quarta-feira, 6 de novembro de 2019

IBGE identifica que 13,5 milhões de brasileiros ainda vivem com menos de R$ 8 por dia, FSP

Indicador que mede número de pessoas na extrema pobreza se manteve estável em 2018 em relação a 2017

RIO DE JANEIRO
A ampliação da ocupação e o crescimento do rendimento no trabalho ajudaram a tirar cerca de 1 milhão de brasileiros da pobreza em 2018. Porém, o país ainda tinha 13,5 milhões de pessoas em pobreza extrema, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
 
O número se manteve estável na comparação com 2017, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE divulgada nesta quarta (6). Em 2018, 6,5% da população se encontrava nessa situação, 0,1 ponto percentual a mais que no ano anterior.
 
Pela linha definida pelo Banco Mundial —que é a métrica adotada pelo IBGE—, são considerados em pobreza extrema aqueles que vivem com até US$ 1,90 por dia (o equivalente a R$ 145 por mês).
 
Os brasileiros na pobreza extrema aumentaram 2 pontos percentuais entre 2014 e 2018, resultando, no ano passado, em 13,5 milhões de pessoas. 
 
"Esse contingente é superior à população total de países como Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal", analisou o IBGE
 
Por outro lado, são considerados pobres aqueles que tem o PPC menor que US$ 5,50 (R$ 420 por mês) por dia. E esse número caiu de 0,7% no ano passado, atingindo agora 52,5 milhões de brasileiros.
“Esse grupo necessita de cuidados maiores que seriam, por exemplo, políticas públicas de transferência de renda e de dinamização do mercado de trabalho", disse o gerente do estudo do IBGE, André Simões.
No Brasil, o valor do indicador de pobreza do Bolsa Família é de R$ 89, inferior ao parâmetro atual global de R$ 145. Em 2011, o valor de R$ 70 para o benefício era compatível com o valor global daquela ocasião (US$ 1,25 por dia). 
O gerente da pesquisa, André Simões, explicou que o valor atual está abaixo por falta de correções monetárias.
"É fundamental que as pessoas tenham acesso aos programas sociais e que tenham condições de se inserir no mercado de trabalho para terem acesso a uma renda que as tirem da situação de extrema pobreza", disse André Simões.
O IBGE creditou a melhora também ao crescimento do rendimento proveniente de aposentadorias e pensões. Porém, essa dinâmica está restrita à Região Sudeste.
 
"Nas demais regiões a variação não foi significativa", informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
 
Em termos absolutos, cerca de 1 milhão de pessoas alcançaram ou superaram o limite de US$ 5,50 por dia, mas 700 mil delas se encontravam no Sudeste. Já quase metade dos brasileiros (47%) abaixo da linha da pobreza no ano passado estava no Nordeste.
 
O Maranhão é a unidade federativa com o maior percentual de pessoas abaixo da linha da pobreza: 53% do estado. Santa Catarina, por sua vez, demonstrou a menor desigualdade, com 8% de pobres em sua população.
 
Todos os estados das regiões Norte e Nordeste apresentaram indicadores de pobreza acima da média nacional, de 25,3% dos brasileiros. Já as demais unidades federativas do país ficaram abaixo desse número.
 
O estudo do IBGE mostra que mesmo a inserção no mercado de trabalho não é condição suficiente para que a pobreza seja superada. Entre os ocupados, 14,3% estavam em situação de pobreza em 2018.
 
Desse total, 24,2% exercem a função de trabalhadores domésticos, enquanto 23,4% atuam como empregados sem carteira de trabalho assinada e 19,9% trabalham por conta própria. 
 
É possível analisar também que a pobreza não afeta igualmente a todos os brasileiros. 
 
Entre as crianças recém-nascidas até os 14 anos de idade, 42,3% estavam abaixo da linha. Os idosos representavam somente 7,5% do total.
 
Na comparação racial, as pessoas de cor ou raça preta ou parda eram 32,9% dos pobres brasileiros no ano passado. Os brancos não tinham menos da metade, com 15,4% deles abaixo da linha da pobreza.

Sr. Hyde ameaça engolir o dr. Jekyll no governo Bolsonaro, Igor Gielow, FSP (definitivo)


Sucesso econômico tende a reforçar radicalismo ignorado em nome da agenda liberal


A apresentação para apreciação do Congresso das primeiras medidas do que se pretende o mais amplo conjunto de medidas para atacar gargalos estruturais do Estado brasileiro na história, feita de forma cordata e com aceitação tácita dos limites da “realpolitik”, com adiamentos e ajustes de propostas.

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro se abraçam durante entrega de pacote legislativo ao Congresso
Paulo Guedes e Jair Bolsonaro se abraçam durante entrega de pacote legislativo ao Congresso - Adriano Machado - 5.nov.2019/Folhapress
A cena poderia ter sido descrita em qualquer governo de Itamar Franco para cá, mas ocorreu nesta terça (5) sob os auspícios formais de Jair Bolsonaro (PSL).
Seria excelente notícia, não fosse o governo em ação ontem uma versão século 21 do corpo de Henry Jekyll, aquele médico que se equilibrava precariamente por meio de um soro instável em sua encarnação de bom doutor e Edward Hyde, um ser inescrupuloso, violento e sádico.
A história publicada em 1886 pelo escocês Robert Louis Stevenson, “O estranho caso do doutor Jekyll e do senhor Hyde”, mais conhecida como “O Médico e o Monstro” entre nós, espelha bem o contraditório momento pelo qual passa o Brasil.
A semana passada teve Bolsonaro e sua hidra particular, um monstrengo com cabeças que incluem seus filhos e outros radicais, fazendo o governo mostrar toda sua face senhor Hyde. Foi sugestão de ruptura institucional, histeria ante investigações cada vez mais perigosas para o clã, ameaça à imprensa, o diabo.
Chega o fim de semana e Paulo Guedes surge na forma de soro salvador do governo, restaurando um aspecto de racionalidade ao conceder a entrevista à Folha na qual expôs as linhas gerais das reformas que irão aportar no Legislativo.
Aqui cabe um desvio. Guedes é o herói do pessoal do dito mercado, que tem frêmitos a cada engasgada do ministro da Economia. Apesar de isso ser natural após os anos finais da ruína petista, eles não veem o óbvio: Guedes é um personagem instável, vaidoso e com ideias bastante peculiares sobre a natureza dos pobres que compõem uma boa parte do país que diz representar.
Fica assim a esperança de que ele tenha apenas feito uma confusão ao opor o Estado hobbesiano em que supostamente vivemos à ideia preconizada por Rousseau; citasse John Locke e seria passável, do contrário estamos falando em jacobinismo como ideal.
Não deixa de ser divertido ver a esquerda, que idealiza Rosseau e ama um Terror, ver guilhotinas sendo armadas nas propostas de Guedes. É “nonsense”, assim como os gritos por impeachment de Bolsonaro que ecoam nas redes à esquerda; não há condições estabelecidas para isso hoje.
Há certamente excessos nas propostas que serão talhados e, de resto, nada disso vai passar tão rapidamente quanto os Robespierres bem nutridos da Faria Lima gostariam. Além do mais, há pontos francamente risíveis politicamente, ainda que façam sentido em palestras refrigeradas, como a ideia de fechar prefeituras.
Ao contrário, e aí a conversa é com Rodrigo Maia e com a exequibilidade de um arranjo que o mantenha como condutor da geringonça congressual após deixar a presidência da Câmara em 2020.

Bolsonaro, em "live", critica reportagem da Globo sobre suspeitos do caso Marielle em seu condomínio
Bolsonaro, em "live", critica reportagem sobre suspeitos do caso Marielle em seu condomínio - Reprodução - 30.out.2019/AFP
Voltando à narrativa gótica em que estamos inseridos, o fato é que o governo ora é o doutor Jekyll, ora é o senhor Hyde. Os entusiastas apontam para os inegáveis bons sinais da economia como uma das poções que podem manter o bom doutor no controle.
Tenho minhas dúvidas. A melhoria econômica precisa atingir o nervo mais exposto da crise, o desemprego, e não há garantias de que isso aconteça senão em surtos específicos —um incremento no setor imobiliário já insinuado nos grandes centros dispara, claro, a sempre altamente empregadora indústria de construção civil. O resto é injeção pontual de grana, um FGTS aqui, um extra no Bolsa Família ali.
Não se trata meramente de cálculo cínico sobre a conveniência eleitoral de um eventual “feel good factor”. O risco real é que, animado com os efeitos do soro, o senhor Hyde acabe por emergir e dominar por completo o governo.
Estabilidade política, o mercado não gosta de admitir, é fator central na condução de um programa de reformas bem-sucedido. Ainda há uma ilusão de que “o Congresso se vira sozinho”, como se a semana passada e sua bizarra discussão sobre a volta do AI-5 não tivesse ocorrido.
Eis o paradoxo. Um sucesso econômico tende a tornar o senhor Hyde a metade mais importante do governo de vez. E não é aceitável imolar princípios democráticos no altar da Bolsa.
A modulação do processo está nas mãos de Congresso e Judiciário, entes para lá de desgastados —nem a necessária punição a Eduardo Bolsonaro por sua bravata ditatorial parece que vai vingar, aparentemente trocada na bacia das almas pela convocação do loquaz general Augusto Heleno.
As Forças Armadas por definição são garantidoras de estabilidade, mas ali a distância que os altos-comandos fixaram de Bolsonaro após o apoio afobado ao então candidato é um marco ainda não testado.
Generais podem estar agastados por serem tratados a chute pelo governo em modo Hyde, e praças reclamaram do projeto de Previdência para a categoria. Mas o miolo das Forças segue, segundo relatos, fortemente bolsonarista, e tem correspondência nos efeitos policiais nos estados.
Por isso o resultado do julgamento sobre a manutenção da prisão em segunda instância e o comportamento de Luiz Inácio Lula da Silva caso seja beneficiado serão tão importantes. Hyde está louco por uma desculpa chilena para testar lealdades “ad extremum”, o que deixará Jekyll falando sozinho em longas e tediosas entrevistas coletivas sobre o futuro radiante.
Urge alguma normalidade. Nunca é demais lembrar que, no livro, o senhor Hyde venceu a disputa por controle do corpo com o doutor Jekyll —só para morrer ao fim.