terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Bolsonaro assina decreto que facilita posse de arma de fogo, OESP

Breno Pires, Mariana Haubert e Tânia Monteiro, O Estado de S. Paulo
15 Janeiro 2019 | 12h26
Atualizado 15 Janeiro 2019 | 14h47


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Decreto do governo federal que flexibiliza posse de armas é assinado Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro  assinou nesta terça-feira, 15, decreto que altera regras para facilitar a posse de armas de fogo, ou seja, a possibilidade de o cidadão guardar o equipamento na residência ou no estabelecimento comercial do qual seja dono. É a primeira medida do presidente em relação ao compromisso de campanha de flexibilizar a posse de armas para a população em geral. Bolsonaro já afirmou que futuramente flexibilizará também o porte, isto é, a possibilidade de deslocamento da arma.
“Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu, como presidente, vou usar essa arma”, disse Bolsonaro, dirigindo-se para assinar o decreto. “Essa é uma medida para que o cidadão de bem possa ter sua paz dentro de casa.”
Entre as mudanças, foi ampliado o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos, tanto para civis como para militares. Também não será mais preciso comprovar a “necessidade efetiva” para a obtenção da posse: o interessado precisará apenas argumentar que mora em cidade violenta, em área rural ou que é agente de segurança, para satisfazer o requisito. 
Governo federal deve publicar novo decreto sobre posse de armas
Bolsonaro também deve flexibilizar porte de armas Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Na prática, cidadãos de todo o País terão esse requisito preenchido, pois o governo usará como critério para definir cidade violenta taxa de homicídios no Estado maior do que 10 por 100 mil habitantes. Segundo a fonte de referência escolhida pelo governo - o Atlas da Violência do ano de 2018, com dados referentes a 2016 -, todos os Estados superam esse índice. As taxas mais baixas são 10,9, em São Paulo, e 14,2, em Santa Catarina.
Para requerer o equipamento, atualmente é preciso submeter o pedido a uma superintendência da Polícia Federal, que faz uma análise sobre a necessidade e os demais requisitos. O objetivo do governo era impedir uma análise subjetiva, ou seja, que diante de um mesmo fato as avaliações de autoridades pudessem ser diferentes. Com a mudança, a autoridade policial aplicar as regras de maneira mais objetiva.
“O grande problema que tínhamos na lei é a comprovação da efetiva necessidade”, afirmou Bolsonaro.
O presidente disse ainda que estão sendo estudados mecanismos para que a Polícia Federal não fique sobrecarregada com a demanda. "Nós estamos sugerindo a possibilidade de abrir convênios com a Polícia Militar e a Polícia Civil."
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Prazo de validade do registro de armas passou de cinco para dez anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão
O Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), administrado pelo Exército e que inclui a concessão de armas para caçadores e atiradores esportivos, previa o prazo de três anos. O Sistema Nacional de Controle de Armas (Sinarm), que é o sistema voltado para a população em geral e é administrado pela Polícia Federal, previa cinco.
As exigências legais para a obtenção da posse de arma permanecem. O cidadão precisa ter mais de 25 anos, declaração de bons antecedentes, curso de tiro e teste psicotécnico.
Diferente do porte de armas, o direito à posse permite ao cidadão manter armamento em casa ou no local de trabalho, desde que seja o responsável legal pelo estabelecimento. As regras para obtenção do porte de armas, mais restritivas, continuam as mesmas. O porte permite ao cidadão andar armado pelas ruas.

Modificações

Iniciada no Ministério da Justiça e Segurança Pública, a construção do texto do decreto passou por várias modificações depois de chegar à Casa Civil. Alguns pontos previstos na minuta do decreto do Ministério da Justiça foram considerados restritivos por setores defensores do armamento da população, como a limitação de duas armas para cada pessoa. O número, então, foi ampliado para quatro armas.
"Na legislação anterior se podia comprar seis armas, mas, na prática, não se podia nenhuma. Com a legislação atual, se poderá comprar até quarta. Com a possibilidade ainda, se tiver de comprar mais armas, tendo em vista o número de propriedades rurais, por exemplo, pode obter uma maior quantidade de armas", explicou o presidente.
Outro ponto que sofreu resistência é a exigência de cofre em residências com crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência mental, para "armazenamento apropriado" em caso de armas de cano curto. Em casa com armas de cano longo, precisaria ser comprovada a existência de um "local seguro para armazenamento", segundo o decreto.
“O cidadão vai ter que, em uma declaração, dizer que na sua casa ele tem um cofre ou local seguro para guardar sua arma”, detalhou Bolsonaro.
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Americanos têm 40% das armas de fogo do mundo

Anistia

Por outro lado, conforme o Estado mostrou, ficou de fora um ponto que era defendido pelos setores armamentistas e pela bancada da bala na Câmara dos Deputados: a anistia para quem perdeu o prazo para recadastramento, que acabou em 2009. Embora o próprio Bolsonaro seja a favor dessa modificação, a conclusão da equipe jurídica é de que essa medida demanda alteração legislativa, o que só poderia ser feito por meio de medida provisória ou de projeto de lei, portanto, em etapa posterior.

“Questão do recadastramento (anistia) poderá ser tratada e um outro momento provavelmente por medida provisória”, disse Bolsonaro. 
O decreto presidencial é visto no governo como o primeiro - e mais importante - passo no compromisso de campanha de permitir que o cidadão exerça o direito de defesa. Em futuras etapas, Bolsonaro tentará flexibilizar o porte e facilitar as condições de compra de armamento.
Em 2018, o número de licenças destinadas a atiradores esportivos chegou à quantidade recorde de 45 mil - cinco por hora - e um crescimento de dez vezes nos últimos cinco anos. Já a PF concedeu 27 mil autorizações em 2018. Como o Estado mostrou no último domingo, o crescimento no número de registro de atiradores pode ser um reflexo das buscas de quem teve a licença negada na PF.

O que diz o decreto

Efetiva necessidade - "Considera-se presente a efetiva necessidade nas seguinte hipóteses:
I - Agentes públicos, inclusive os inativos;
Da área de segurança pública; integrante das carreiras da Agência Brasileira de Inteligência; da administração penitenciária; do sistema socioeducativo; envolvidos no exercícios de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em carácter permanente; militares ativios e inativos; residentes em área rural; residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública; titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais e industriais; colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército."
Cofre - "Na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, apresentar declaração de que a sua residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento".
Número de armas - "Aquisição de até quatro armas de fogo de uso permitido".

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Brasileiro Rubens Menin é um "bilionário oculto", diz Bloomberg, Época Negócios

O dono da construtora MRV, que foi personagem da capa de julho de Época NEGÓCIOS, foi incluído na lista de endinheirados que não aparecem nos rankings

Silvia Balieiro
Claus Lehmann
Rubens Menin entrando no seu jato particular: o dia de trabalho começa antes do sol nascer
Leo Drumond/Agência Nitro
A edição de agosto da revista Bloomberg Markets traz uma reportagem sobre os “bilionários escondidos”. A reportagem mostra alguns empresários que têm uma fortuna de mais de US$ 1 bilhão, mas não aparecem em listas e rankings.
O brasileiro da reportagem é Rubens Menin, o fundador da MRV, que foi o personagem da matéria de capa de Época NEGÓCIOS no mês de julho.
Com sua construtora e uma ajudinha do projeto federal Minha Casa, Minha Vida, Menin está prestes a se tornar o maior construtor de casas do mundo. Fundada em 1979 e presente em mais de 94 municípios de 17 estados, a MRV contabiliza anualmente R$ 3,7 bilhões em vendas. Segundo a reportagem da Bloomberg, a fortuna de Menin é de pelo menos US$ 1,6 bilhão. 
Editora Globo
Capa de julho de Época NEGÓCIOS
O brasileiro divide a reportagem com outros sete endinheirados de diferentes lugares do mundo. Entre eles o peruano Carlos Rodriguez-Pastor, da empresa de serviços financeiros IFH Peru, que possui pelo menos US$ 3 bilhões; o francês Alain Taravella, da companhia imobiliária Altarea; o alemão Guenther Fielmann, com pelo menos de US$ 3,4 bilhões.
Também aparecem o canadense Eric Sprott, que acumula US$ 1,3 bilhão; e a francesa Elisabeth Badinter, com uma fortuna de US$ 1,1 bilhão. A lista também tem um marroquino. É Anas Sefrioui, que também fez fortuna no ramo imobiliário com seu grupo Douja Prom Addoha, com pelo menos US$ 2,7 bilhões. 

A beleza nos foi roubada pelos gurus da publicidade, diz arquiteto Renzo Piano, FSP

Arquiteto italiano assume o projeto da nova ponte de Gênova após desmoronamento e defende prédios públicos que deem forma a mudanças em curso e construam a paz

O arquiteto Renzo Piano - Divulgação
Lucas Neves
PARIS
Recém-anunciado chefe dos trabalhos de construção da ponte de Gênova que vai substituir a que desmoronou em agosto, matando 43 pessoas, o arquiteto italiano Renzo Piano, 81, assume a função como um dever cívico.
O que não significa, para quem causou furor nos anos 1970 com as colossais estruturas expostas multicoloridas do Centro Georges Pompidou, em Paris, relegar a beleza ao segundo plano.
Para a estrutura a ser erguida em sua cidade natal, ele imaginou um deque no formato de uma proa e 43 grandes postes que aludem a velas de uma embarcação. Autoridades prometem entregar no fim deste ano a nave de aço, orçada em € 200 milhões, cerca de R$ 893 milhões.
O vencedor do Pritzker, maior prêmio da arquitetura, é também autor de projetos como os da sede atual do jornal The New York Times, da praça Potsdamer pós-reunificação de Berlim, do  novo prédio do museu Whitney, em Nova York, e do arranha-céu Shard, em Londres.
Segundo ele, seu ofício é um cruzamento de pragmatismo, espírito coletivo e poesia.  “Hoje, temos vergonha de falar em beleza. Ela nos foi roubada pelos gurus da publicidade”, lamenta, em entrevista em seu escritório parisiense, um dos três de onde saem os contornos de museus, igrejas, centros comerciais, tribunais de Justiça, hospitais, escolas e laboratórios universitários —os outros dois ficam em Gênova e Nova York.
Nomeado senador vitalício na Itália em 2013, Piano se diz mortificado pela ascensão ao poder em seu país de uma aliança que combina políticas anti-imigração, anarquia fiscal e um populismo desabrido.  
“Estou perdido, como que em luto”, diz. “Meu país não é intolerante, racista, está acostumado a ser a ponte, por estar no meio do Mediterrâneo.”
Para tentar remediar a “onda populista terrível” (na qual encaixa o presidente brasileiro Jair Bolsonaro), o arquiteto reorientou o foco de trabalho dos cerca de 150 funcionários de seus escritórios, que agora praticamente só se debruçam sobre prédios públicos –nas palavras dele, “máquinas, não de guerra, mas de paz”.
“A beleza e a cultura melhoram as pessoas, acendem uma luz nos olhos. E os prédios que acolhem essa cultura fazem da cidade um lugar melhor. É o oposto de um bombardeiro”, ele argumenta.
No mesmo sentido vai a disposição em ampliar os horizontes da arquitetura de ambição estética elevada. “É preciso começar a fecundar, a fertilizar as periferias. 
Elas são o começo do deserto, e o deserto cria monstros”, observa, dando como exemplo a votação expressiva de Donald Trump no interior dos Estados Unidos há três anos.

Em um vídeo recente, o senhor diz que se vira arquiteto para mudar o mundo, não para seduzi-lo. Qual é o papel social do arquiteto? É uma utopia. Cabe a nós construir os locais em que as pessoas se encontram, onde se produz o milagre da convivência. É por isso que, aqui no escritório, praticamente só fazemos prédios públicos: bibliotecas, hospitais, museus, salas de espetáculo, escolas e universidades.
Nasci numa família de construtores que não eram grandes empreiteiros. A empresa do meu pai não tinha mais do que 15 funcionários. Depois, tive a experiência das primeiras ocupações universitárias, em Milão, em 1962, 1963 e 1964, antes até do Maio de 68 em Paris.
Foi ali que entendi a vocação do trabalho do arquiteto; trata-se de uma arte pública, que lida com pessoas, com suas atividades, com a ideia de civilização. ‘Città’ e ‘civiltà’, cidade e civilização, são quase a mesma palavra em italiano.

Algum grau de sedução não tem mesmo lugar nessa arte de juntar cidade e civilização? Infelizmente, a arquitetura muitas vezes virou o métier do agradar a todo custo. Isso é grave, é trair sua real função, que é a de construir lugares em que as pessoas se sintam bem e de buscar a beleza.
Mas não a beleza cosmética, de superfície, e sim aquela que nada tem de frívola e se aplica tanto à natureza e à arte quanto à ciência e ao saber.
A alma não é guiada apenas pela necessidade, mas também pelo desejo. E às vezes este é ainda mais forte do que aquela. Então, a arquitetura não é só a arte de responder a necessidades. Deve atender igualmente a quereres, esperanças, sonhos. E isso é algo complicado.
Por quê? Por um lado, a arquitetura é extremamente pragmática. Trata-se de  projetar prédios e pontes que fiquem de pé, não desmoronem. Ao mesmo tempo, você é um pouco poeta, não pode esquecer a beleza.

Hoje, temos vergonha de  falar em beleza. Ela nos foi roubada pelos gurus da publicidade. Quando se fala em beleza, pensa-se logo em “beauty center”, spa, em cosmética ou em folders de agências de viagens.

E há ainda na arquitetura um aspecto político, cívico, por causa da relação com a coisa pública, com a ideia da vida em comunidade.

Para voltar à primeira questão, o arquiteto na verdade não muda o mundo, mas dá forma a mudanças em curso. Pensemos no Centro Georges Pompidou. Ele alterou a postura das pessoas sobre edifícios culturais. Mas não fui eu, o arquiteto, que operei essa mudança. Apenas tinha chegado a hora.
Havia acontecido o Maio de 68 em Paris, existia uma percepção crescente de que a cultura deveria ser acessível a todos, aberta, não intimidadora. Então, o museu virou o símbolo de uma mudança, que o arquiteto só materializou.
O que o motivou a desenhar uma nova ponte para Gênova dias depois do desmoronamento da antiga? Aquilo foi uma tragédia terrível. Uma ponte que cai é algo particularmente grave, porque ela cai três, quatro vezes. Na primeira, no caso de Gênova, cortou a cidade ao meio. Depois veio o trauma, e em seguida a necessidade de desalojar centenas de pessoas que moravam nos arredores.
Há que considerar também um aspecto quase espiritual. Uma ponte que cai é como um muro que se ergue. E era isso que estava acontecendo na Itália naquele momento. Enquanto a ponte ruía, barcos de resgate humanitário [de imigrantes à deriva no Mediterrâneo] eram proibidos pelo governo de atracar nos portos do país.
Uma ponte é sempre mais do que si própria: ela unifica, reúne. Essa queda representou uma tragédia humana, política e simbólica. Pontes não podem cair.
Falando em pontes, muros e política, como vê o nacionalismo isolacionista de líderes que ascenderam ao poder na Itália e em outros países? Aí você toca em um tema que me exaspera dia e noite. Meu 
país natal não é intolerante, racista. A Itália está acostumada a ser a ponte, por estar no meio do Mediterrâneo. Trezentas mil, 400 mil, 500 mil pessoas que, a cada ano, possam querer imigrar para a Europa passando por lá não são um fardo. Tudo bem.
Acho a onda populista terrível, mas não sei o que fazer diante dela, a não ser continuar o que sempre fiz: construir locais em que as pessoas se  encontram e compartilham valores. Já é alguma coisa.
O senhor se sente impotente diante desse fenômeno? Posso fazer o que sempre fiz, mas talvez melhor. Patrocino pesquisas de uma dúzia de jovens sobre as periferias urbanas. Mas é uma gota. Aqui no 
escritório, criamos um programa para acolher de 18 a 20 estudantes por ano.
Além disso, quase que só projetamos edifícios públicos, e esse tipo de construção vai servir como catalisador por anos e anos, seja uma biblioteca, um hospital ou um tribunal de Justiça. Também são gotas, só que um pouco maiores.
A quem precisamente essas gotas buscam se contrapor? Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos Estados Unidos, a aliança que comanda a Itália, [o primeiro-ministro Viktor] Orbán na Hungria. Vejo um quadro dramático. Não esqueça, nasci em 1937, sou filho da Segunda Guerra.
É claro que sofro com o populismo, mas a minha primeira reação enquanto construtor é: o que posso 
fazer? Desenvolver mais projetos públicos. Estamos trabalhando em vários hospitais, em um centro cultural na Rússia, em um museu de arqueologia em Beirute.
A verdade é que estou perdido, como que em luto. Mas reajo a ele, procurando as gotas possíveis.
Que espaço sobra hoje para debater o futuro das cidades, quando a atenção pública é sequestrada por temas como imigração, intolerância, populismo e disseminação de notícias falsas? Ele existe. As cidades ainda são lugares mais ou menos civilizados. Por isso, Trump teve pouquíssimos votos em Manhattan. Foi a América das grandes pradarias que o elegeu. Sempre são os desertos que fazem isso.
O islã que amedronta as pessoas não é o das metrópoles ou cidades litorâneas, mas o dos “desertos”. O 
deserto cria monstros.
Por isso o senhor tem realizado cada vez mais projetos em periferias de metrópoles, como o novo Tribunal de Justiça de Paris e os prédios da Universidade Columbia, no Harlem, em Nova York? É preciso começar a fecundar, a fertilizar as periferias. Elas são o começo do deserto, já não são a cidade, mas ainda não estão no campo.
Deixe-me contar uma história. Quando abriu em Berna um museu que projetamos, um ex-correspondente de guerra do New York Times foi cobrir. Perguntou quanto a construção havia custado. “Cem milhões de francos suíços”, eu lhe disse.
“Isso é o que custa um dia de operação de um bombardeiro americano no Iraque”, respondeu o repórter. Com o mesmo dinheiro com que se destrói uma cidade se ergue um prédio que, em 500 anos, ainda será um lugar de encontro para pessoas que compartilham valores e afinidades.
A beleza e a cultura melhoram as pessoas, acendem uma luz nos olhos. E os prédios que acolhem essa cultura fazem da cidade um lugar melhor. É o oposto do bombardeiro. Um edifício público, se bem feito, é uma máquina, não de guerra, mas de paz. Construir 
é um gesto de paz.
Fala-se cada vez mais em cidades inteligentes, com sistemas integrados de informação e sensores a serviço da praticidade. Onde fica a beleza nessa história? Acredito nesse modelo, mas construir um prédio supereficiente em termos de consumo energético não pode ser desculpa para abrir mão da ética ou da beleza. Elas são incontornáveis.
 

comentários

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ORLANDO FERREIRA BARBOSA

Agora
Ótima matéria. O que não faria um arquiteto desse, com esta visão humanista, projetando novas construções no Brasil, ainda um país do futuro?