sábado, 1 de junho de 2019

Governo de SP processa servidores que denunciaram irregularidades na gestão, FSP (pauta)

José Marques
SÃO PAULO
Suspeitos de integrar a chamada máfia do ICMS, acusada de receber propina para cobrar menos tributos de empresas, 12 fiscais de rendas do governo paulista se tornaram réus em 2017. Na mesma época, a Secretaria Estadual da Fazenda tentava demitir um servidor que ajudou o Ministério Público a desvendar o caso.
Também fiscal de rendas, Henrique Poli Júnior acessou o sistema interno do órgão e forneceu provas das irregularidades dos colegas a promotores de Justiça. Em 2016, o Governo de São Paulo, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), o acusou de apresentar dados sigilosos aos investigadores e abriu um processo administrativo contra ele.
O caso de Poli Júnior, ao qual a Folha teve acesso por meio de processo que corre no Tribunal de Justiça de São Paulo, não é isolado. 
Ao contrário da esfera federal, em São Paulo não há previsão de que funcionários do estado fiquem imunes a processos administrativos, civis ou penais por informar a autoridades sobre irregularidades nos locais em que trabalham, especialmente quando suspeitam que seus superiores também estejam envolvidos.
Não há sinalização de que isso vá acontecer, ao menos até o momento, também no governo João Doria (PSDB), eleito sob promessa de combate à corrupção.
O fiscal Poli Júnior recorreu à Justiça para não ser demitido do governo e obteve decisão positiva do Tribunal de Justiça em abril deste ano, enquanto ainda tramitava o processo disciplinar. Por unanimidade, o voto do relator Rubens Rihl foi acompanhado pelos outros dois desembargadores.
No voto, o magistrado diz que “a atuação do Sr. Henrique [Poli] demonstrou seu zelo pela coisa pública e inquestionável probidade em sua atuação profissional”.
"Em razão da conduta irrepreensível do sr. Henrique Poli Júnior, foi possível a deflagração da Operação Zinabre, que ensejou a descoberta de esquema criminoso que movimentava milhões em propinas", disse Rihl.
Só na Fazenda, há ao menos outros dois casos similares. Um deles é o de João Ribeiro, que chegou a ser demitido por ter enviado um relato de supostas irregularidades na pasta ao Ministério Público em 2003, no segundo dos quatro mandatos de Alckmin.
O governo justificava que Ribeiro havia cometido infração disciplinar por ter faltado "com respeito à instituição em que trabalha e aos seus superiores hierárquicos ao imputar a eles atos de improbidade sem qualquer prova ou elemento indiciário". 
Ribeiro foi à Justiça. Acabou readmitido em 2011— só após a gestão José Serra (PSDB).
Outro fiscal de rendas, Gustavo Theodoro diz ter sofrido retaliações entre 2015 e 2018. Ele mediou o contato de colegas com promotores durante investigação do Gedec (grupo de atuação contra cartéis e lavagem de dinheiro) sobre delegados tributários, hierarquicamente superiores a ele na secretaria.
“Foram abertos, desde que comecei a incentivar que colegas fizessem representação de ilícitos ao Ministério Público, pelo menos nove procedimentos administrativos contra mim”, diz Theodoro. Três procedimentos ainda estão em tramitação. Os demais foram arquivados.
“Nunca sofri nenhuma condenação, mas, de certa forma, os próprios processos acabam sendo uma punição", afirma. Um dos procedimentos foi arquivado no início deste ano, o que para ele é um indício de que “o governo Doria tem dado sinais que quer evitar esse tipo de prática”.

PROJETO DE LEI

Casos como esse já provocaram mobilização na Assembleia Legislativa de São Paulo. Um deputado estadual, Danilo Balas (PSL), chegou a apresentar projeto de lei complementar com o objetivo de proteger quem denuncia irregularidades em órgãos do estado.
Ele propõe a inserção de uma cláusula no Estatuto dos Servidores de São Paulo similar à que já existe no estatuto federal desde 1990. A diferença é que o projeto dele acrescenta, expressamente, o Ministério Público como autoridade competente para receber as informações.
A matéria de Balas, que é agente licenciado da Polícia Federal, tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Legislativo de SP.
“De forma estranha”, disse o deputado em plenário no último dia 16. “Não há a proteção do servidor público aqui do estado de São Paulo que procura a autoridade superior, a autoridade competente ou mesmo o Ministério Público para denunciar casos graves ou casos de corrupção.” ​
O deputado estadual Danilo Balas (PSL-SP)
O deputado estadual Danilo Balas (PSL-SP) - Agência Alesp
Nos últimos dias, funcionários da CPTM, estatal paulista de trens, também se queixaram na Assembleia que temiam ser transferidos para locais distantes caso questionassem eventuais irregularidades no órgão.
Procurado, o Governo de São Paulo afirma em nota que o atual estatuto do servidor (de 1968) já “caracteriza como dever do servidor representar ‘aos superiores’ sobre todas as irregularidades de que tiver conhecimento no exercício de suas funções, cabendo notar que a flexão no plural dessa locução abrange os superiores imediatos."
“Além disso, a iniciativa de levar fatos ao conhecimento do Ministério Público não constitui, em si, ato passível de responsabilização disciplinar”, diz.
O governo afirma que apoia os servidores e que apura qualquer "denúncia ou suspeita de corrupção ou de atos de irregularidades".
Na interpretação do governo, nenhum dos casos apresentados pela reportagem se enquadraria no projeto de Danilo Balas. “A Corregedoria da Fiscalização Tributária desde janeiro de 2016 já interpreta a legislação desta forma e nenhum servidor foi sequer verificado seguindo a diretriz apresentada no PLC (mesmo ainda sem regulamentação ou previsão legal)”, afirma em nota a Secretaria da Fazenda.
“Em relação aos procedimentos da Secretaria da Fazenda e Planejamento a respeito do agente fiscal de rendas Gustavo Theodoro, importante esclarecer que não se tratam de forma alguma de divulgação de informações ao MP-SP. Ao contrário, um destes procedimentos foi inclusive iniciado a pedido do próprio MP-SP”, diz a Fazenda. 
Procurado novamente, Theodoro diz que apenas um dos processos contra ele, para apurar suposto enriquecimento ilícito, que ele nega, foi feito a pedido do Ministério Público. “Os demais foram de iniciativa interna.”
Casos questionados na Secretaria da Fazenda
Henrique Poli Júnior Servidor, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, acessou o sistema da Fazenda e repassou informações ao Ministério Público, que resultaram na Operação Zinabre, que apontou agentes fiscais suspeitos de participarem da “Máfia do ICMS” no estado
A operação também usou como base a delação do doleiro Alberto Youssef
Governo abriu processo disciplinar contra Poli, mas ele foi à Justiça e não foi demitido
João Ribeiro Em 2003, servidor enviou email ao Ministério Público apontando supostas irregularidades na secretaria
Estado chegou a demiti-lo, mas ele conseguiu reverter a decisão na Justiça
Gustavo Theodoro Incentivou colegas a procurarem o Ministério Público e denunciarem irregularidades de superiores.
Diz ter sofrido processos como punição após o episódio

Risco privado e retorno público (e vice-versa), FSP

Empreendedorismo social usa as práticas de mercado para criar um negócio sustentável

Minha definição para empreendedorismo social é: risco privado e retorno público. A Editora Mol, vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2018, distribui seu retorno para 49 ONGs.
Para os inconformados com as injustiças do sistema capitalista: o empreendedorismo social usa as práticas de mercado para criar um negócio sustentável cujo maior beneficiário é a sociedade. Seria muito melhor que os que gritam contra o neoliberalismo malvadão arregaçassem as mangas. 
 
Há muitas boas iniciativas. A Escola Comum forma lideranças políticas de jovens das periferias. A Sona Cicle (a quem dei pequenas sugestões) conecta refugiados e empregadores em países europeus. 
É óbvio que sempre haverá obstáculos (dificuldade de ganho de escala, por exemplo). Mas não é esse o ponto. Alguém está correndo risco para que todos ganhem. Quanto mais desses negócios, melhor.


Na outra ponta, de risco público e retorno privado, e estupefato pelos mais recentes acontecimentos na Hungria e na Polônia, recorri a Valerie Deacon, excelente historiadora especializada na Segunda Guerra Mundial: “Embora o fascismo seja notoriamente difícil de definir, seus governos compartilham certas características, como nacionalismo extremo, obsessão com o declínio da comunidade, militarização, vontade de usar a violência por meios políticos, a primazia de um líder e o limite à atuação da oposição”.
No caso húngaro, o governo criou uma lei específica para expulsar a Central European University, fundada por George Soros
Na Polônia, o governo passou por cima da prefeita de Varsóvia, que cancelou uma marcha nacionalista dominada por simpatizantes de extrema direita. Nesses se inclui a Juventude Polonesa, organização homofóbica e xenófoba, que queima bandeiras da União Europeia e prega a Polônia para poloneses. 
O presidente, que desenhou uma lei que tornaria crime escrever sobre a participação de poloneses no Holocausto, criou uma marcha com o mesmo percurso da original. A palavra fascismo tem um peso enorme, mas só podemos considerar um governo como verdadeiramente fascista quando usa as regras da democracia para subvertê-la.

Nosso sistema educacional está atrasado 50 anos. As crianças não conseguem aprender português e matemática, e tem gente preocupada com a doutrinação dos jovens. O Escola sem Partido é um retrocesso que já está nos custando muito —afinal, discutir seus deméritos demanda tempo e energia dos políticos e sociedade civil. 
Em vez de criarmos políticas que realmente podem nos tirar da lanterna dos rankings mundiais de educação, perdemos tempo em papagaiada conservadora, criada por uma extrema direita paranoica com nossos professores de esquerda. 
A iniciativa viola a Constituição brasileira (afinal, existe liberdade de cátedra), mas, mais importante, viola o bom senso. Pior ainda, foi criada por quem prega Estado mínimo, mas que, na hora de criar uma série de gastos públicos de monitoramento e processo contra professores, esquece suas crenças.

Meu livro “Economics of Global Business” (MIT Press) acabou de ser lançado. É o primeiro manual de macroeconomia para não economistas (graduação e MBA) a trazer exemplos de dezenas de países e incorporar mudanças climáticas a políticas macroeconômicas em linguagem não técnica. 
No passado, eu diria que ele estaria nas melhores livrarias. Mas o melhor lugar para encontrá-lo é mesmo a Amazon.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.