domingo, 3 de fevereiro de 2019

O que houve?, Tragédia Em Brumadinho, Marcos Lisboa , FSP

Explosão do ônibus espacial Challenger, em janeiro de 1986
Explosão do ônibus espacial Challenger, em janeiro de 1986 - Nasa/Reuters
O ônibus espacial Challenger foi lançado em 28 de janeiro de 1986. Entre os tripulantes estava o primeiro civil a ir para o espaço, uma professora do ensino médio. O objetivo era resgatar apoio para o programa da Nasa.
Setenta e três segundos após o lançamento, um vazamento de combustível resultou em chama e fumaça. Milhões assistiram ao vivo à trágica explosão da nave.
O governo convidou uma comissão de especialistas para estudar as causas do acidente. A grande maioria tinha vínculos com o programa espacial. Uma das exceções era Richard  Feynman, talvez o maior físico da sua geração.
As investigações revelaram que um engenheiro ficara preocupado com o frio extremo na noite anterior ao lançamento, mas uma reunião com técnicos concluíra que não era o caso de interromper o lançamento.
Os relatórios da Nasa reportavam que lacres dos tanques de combustíveis chamuscaram-se em alguns voos anteriores, mas não se identificara a causa do problema. Mais tarde, soube-se que um analista tinha comentado sobre fragilidades no material, porém fora ignorado.
Durante os interrogatórios, transmitidos pela TV, Feynman pediu um copo de água com gelo e nele inseriu um pedaço do lacre. Algum tempo depois, retirou o lacre do copo, que estava na mesma temperatura do dia do lançamento, e mostrou que perdera resiliência, tornando-se pouco eficaz.
Como disse Freeman Dyson, Feynman fez ciência ao vivo para o grande público e revelou uma das causas da tragédia.
Ele não parou por aí. A sua perícia técnica e imensa curiosidade identificaram pequenas falhas nas peças utilizadas nos ônibus espaciais e a pouca robustez dos testes de conformidade.
Feynman também mostrou que a gestão da Nasa era excessivamente otimista e pressionava para liberar os voos com base em análises rudimentares dos dados disponíveis.
Para piorar, os técnicos apenas investigavam os voos espaciais em que ocorreram problemas. Quando, porém, foram analisados os dados de todos os voos ficou evidente que a possibilidade de falha nos lacres aumentava significativamente com o frio, chegando a 14% caso a temperatura caísse abaixo de zero.
A governança inadequada da Nasa transformara a soma de pequenas negligências em uma grande tragédia.
Por aqui, pouco aprendemos com Mariana e o risco é pouco aprender com Brumadinho. Afinal, segundo muitos, como houve tragédia, alguém deve ter cometido crime. Basta prender os culpados. Dispensa-se a investigação técnica e vereditos são emitidos com a rapidez de uma cartomante.
As tragédias merecem maior cuidado e ciência para que se previna a ocorrência de novas vítimas.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Coisas que pensamos que sabemos, Ruy Castro , FSP

Não, 'Presidente Bossa Nova' não era um elogio a JK

Juscelino Kubitschek embarca no Rio rumo a Brasília, em 1960
Juscelino Kubitschek embarca no Rio rumo a Brasília, em 1960 - Folhapress
Um leitor, surpreso ao ler aqui (“O sertão da invenção”, 20/1) que Guimarães Rosa era um homem da cidade e tinha mínima vivência do sertão, me parou na rua: “Nunca podia imaginar. Rosa no sertão parecia tão natural!”. Mas gostou de saber que “Grande Sertão: Veredas”era muito mais um produto da genialidade do escritor do que simples observação e cópia da realidade. E concluiu: “É uma daquelas coisas que pensamos que sabemos, até descobrir que não é bem assim. E, como esta, deve haver outras”.
De fato, há. Eis algumas:
Frank Sinatra não era chamado de “Old Blue Eyes” —“Velho Olhos Azuis”. Essa expressão só apareceu como título de seu disco “Old Blue Eyes is Back”, de 1973. Nelson Rodrigues também não era chamado de “Anjo Pornográfico”. Embora tenha se definido assim, de passagem, em 1966, a expressão só ressurgiu como título de uma biografia sua, de 1992. E Garrincha nunca chamou um adversário de “João”. Isso foi uma invenção do repórter Sandro Moreyra, e que só fazia com que seus marcadores entrassem nele com mais violência —para não serem reduzidos a “Joões”.
Ao contrário do que se pensa, o apelido de “Presidente Bossa Nova”, dado a Juscelino Kubitschek por Juca Chaves numa canção, não era um elogio. Era uma crítica à obsessão de JK por aeronaves, que o fazia mandar parentes ao dentista de avião ou voar do Rio a Brasília só para ver a alvorada e voar de volta. A “bossa nova” do título também não se referia à música, mas a uma expressão comum na época, indicando uma novidade —uma “bossa” nova. 
E o samba “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil, não era bem uma homenagem ao Rio. Gil o compôs em 1969, ao sair da prisão da ditadura (em Realengo) e ir para o exílio em Londres. Era como se estivesse dando uma banana para o Rio e para o Brasil. As pessoas na época sentiam isso. Mas o Rio e o Brasil sabiam que não tinham culpa, e não se ofenderam.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.