump, tão pouco afeitas à tradição do presidencialismo americano, conseguiu chegar à Casa Branca?

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Cada país tem seu conjunto de salvaguardas para impedir que políticos muito controversos conquistem o poder. Em presidencialismos mais modernos, há o segundo turno. Deu errado no Brasil, mas funcionou na França.

Nos EUA, a função de "gatekeeper" cabe aos partidos políticos. O sistema falhou quando uma figura como Trump driblou os caciques e conseguiu a indicação dos republicanos para disputar a Presidência em 2016. Já há quem fale que ele pode voltar em 2024.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Republicanos pedem que Suprema Corte suspenda contagem de votos pelo correio recebidos após eleição, OESP

 Beatriz Bulla / Enviada especial, O Estado de S.Paulo

06 de novembro de 2020 | 19h09
Atualizado 06 de novembro de 2020 | 19h56

WILMINGTON, EUA - O Partido Republicano da Pensilvânia entrou com ação na Suprema Corte americana nesta sexta-feira, 6, na qual pede que o tribunal ordene a separação das cédulas recebidas pelo correio depois do dia da votação e suspenda a contagem desses mesmos votos no Estado. É a primeira ação relacionada à disputa presidencial levada ao mais alto tribunal dos Estados Unidos depois da eleição.

A ação foi protocolada na mesma tarde em que o democrata Joe Biden passou na frente do presidente Donald Trump na apuração dos votos na Pensilvânia. Se confirmada a maioria de votos de Biden no Estado, ele vence a eleição, ao ultrapassar o número de 270 delegados necessários no colégio eleitoral. Autoridades estaduais anunciaram, no entanto, que a apuração pode levar "alguns dias". 

Até agora, Biden tem 14.716 votos a mais do que Trump, dos 6,7 milhões contabilizados no Estado. As cédulas restantes tendem a favorecer o democrata, pois são de regiões no entorno da Filadélfia, que tem alta concentração de eleitores do partido.  Com a margem estreita de diferença entre os dois candidatos, os resultados na Pensilvânia não foram considerados suficientes pela imprensa americana para anunciar quem venceu a maioria dos votos no Estado até o momento.

Filadélfia
Apoiadores de Donald Trump em ato na Filadélfia, Pensilvânia, na quinta-feira, 5. Foto: Rebecca Blackwell/AP Photo

Outros casos eleitorais -  incluindo sobre a Pensilvânia - já haviam chegado à Suprema Corte antes da eleição. Os republicanos tentaram derrubar a decisão da Suprema Corte do Estado da Pensilvânia que autorizou a extensão de prazo para receber as cédulas pelo correio até a sexta-feira após a eleição, às 17h. Por duas vezes, a Suprema Corte americana se negou a revogar a decisão do tribunal estadual, mas três juízes argumentaram que a ordem local pode ser inconstitucional, o que deixa uma brecha aos republicanos para levar novas contestações ao tribunal.

Em outubro, um dos pedidos dos republicanos para derrubar a decisão local da Pensilvânia não vingou após um empate na Suprema Corte. Quatro juízes foram favoráveis à extensão de prazo e outros quatro, contrários. A juíza Amy Conney Barrett, indicada por Trump para integrar o tribunal na reta final da eleição, havia tomado posse dois dias antes, mas não participou do julgamento. Com a nova integrante, o resultado pode ser diferente. 

As autoridades estaduais já haviam se comprometido a separar as cédulas que fossem recebidas após a terça-feira, em razão das pendências judiciais. Os votos pelo correio podem ser recebidos até três dias depois da votação no Estado, desde que depositados no serviço postal até a terça-feira da eleição. Os republicanos, no entanto, alegam que não há provas de que a medida esteja de fato sendo respeitada. Segundo eles, a Corte precisa determinar a separação para que as cédulas possam ser anuladas no futuro, caso a Justiça entenda que são inválidas. 

“Se os conselhos eleitorais do condado contarem e não separarem as cédulas que chegam atrasadas pode se tornar impossível para este tribunal reparar os resultados eleitorais contaminados por cédulas apuradas ilegalmente e fora do prazo ou enviadas pelo correio”, dizem os republicanos na ação.

O partido afirma ter entrado em contato com 67 condados no Estado para confirmar se as cédulas estavam sendo de fato separadas e 42 deles responderam de maneira afirmativa. A ausência de resposta dos demais é um dos argumentos do partido para pedir que a Corte ordene a separação das cédulas recebidas após a votação. Segundo o jornal Washington Post, "o tribunal geralmente exige mais provas em um pedido de liminar de que uma emergência está próxima". 

O número de cédulas recebidas pelas autoridades eleitorais da Pensilvânia após o fim da votação na terça-feira não é significativo. Entre quarta e quinta-feira, a Filadélfia recebeu apenas 500 votos pelo correio, segundo a imprensa americana. Como a disputa está acirrada, no entanto, republicanos e democratas brigam mesmo por margens pequenas

O efeito halo: julgamos mal até mesmo os hospitais, FSP

 

O efeito halo, um viés do comportamento humano, veio pela primeira vez à ciência em 1920, através de um artigo assinado pelo psicólogo Edward Thorndike. O belo nome chegava às publicações científicas em nítida referência ao aro luminoso habitualmente encontrado sobre a cabeça dos santos retratados em pinturas medievais. O adorno destaca o indivíduo representado sob seu brilho, a encarnação da piedade, bondade, devoção e da disposição para realizar sacrifícios sublimes.

Thorndike usou uma metáfora em alusão às auréolas santificadas para demonstrar uma forma do julgar. Basta notar o halo para saber que há um santo; basta encontrar uma única característica positiva em alguém para lhe atribuir outras qualidades virtuosas acopladas em elos. Essas não precisam ter correlação e dispensam confirmações para serem confiáveis. A bela característica é como um halo, que despeja virtudes e previne defeitos.

Cinquenta anos após o texto de Thorndike, um conjunto de psicólogos demonstrou como nós julgamos os considerados mais belos, influenciados pelo efeito halo. Tendemos a imaginar que os bonitos são mais bem sucedidos no casamento e no trabalho, que são mais saudáveis e mais inteligentes.

Até parece o jargão “julgar o livro pela capa”. Porém o efeito halo é mais complexo, como outro psicólogo, Joseph Forgas, demonstrou após um experimento.

Ele entregou a voluntários o mesmo exemplo de um texto filosófico. Mas Forgas dividiu os leitores em dois grupos com mesmo número de pessoas. Uma fotografia de um homem grisalho, de óculos, sobriamente vestido (o estereótipo do intelectual) foi apresentada como a imagem do autor do trecho para um dos grupos. A outra metade de participantes foi induzida a acreditar que uma mulher jovem, fotografada vestida casualmente, seria a autora.

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A aparência física do suposto autor criou o efeito halo: a obra filosófica teve mais avaliações positivas no grupo em que os indivíduos pensavam que o autor seria o homem. Portanto, podemos imaginar que a capa do livro influencia toda a leitura do livro, não somente o julgamento do primeiro olhar.

Homem tiram pintura de parede ao lado de imagem de santo com halo
No efeito halo, um viés do comportamento humano, uma característica positiva acaba puxando outras - Lucy Nicholson/Reuters

Não seria surpresa saber que o efeito halo é utilizado malandramente em comerciais, para impulsionar vendas. Muito menos, que é empregado em campanhas eleitorais.

Um candidato em vestes simples e informais ganha a aspecto de desapego ao dinheiro (portanto ao suborno), e da proximidade ao povo. O outro que alardeia sua patente militar de outrora, faz alguns acreditarem que ele é disciplinado, austero e correto. O julgamento superficial causa sólidas impressões. E às vezes situações hilárias, como a descrita no blog Cozinha Bruta.

Nem mesmo hospitais são classificados adequadamente por seus pacientes. Foi o que provou o sociólogo Cristobal Young, em recente publicação. Ele investigou como usuários avaliaram 3.000 hospitais dos Estados Unidos. A satisfação dos pacientes não vinha pelos indicadores de sobrevivência, muito menos pela qualidade de equipe médica. Entretanto, os pacientes se influenciavam por aspectos bem evidentes, relacionados à hospedagem e à alimentação.

Quartos silenciosos provocam muito mais satisfação do que ter menos riscos de morrer. Young destacou que competições entre hospitais por pacientes, favorecem melhorias na hotelaria, mas reduzem investimentos no desenvolvimento dos funcionários.

A dúvida causa desconforto psíquico. O raciocínio rápido poupa energia ao nos livrar de análises críticas, sempre mais longas e cuidadosas. O efeito halo é fruto deste processo mental acelerado, pouco analítico.

Mesmo sem resolver os problemas, traz a sensação subjetiva de congruência, silenciando o desconforto da dúvida. Mesmo apoiados em critérios superficiais, por vezes inconsistentes, o efeito halo nos tranquiliza e nos deixa confiantes. Assim depositarmos nossa fé em alguém ou em algo, sem enfrentarmos o esforço necessário para o melhor julgamento.

Referências:
Cristobal Young, Xinxiang Chen Patients as Consumers in the Market for Medicine: The Halo Effect of Hospitality Social Forces, 2020 https://doi.org/10.1093/sf/soaa007
Karen Dion, Ellen Berscheid. WHAT IS BEAUTIFUL IS GOOD Journal of Personality and Social Psychology 19722,. Vol. 24, No. 3, 285-290
Genevieve L. Lorenzo, Jeremy C. Biesanz, and Lauren J. Human Accurately Understood: Physical Attractiveness and Accuracy in First Impressions of Personality. DOI: 10.1177/0956797610388048
Joseph P. Forgas. She just doesn't look like a philosopher…? Affective influences on the halo effect in impression formation. European Journal of Social Psychology 2011 https://doi.org/10.1002/ejsp.842

Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.