sábado, 2 de fevereiro de 2019

SP registra primeiros 2 acidentes com patinete em que seguro é chamado, FSP

Casos aconteceram em ciclovias; neste sábado, prefeitura dá 1º passo para regulamentação

Ana Estela de Sousa Pinto
SÃO PAULO
Na semana em que a Prefeitura de São Paulo dá o primeiro passo para regulamentar o uso de patinetes elétricos na cidade, foram registrados os dois primeiros acidentes com o veículo que levaram ao acionamento de seguro.
No primeiro plano, o capacete de um motociclista, umamoça sobre um patinete cruza a rua, seguida por ciclistas. Atra´s há carros e moto esperando o sinal abrir
De patinete, moça cruza a av. Presidente Juscelino Kubitschek na ciclovia da avenida Faria Lima, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress
Os casos aconteceram na última terça (29) e quarta (30), com patinetes da empresa Grin, que tem parceria com a seguradora HDI.
Num deles, uma condutora caiu e se machucou. No outro, um pedestre foi atingido pela patinete —o condutor, nesse caso, não se feriu. Os acidentes aconteceram em duas ciclovias, a da av. Faria Lima (na altura do cruzamento com a Cidade Jardim) e a da Engenheiro Luís Carlos Berrini, ambas na zona sul da cidade.
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Até as 19h30 desta sexta (1º), nem a Grin nem a HDI tinham mais detalhes sobre os danos causados nos dois acidentes.
Foram os primeiros registros desde que a Grin começou a operar na cidade, em agosto. A emrpesa tem hoje em São Paulo cerca de mil veículos, que já rodaram mais de 4 milhões de minutos, segundo a cofundadora da empresa, Paula Nader.
Ela diz que estimular o uso seguro das patinetes é prioridade. “A gente sempre recomenda o uso de capacete, lembra que a patinete só pode ser usado por uma pessoa de cada vez, que é preciso manter as duas mãos no guidão, os dois pés na prancha, não usar celular, não fazer selfie nem vídeo.”
A  Yellow, que nesta semana anunciou sua fusão com a Grin numa nova holding batizada de Grow, afirma que a seguradora contratada, a Sompo, ainda não foi acionada em nenhum sinistro.
Ainda sem uma regulamentação municipal específica, o uso desses veículos é disciplinado por resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), que permite o tráfego em ciclovias e ciclofaixas a no máximo 20 km/h, e em calçadas, com velocidade máxima de 6 km/h.
O secretário municipal de Mobilidade e Transportes, Edson Caram, defende que em São Paulo seja proibido andar sobre as calçadas. “A prioridade tem que ser para os pedestres. Nossas calçadas hoje não são tão largas ou adequadas às vezes nem para o pedestre. Não dá para dividir com ciclista ou patinete.”
Caram também defende reduzir a velocidade máxima: “É muito perigoso trafegar  a 20 km/h na ciclovia. Se houver uma batida com outro veículo em direção contrária, o impacto dobra, o risco é maior ainda”.
Sobre a velocidade máxima nas ciclovias, Paula, da Grin, afirma que é preciso adotar com a patinete o mesmo comportamento que se tem com um carro. “Não é porque ele pode chegar a 250 km por hora que o motorista vai chegar a essa velocidade. E, se a condição da pista não é boa, é preciso reduzir.”
A executiva, que usa patinetes todos os dias, conta que em alguns pontos da ciclovia  chega a parar e apoiar o pé no chão, quando preciso.
“Como qualquer novo hábito, é preciso um aprendizado, criar uma cultura. As pessoas precisam entender melhor como usar a ciclovia e os novos meios de transporte. Parte do nosso sucesso é que os usuários se sintam cada vez mais seguros e confortáveis.”
A parceria da Grin com a HDI para atender aos usuários havia sido anunciada no começo do mês passado. “A seguradora desde o começo quis endossar a segurança do serviço. E a Grin quer enfatizar a necessidade da condução segura, que é o que interessa”, diz Paula.
Segundo a seguradora, a cobertura é feita em sistema de reembolso, para despesas médicas, hospitalares e odontológicas, até um limite de R$ 1.250.

NOVAS REGRAS

Neste sábado (2), a prefeitura publica no Diário Oficial um edital de chamamento, primeiro passo para começar a discutir regras para esse modal de transporte.
As empresas interessadas em atuar na cidade de São Paulo terão que se apresentar, entregar documentos e assinar um termo de responsabilidade em que se comprometem a acompanhar o usuário e os locais em que seus veículos estão transitando ou sendo estacionados.
O prazo para receber as inscrições vai até o dia 18 e, a partir daí, prefeitura, empresas, organizações não governamentais e outros interessados devem discutir regras como, por exemplo, onde as patinetes poderão circular, com que velocidade, se podem ou não usar as calçadas e onde podem ficar parados.
Além da proibição das calçadas e da redução da velocidade máxima, a prefeitura quer incluir na negociação sistemas de incentivo que levem os usuários a devolver os patinetes em estações próprias e onde ficarão esses pontos de estacionamento.
Também foi aberto a consulta pública um projeto de lei que organiza os serviços de compartilhamento de patinetes e bicicletas e cria parâmetros para integrá-los à rede tradicional de transportes, incluindo terminais de ônibus e estações de trem e metrô.
De autoria do vereador Police Neto (PSD), o texto autoriza o poder público a criar convênios público-privados para melhorar e ampliar ciclovias e ciclofaixas e estabelece diretrizes para que o município receba contrapartida pelo uso comercial do espaço público.
O vereador diz que a cidade pode se beneficiar se sair na frente para criar um marco regulatório enquanto o número de veículos ainda é pequeno, em relação à população.
“Temos apenas um milhar de patinetes, para milhões de habitantes. Há cidades em outros países que chegam a 40 mil para 800 mil moradores”, diz.
Em países como EUA, Israel e Espanha, o risco de acidentes levou até à proibição dos veículos. Três empresas foram expulsas de  Madri em dezembro por não cumprirem regras da prefeitura, que estabeleceu um número máximo por bairro e proibiu a circulação nas calçadas.
Em dezembro, uma mulher de 90 anos morreu atropelada por um patinete em Barcelona, cidade que emitiu mais de 3.000 multas a patinadores em 2018, por excesso de velocidade ou até mesmo por falar ao celular ao conduzir.
Cidades como San Francisco, na Califórnia, berço das startups de mobilidade, ordenaram a retirada das patinetes até que fossem criadas regras para o serviço.

PRINCIPAIS RISCOS

No principal centro de referência da cidade para acidentes graves de trânsito, o Hospital das Clínicas, ainda não chegaram casos de vítimas de patinetes ---nem de usuários nem de pedestres que tenham sido abalroados por elas---, diz o traumatologista do Instituto de Ortopedia Marcos Leonhardt.
“Espero que não aconteça, mas, se não houver uma legislação específica que discipline melhor o uso, é só uma questão de tempo”, afirma o médico, que costuma atender casos graves de acidentes com pedestres todos os dias e 1 a 2 casos de ciclistas por mês.
Leonhardt ressalta que a velocidade tem relação direta com a gravidade das lesões no caso de um acidente. Um impacto a 20 km por hora (velocidade máxima permitida nas ciclovias pela norma federal) equivale a uma queda de 3 metros de altura, relata ele.
As principais fraturas costumam ocorrer nas mãos, pulsos, cotovelo e ombros. Sem capacete, cresce  muito o risco de traumatismo craniano, que pode levar à morte.
O médico diz que, no caso de um atropelamento, membros superiores também são pontos mais expostos, porque a vítima tende a se proteger. Idosos e crianças correm riscos de lesões mais graves, tanto porque seus ossos são mais frágeis quanto porque seus reflexos são mais lentos.

    Foi um massacre, Opinião FSP (pauta)

    Catástrofe em Brumadinho tem características de um desastre anunciado

    Socorrista que atua na busca por vítimas após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG)
    Socorrista que atua na busca por vítimas após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG) - Mauro Pimentel/AFP
    Vídeos divulgados pela primeira vez nesta sexta-feira (1º) acrescentaram dramaticidade a uma tragédia que comoveu o Brasil inteiro. Após romper-se a barragem em Brumadinho (MG), a lamaavança sem dar chance a ninguém que esteja pela frente. Foi um massacre.
    As buscas por sobreviventes continuam, mas há cada vez menos esperança. Já são mais de cem mortos, e tudo indica que, infelizmente, o número final passará de 300.
    Não se imagine, contudo, que exista algo de inevitável nessa cifra. A contagem poderia ter sido bem menor se a Vale tivesse prestado atenção ao próprio plano de emergência da barragem.
    Conforme revelou esta Folha, a empresa sabia que o rompimento naquela mina destruiria áreas industriais, incluindo o restaurante e a sede da unidade, bem como uma pousada na região. Sabia e nada fez.
    Trata-se de “estudo de ruptura hipotética”, afirma a mineradora. Nada há de hipotético, porém, nas perdas humanas irreparáveis que já foram provocadas. 
    Tampouco parece imprevisível a ocorrência de catástrofes semelhantes no futuro. O fantasma de Mariana (MG), meros três anos atrás, não paira como lembrança daquilo que se deve a todo custo evitar, e sim como aviso de que o desastre voltará a acontecer.
    Um contingente enorme de brasileiros convive, quiçá sem saber, com esse horizonte sombrio. São 3,5 milhões de pessoas habitando cidades com barragens que apresentam risco de rompimento —um total de 45 estruturas vulneráveis, espraiadas por mais de 30 municípios de 13 estados. 
    A quantidade de reservatórios em situação precária talvez seja ainda maior; nem todos os órgãos fiscalizadores enviam informações completas às agências reguladoras. 
    O quadro é mais absurdo porque inexiste na legislação distância mínima a ser respeitada entre barragens e comunidades do entorno. Moradores de localidades com essas características têm, com razão, pressionado os prefeitos a apertar o cerco em relação à segurança.
    O descaso não se restringe ao nível municipal ou estadual. Em sua contribuição negativa à questão, o Congresso impediu, em 2018, que se aumentasse o valor das multas aplicadas pela Agência Nacional de Mineração, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo.
    Medida provisória do governo Michel Temer (MDB) estabelecia sanção de até R$ 30 milhões, mas, por omissão dos congressistas, a penalidade máxima permaneceu em R$ 3.200, ou pouco mais que a autuação a um motorista alcoolizado.
    No caso de Brumadinho, os R$ 350 milhões de multas até agora aplicadas à Vale se referem a infrações ambientais —ao menos 200 hectares de mata nativa foram destruídos.
    Se é certo que o endurecimento da legislação, por si só, é incapaz de resolver problemas em qualquer campo, não há dúvida de que a necessária atividade fiscalizatória, para ser eficiente, precisa de amparo em normas que lhe deem poder dissuasório.

    A globalização do Império Britânico, FSP

    brexit, processo que levou o Reino Unido a sair da União Europeia, transformou-se numa decisão caótica e autodestrutiva para os ingleses. O Reino Unido se isola sem saber para onde vai.
    Movimentos anti-integração e anti-imigração ganham força nos EUA e na Europa. Medidas protecionistas tendem a reduzir ou a “administrar” o comércio internacional, os órgãos e acordos multilaterais estão sendo repensados, surgem guerras comerciais, tecnológicas e, agora, perseguições pontuais a empresas estrangeiras. Em suma, o mundo parece querer frear ou mudar o processo de globalização.
    Mas a história é feita de ciclos que vão e vem, de forma pendular. Curiosamente a mesma nação que hoje não sabe o que fazer com o brexit conseguiu, há 200 anos, tomar medidas radicais que formataram o mundo atual, produzindo o primeiro movimento de globalização em escala mundial.
    Esse é o tema de “The Hungry Empire: How Britain’s Quest for Food Shaped the Modern World” (“O Império esfomeado: como a busca dos britânicos por alimentos formatou o mundo moderno”, escrito por Lizzie Collingham em 2017).
    O livro defende a tese de que a força motriz do Império Britânico no século 19 foi a busca por comida, que se traduziu em um império militar, comercial e gerador de grandes migrações.
    Na Revolução Industrial, a Grã-Bretanha tornou-se uma fervorosa defensora do livre-comércio.
    De um lado, a abertura da importação de cereais e o cercamento das propriedades privadas (“enclosures”) forçou os camponeses a deixar o campo para trabalhar nas manufaturas.
    Do outro, os territórios britânicos se expandiram na África, na Índia e na Oceania, e a sua influência militar e econômica chegou à China e à América do Sul.
    As estradas de ferro e os navios a vapor aumentaram o fluxo de pessoas e mercadorias. Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia e Argentina são exemplos de países que passaram a exportar grandes volumes de cereais e/ou carnes para a Grã-Bretanha, criando o primeiro grande movimento de interdependência agroalimentar entre os cinco continentes, especializando países e remodelando os hábitos alimentares.
    O livro defende que a migração maciça tinha essencialmente a ver com “colocar comida na mesa”. Por volta de 1850, um quarto da população da Irlanda (2 milhões de pessoas) morreu ou migrou por causa da contaminação da batata por um fungo.
    Não é diferente do que ocorre hoje com migrantes de países destroçados por guerras e fome, só que agora em direção ao Velho Mundo.
    A Grã-Bretanha montou um império marítimo que a permitiu exportar não só a população agrícola mas todo o setor agrícola, que foi produzir em outros partes do império e além dele. À época, mais que deter a posse de territórios, o termo “império” tinha a ver com domínio dos mares e do comércio.
    O Brasil foi um dos primeiros países que se beneficiaram desse movimento. O decreto de “abertura dos portos às nações amigas”, assinado por d. João 6º, em 1808, libertou-nos de Portugal como comprador único de nossos produtos.
    Infelizmente o protecionismo renasceu com força no entreguerras do século 20. Na década de 1920 o Reino Unido restringiu seu comércio às Commonwealth, destruindo imensa riqueza em países como a Argentina, que se tornara uma das 12 nações mais ricas do planeta exportando trigo e carne.
    As bases da expansão do império no século 19 e a freada brusca nos anos 1920 deveriam nos servir de lição um século depois, quando uma nova onda protecionista se faz presente no próprio Reino Unido e em outras geografias do planeta.
     


    Marcos Sawaya Jank
    Especialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP.