segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Com penduricalhos, desembargadores do TJ-SP recebem R$ 56 mil por mês, José Marques, FSP



Em dificuldades para conter despesas com pessoal, o Tribunal de Justiça de São Paulo desembolsou neste ano, em média, R$ 56 mil mensais com cada um dos 360 desembargadores e também com os cerca de 400 aposentados da corte —segundo os últimos dados disponíveis, até julho.
O cálculo inclui não somente os salários, mas o recebimento de retroativos e benefícios como auxílios e abonos, em valores brutos, sem os descontos da Previdência e do Imposto de Renda.
Os dados foram levantados pela Folha em informações prestadas pela corte ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Mesmos após recolhimento dos impostos, cada magistrado ainda ficou, em média, com R$ 44 mil líquidos por mês.
Segundo o Tribunal de Justiça, os juízes têm direito a auxílio-alimentação, férias anuais, licença-prêmio e dias de compensação por cumulação de funções. 
Além disso, recebem retroativos, compostos principalmente de equiparações salariais, que são corrigidos pela inflação. Após os salários, são as maiores despesas pagas pelo tribunal aos seus integrantes.
De janeiro a julho, o gasto com retroativos dos desembargadores do TJ-SP foi de cerca de R$ 48 milhões.
Atualmente, o salário dos desembargadores paulistas é, sem contar os descontos, de R$ 35.462,22. Isso porque eles podem receber até 90,25% da remuneração de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), que é de R$ 39.293.
Mas ao salário são acrescentados outros pagamentos que não contam como gastos que ultrapassam o teto do funcionalismo —portanto, são legais.
Em São Paulo, a média dos pagamentos feitos a desembargadores não é tão diferente dos recebidos pelos juízes de entrância final (de comarcas cujas cidades atendidas têm mais de 100 mil eleitores), que foi de R$ 52 mil nos sete primeiros meses deste ano.
Os pagamentos de retroativos, diz o TJ-SP, são parcelados e na maioria dos casos não ultrapassa R$ 20 mil mensais.
Mas há exceções. Em maio, o desembargador José Fernandes Freitas Neto se aposentou e, conforme resolução da corte, como ele tem mais de 60 anos, pode receber em retroativos o equivalente a 120 de indenização de férias mais um terço.
Com isso, apenas em junho sua remuneração bruta chegou a R$ 159 mil —em retroativos foram R$ 87 mil, mais R$ 18 mil de antecipação de 13º, além de outros R$ 15 mil de indenização de férias. Com descontos, os rendimentos líquidos caíram para R$ 131 mil.
O TJ, no entanto, não é recordista nos altos rendimentos. Nos sete primeiros meses de 2019, a média de pagamentos do Tribunal de Justiça paulista foi a oitava do país —com a ressalva de que nem todos os tribunais informaram todos os meses ao CNJ.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, estado em dificuldade financeira e com sucessivos déficits nas contas públicas, tem a média maior do Brasil: R$ 70 mil. As menores são do Pará (R$ 39.758) e do Rio Grande do Sul (R$ 40.851).
Em reportagens na última semana, a Folha mostrou que o tribunal tem batalhado para viabilizar gastos bilionários ao mesmo tempo em que esbarra em órgãos de controle como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o TCE (Tribunal de Contas do Estado) e até em seus próprios integrantes. Ao mesmo tempo, o TJ acumula pedidos de verba extra e se consolida como dependente do governo do estado.
Também revelou que o TJ planeja a criação de uma “cidade judiciária” no centro de SP, com túneis interconectando os prédios da Justiça.
Desde o começo do ano, o TJ-SP se aproxima arriscadamente do limite máximo para não incorrer na Lei de Responsabilidade Fiscal. 
No primeiro quadrimestre, o Tribunal de Contas do Estado apontou que a Justiça paulista já havia chegado a 96,97% desse limite. O tribunal, atualmente, tem mais de 40 mil servidores ativos e cerca de 23 mil inativos.
Ao longo do restante do ano, se essa despesa ultrapassa 95% do teto, há uma série de medidas que passam a ser vetadas, como contratações, reajustes e remunerações. 
O TJ argumentou que foi prejudicado porque o TCE modificou o cálculo. Os presidentes dos dois órgãos se reuniram, firmaram acordo de adequação para os próximos anos e o cálculo anterior, favorável à corte, foi retomado.
Mesmo assim, no segundo quadrimestre, o Tribunal de Justiça ainda chegou a 94,12% do limite, o que acendeu um alerta do TCE —emitido quando um órgão ultrapassa 90%.
No estado, só o TJ ultrapassou esse limite: Executivo, Legislativo, Ministério Público e Tribunal de Contas estão abaixo desse percentual.
“Os TJs é que são as grandes fontes de despesas do Judiciário brasileiro. Verdade seja dita, eles são os principais responsáveis pela carga de trabalho”, afirma Luciano Da Ros, professor da pós-graduação em Políticas Públicas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Correspondem a mais de 60% da despesa do Judiciário e mais de 80% da carga de trabalho. Eles são os carregadores de piano, mas são também os grandes gastadores.”
Boa parte do gasto com pessoal do TJ paulista, Da Ros destaca com base em dados do CNJ, é referente a cargos em comissão. Enquanto a média dos tribunais brasileiros com cargos e funções em comissão em relação à despesa com pessoal é de 13,7%, no TJ-SP isso representa 34% da folha de pagamento, segundo o Justiça em Números, fonte de estatísticas do CNJ.
Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma que a despesa com comissões no tribunal segue parâmetros diferentes de outros tribunais estaduais e da Justiça Federal. 
“Temos um percentual de cargos em comissão apenas, e não de cargos em comissão e funções comissionadas como nos demais tribunais, principalmente os federais”, diz o órgão. “O quantitativo de cargos em comissão e de funções comissionadas são compatíveis.”
Sobre os pagamentos de retroativos, diz que “são efetuados atualmente de forma parcelada, dependendo da efetiva autorização e da disponibilidade financeira e orçamentária do Tribunal de Justiça, bem como da situação funcional de cada magistrado”.
Afirma ainda que “não há como identificar uma data fim” para esses pagamentos. O presidente da corte, Manoel Pereira Calças, afirma que espera nos próximos anos um crescimento do estado e melhora na receita, o que deve diminuir o percentual de despesa com pessoal.
TJ-SP, o maior do Brasil
360
Desembargadores 
2,6 mil
Magistrados

43 mil
Servidores

R$ 12 bilhões
É a previsão de orçamento para 2020, ainda não aprovada

25% do total de processos em andamento de toda a Justiça brasileira, com
20 milhões de casos pendentes no fim de 2018
Fontes: TJ-SP e CNJ

O peso da noite, Marcus André Melo, FSP

Fusão de elites políticas e empresariais cria deficit democrático no Chile

“Fuímos ‘los ingleses’ de América”, afirmou Diego Portales (1793-1837), o arquiteto do sistema institucional chileno pós-independência. A Inglaterra era o ideal de centralização política sob o primado da ordem e da autoridade; de modernização institucional e preservação de elementos dinásticos. No século 19, o país assistiu a pugnas contra “lo peso de la noche” (Portales) protagonizadas por dinastias familiares que Alberto Edwards —uma espécie de Caio Prado Jr., por sua importância e extração fidalga— denominou de “fronda aristocrática”.
Esses traços dinásticos da elite e os escândalos que essa protagonizou são um ingrediente da crise atual. Ao contrário do Brasil ou Argentina, as famílias empresariais —Edwards, Larraín, Errázuriz, Matte, Chadwick, entre outras— têm longevo envolvimento na política.
O bilionário Sebastián Piñera tem dois ex-presidentes em sua ascendência materna, e seu pai foi embaixador na ONU. Seu irmão criou o atual modelo previdenciário em 1980, quando ministro da pasta.
Os Larraín já chegaram à Presidência, e três de seus membros já ocuparam a pasta da Fazenda (inclusive a atual).
O presidente do Chile, Sebastián Piñera - Sebastián Beltrán/AGENCIAUNO/Xinhua
A lista de ex-ministros das famílias Errázuriz e Edwards é extensa. Sua influência está presente na Constituição atual, cujo autor intelectual foi Jaime Guszmán Errázuriz Edwards. Quatro ex-presidentes chilenos no século 19 eram da família Errázuriz. A titularidade do Ministério da Fazenda já passou pelas mãos dos Edwards oito vezes desde 1886, e a família é proprietária do El Mercúrio.
A família Alessandri já ocupou a Presidência duas vezes —com Arturo (1923-1925 e 1932-1938) e seu filho Jorge (1958-1962). O genro do primeiro —Arturo Matte Larraín— é o fundador do conglomerado Matte e ex-ministro da Fazenda.
Do atual ministério de Piñera dois membros são da família Chadwick, inclusive o ministro da Justiça, seu primo e “mão direita”.
Vários desses grupos familiares estiveram envolvidos na última década em escândalos. Há casos de corrupção no financiamento eleitoral (que atingiu todos os partidos, independente de ideologia, como no caso SQM) e em fundos de pensão. Além de escândalos de formação de cartéis de preços —das farmácias aos supermercados— o que provocou a ira dos novos cidadãos-consumidores produtos da robusta modernização. O caso do cartel do papel higiênico envolveu as famílias Ruiz-Tagle e Matte e levou ao afastamento do ministro dos Esportes.
Relações de consumo politizam-se quando há fusão entre a elite econômica e a política. Problemas empresariais tornam-se políticos.
O país prosperou, mas a fronda continua. A Inglaterra ainda está longe.
Marcus André Melo
Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

Melhora econômica alimenta instinto autoritário, FSP

Desafio de neutralizar elemento antidemocrático do bolsonarismo no poder começa agora para valer

O populismo, inato a regimes minimamente abertos, costuma ser menos danoso quando a economia vai mal. Os rompantes de Collor, em meio à recessão, redundaram no seu isolamento.
O germe populista, reprimido no primeiro governo Lula e no curto segundo mandato de Dilma, floresceu no período intermediário, marcado por forte alta da renda.
Fernando Henrique lambuzou-se no chamado populismo cambial enquanto a população ampliava seu poder de consumo. Foram dois ou três anos suficientes para ele arrancar do Congresso a reeleição em benefício próprio.
Jair Bolsonaro busca moto em loja em Brasilia - Pedro Ladeira/Folhapress
Tudo para dizer que o desafio das instituições brasileiras de neutralizar o elemento populista e autoritário da aventura Bolsonaro vai começar para valer agora, com a perspectiva de aquecimento da atividade econômica.
“Seu Jair” vai colher os frutos de uma correção de rota que se iniciou logo após a reeleição de Dilma e envolveu esforços reformistas de três presidentes e, sobretudo, duas legislaturas na Câmara e no Senado.
A popularidade do presidente parece que, no mínimo, parou de cair. Seu apoio segue firme no Sul e no Sudeste, porção rica e populosa do país.
Não é implausível que as agressões recentes praticadas por Bolsonaro e seu círculo de lunáticos contra organizações que atuam para encabrestar a besta da tirania tenham sido animadas pelo estimulante da melhora econômica.
Daí a importância de haver reação imediata e exemplar a disparates autoritários, como a conjectura sobre a volta do AI-5.
Estoura os tímpanos o silêncio do ministro Dias Toffoli, chefe do Poder guardião dos direitos civis, a esse respeito. Também calado, o procurador-geral, Augusto Aras, reforça a imagem de docilidade ao Planalto.
Quanto mais musculoso o candidato a caudilho, maior a força que as instituições democráticas têm de fazer para mantê-lo acorrentado.
Fernando Collor de Mello e Rosane a bordo de um jet-ski, em Brasília - Roberto Jayme - 27.mai.1990/Folhapress
Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.