quarta-feira, 9 de outubro de 2019

É a eleição de 2020..., Delfim Netto, FSP

Congresso está conflagrado pelos interesses antagônicos na distribuição de recursos

No fim do nono mês do seu governo, penso que o grande erro de Bolsonaro tenha sido não ter levado ao Congresso, na sua primeira semana, uma proposta de Lei Delegada (Art. 68 da Constituição) redigida por competente constitucionalista.
Talvez fosse a única saída rápida para o imbróglio em que estamos metidos. Aprovada, o que era muito provável diante: 1º.) da tragédia fiscal da União e, principalmente, dos estados e municípios de interesse de deputados e senadores e 2º.) do entusiasmo da formidável vitória eleitoral, ela teria dado ao ministro Guedes, com instrumentos de ação direta, não com promessas, uma fundada expectativa de algum crescimento social e econômico que, se equânime e sustentável, poria em marcha toda a economia.
Os fautores da "nova política", a despeito da longa vivência no Congresso, não aprenderam que ela tem regras. Palavra empenhada é palavra cumprida. Quando apoiada na promessa de uma autoridade a um líder político, não pode ser retirada, porque este a transmitiu a seus liderados e pagará o preço da leviandade com sua própria desmoralização. Suspeito que essa seja uma das causas do fracasso de algumas propostas do governo no Congresso. Não entenderam que todos têm interesses (como eles próprios tinham quando estavam lá) e que os embaraços e as facilidades concedidas às proposições do Executivo podem vir de sutileza, como a "escolha" dos relatores dos projetos.
O que tem acontecido no Congresso põe em dúvida a proclamada inteligência controlada, telepaticamente, pelo misterioso reduto palaciano, aquele que promete benesses sem autoridade e não entregou porque lhe faltou poder. No Congresso, o "fiado" tem prazo curto de validade! Na semana passada, a tal base mítica foi explodida por um coice de R$ 76 bilhões em dez anos que acertou, no peito, o ministro Guedes.
Deveria ser claro que o Congresso está conflagrado pelos interesses antagônicos e irredutíveis na distribuição de recursos (do resultado da cessão onerosa, por exemplo) pela proximidade da eleição de prefeitos e vereadores de 2020, que elegerá "um amigo ou um inimigo" de quem está no Congresso. Não é por acaso que a aprovação em segundo turno da reforma da Previdência foi posta em banho-maria. Na "emenda do coice", faltaram sete votos. Meu Deus, imagine o que eles valem!
Como disse o competente Rogério Marinho, "é evidente que alguma coisa não está correta. O governo terá tempo para se debruçar sobre o problema e tentar corrigi-lo". É o que o Brasil espera para não perder, mais uma vez, o crescimento que parece já ter começado.
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Congelamento de salários e redução na contratação garantiriam R$ 240 bi em economia até 2030, OESP



BRASÍlLIA - O Banco Mundial calcula que o congelamento dos salários do funcionalismo da União por três anos associado à redução da contração de novos servidores pode trazer uma economia de mais de R$ 240 bilhões até 2030. A primeira medida traria um alívio de R$ 187,9 bilhões e a segunda, de R$ R$ 52,56 bilhões no mesmo período. 
Esse é um dos cenários sugeridos pelo banco para propostas de reforma administrativa a partir de 2020.  O cenário prevê apenas os aumentos salariais relacionados à progressão de carreiras. 
Caso o governo reduza o salário de entrada dos novos servidores, a economia pode ser ainda mais expressiva, diz o banco no relatório sobre a folha de pagamentos do serviço publico brasileiro, divulgado nesta manhã. 
Se o salário inicial for reduzido a, no máximo, R$ 5 mil e aumentando o tempo necessário para se chegar ao fim de carreira, a economia acumulada até 2030 seria de R$ 104 bilhões. Atualmente, o setor público oferece altos salários iniciais para atrair candidatos qualificados, mas tem pouco espaço para recompensar os funcionários com melhor desempenho ou atrair profissionais qualificados do setor privado. 
No cenário mais difícil, se colocadas em prática todas as medidas sugeridas pelo Banco Mundial, a economia acumulada seria de R$ 389,2 bilhões até 2030.
Para o chefe da equipe elaborou o estudo, Daniel Ortega Nieto, uma estrutura salarial que combine salários iniciais menores com maior flexibilidade para pagar mais, com base no desempenho e na experiência, poderia permitir ao setor público manter os funcionários com melhor desempenho e atrair profissionais no meio da carreira, reduzindo, ao mesmo tempo, as grandes lacunas salariais nos níveis iniciais.
O relatório mostra que reduções nas taxas de contratação de novos servidores à medida que outros se aposentam têm pouco impacto fiscal no curto prazo, mas grande impacto no longo prazo. A taxa média de contratação de novos servidores, no período de 2008 a 2017, foi de 1,29 servidor para cada aposentado.
Dinheiro
Caso o governo reduza o salário de entrada dos novos servidores, a economia pode ser maior Foto: Fabio Motta/Estadão
O Bird estima que reduzindo tal taxa a um novo contratado para cada aposentado, geraria uma economia de R$ 44,91 bilhões e taxas de crescimento de 0,82%. Essa medida, porém, passaria a ter efeitos fiscais relevantes apenas no longo prazo. Em 2021, a economia como proporção do PIB seria de apenas 0,01%. 
Já o congelamento dos salários têm um grande efeito de curto prazo. Congelando por três anos os aumentos e os retornando posteriormente, haveria uma economia acumulada, até 2030, de R$ 187,9 bilhões e taxas de crescimento médio anual de 0,01%, em termos reais.
Para uma maior economia fiscal, o banco sugere repor apenas a inflação após o período que elimina os aumentos salariais não relacionados às progressões de carreiras. Nesse caso, a economia de gastos chegaria R$ 232,6 bilhões até 2030.
Para o economista do banco, reformas voltadas à economia nas despesas de pessoal envolvem necessariamente uma melhor gestão de recursos humanos para ganhos de produtividade. “Despesas de pessoal são tipicamente incomprimíveis no curto prazo por conta da estabilidade de servidores públicos e da impossibilidade de se reduzir salários”, diz ele, que recomenda também a reorganização da estrutura de remuneração das carreiras.
O banco destaca que, embora expressivas, as economias a serem obtidas ao longo dos anos com as medidas não seriam suficientes para permitir ao governo cumprir, nos próximos anos, a regra do teto de gasto, que impede o crescimento dos gastos do Orçamento acima da inflação. 

Shazam! ao contrário, Ruy Castro, FSP

Sergio Moro não se veste mais de Sergio Moro. Veste-se agora de Jair Bolsonaro

Nelson Rodrigues escreveu certa vez que, ao passar por Guimarães Rosa na rua, achava que, todas as manhãs, antes de sair, o autor de "Grande Sertão: Veredas" abria o armário e se vestia de Guimarães Rosa. Por acaso, tive a oportunidade de confirmar isso. Vendo Guimarães Rosa à espera de um táxi numa esquina de Copacabana, concluí que ninguém era mais Guimarães Rosa do que o próprio. Alto, muito aprumado, abraçado a um livro enorme --talvez um mapa do Itamaraty, cuja Divisão de Fronteiras chefiava--, seus óculos refletiam as nuvens. Mas, se Guimarães Rosa não pudesse ser Guimarães Rosa, quem poderia?
Sergio Moro, ministro da Justiça do governo Bolsonaro, faz diferente. Todas as manhãs, em vez de se vestir de Sergio Moro, veste-se de Jair Bolsonaro. Como suas constituições físicas são diferentes --Moro, muito mais corpulento--, os terninhos apertados, estilo Ducal, de Bolsonaro, parecem espremê-lo. Mas, pelo visto, isso não o constrange. Moro desfila mal-ajambrado perante a nação, como se ainda fosse o antigo Sergio Moro que se vestia a caráter para suas funções em Curitiba.
Ao trocar a toga pelo uniforme de um político cujo discurso de campanha já fazia prever o pior, Moro se arriscou a ter de trocar de farda segundo cada situação. 
Sempre que dá à praia um peixe podre envolvendo o governo a que agora serve --um filho do presidente suspeito de tramoias, outro que arrota ameaças contra as instituições, um ministro acusado de pilantragens eleitorais--, ele escorrega rumo ao silêncio. Mas, há dias, quando uma suspeita envolveu o próprio Bolsonaro, Moro, ao contrário, correu em sua defesa como se tivesse acesso aos autos da investigação. 
Assim como José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça de Dilma Rousseff, reduziu-se a advogado particular de Dilma, Moro está fazendo o mesmo perante Bolsonaro. Continua a gritar "Shazam!", só que ao contrário.