sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Cruzada contra descartáveis chega a companhias aéreas e aeroportos, FSP

Hi Fly e Air New Zealand estão engajadas; aeroportos da Índia prometem banir plásticos de uso único em 2019

No dia 26 de dezembro de 2018, voos fretados da empresa aérea portuguesa Hi Fly partiram de Portugal para o Brasil sem utensílios de plástico de uso único no serviço de bordo. Foram os primeiros voos comerciais a ir para o ar livres deste tipo de plástico no mundo.
Bandeja de serviço de bordo da companhia aérea portuguesa Hi Fly, sem plásticos descartáveis
Bandeja de serviço de bordo da companhia aérea portuguesa Hi Fly, sem plásticos descartáveis -Fundação Mirpuri
Copos, colheres, saleiros e pimenteiros, sacos para enjoo, embalagens para cobertor, pratos, embalagens de manteiga, garrafas de refrigerantes e escovas de dentes foram os descartáveis banidos, segundo a companhia. Com ida e volta dos quatro aviões, a Hi fly anuncia ter deixado de jogar fora 350 kg de plástico.
Em substituição, foram usados talheres de bambu, embalagens de papel e recipientes biodegradáveis e que podem ser compostáveis. Os voos foram considerados testes para avaliar o desempenho e a eficácia dos novos materiais.
O presidente da empresa e da Fundação Mirpuri, Paulo Mirpuri, anunciou o compromisso de expandir a ideia para todos os voos da companhia em 2019. Disse que o potencial desse tipo de iniciativa é enorme, pois mais de 100 mil voos são feitos a cada dia no mundo todo. O total de passageiros transportados em aviões comerciais em 2017 foi de quase 4 bilhões.​
Avião da Hi Fly que fez os voos experimentais sem descartáveis no serviço de bordo faz  campanha contra a poluição dos plásticos
Avião da Hi Fly que fez os voos experimentais sem descartáveis no serviço de bordo - Fundação Mirpuri
Só o site Flightradar24.com mapeou 63.136.442 voos no planeta em 2018. Até 2035, a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) prevê um aumento para 7,2 bilhões de viajantes em aeronaves.
A companhia já havia eliminado plásticos de uso único dos escritórios e patrocina pesquisas e conferências sobre o perigo da poluição por plásticos. O Airbus A330-200 que faz o trajeto sem plástico é pintado com ilustração da campanha Mares Limpos, apoiada pela ONU.
A Air New Zealand também anunciou o compromisso de eliminação de 14 produtos de plásticos dos seus voos em 2019 —entre os quais copos, tampas, pratos e sacolas— e a substituição por alternativas de baixo impacto e opções reutilizáveis. Atualmente, a companhia queima mais de 25 milhões desses itens de plástico por ano. A ideia é zerar essa conta.
O plano de redução teve início em 2018 e é apoiado pelo Ministério do Meio Ambiente. A Air New Zealand removeu canudos de plástico, palitos de misturar, invólucros de máscaras e escovas de dentes plásticas de suas salas de embarque e a bordo de aviões.
Em 12 meses, a companhia calcula que reduzirá sua pegada de plástico em 260.000 escovas de dentes, 3.000 canudos, 7,1 milhões de agitadores e 260.000 capas de máscaras para os olhos.
Uma das economias mais poluidoras de plásticos no mundo, a Índia anunciou que vai proibir pratos, copos, talheres, canudos e sacolas descartáveis em 129 aeroportos do país. O país já havia banindo plásticos descartáveis na Região Nacional de Déli, no início de 2017.
O programa será gradual e o objetivo de tornar todos os aeroportos livres de plástico.
O setor aéreo é um grande vilão das mudanças climáticas. E não é para menos. Percentualmente, poucos habitantes do planeta voam (3% em 2017) e os voos consomem muita energia e causam muita poluição.
A parcela de contribuição da aviação para as emissões globais de dióxido de carbono é avaliada em 2% pelas próprias companhias, mas chega a 5% de acordo com alguns pesquisadores, porque, além do CO2, outras emissões têm efeitos sobre o aquecimento global, como o óxido de nitrogênio, o vapor dꞌágua, o material particulado e a formação de trilhas de condensação que alteram as nuvens do tipo cirrus.
O corte dos plásticos nos voos não resolve o maior problema do setor, mas traz substancial contribuição para a saúde do planeta.
Mara Gama
Jornalista e consultora de qualidade de texto.

João Pereira Coutinho Na prática a teoria é outra, FSP

1. A palavra populismo causa histeria entre o auditório culto. Entendo. Mas, se ficarmos apenas pela teoria, é perfeitamente razoável defender o populismo em determinadas circunstâncias históricas.
Se, como dizem os sábios, o populismo é uma espécie de ideologia em que o líder defende os verdadeiros interesses do povo contra uma elite distante ou corrupta, uma certa dose de populismo pode ser necessária para repor as regras do jogo democrático.

Avenida Paulista em 28 de outubro de 2018, data do segundo turno das eleições - Miguel Schincariol/AFP
Basta pensar no Leste Europeu sob o domínio comunista —um exemplo que Cas Mudde e Cristóbal Rovira Kaltwasser defendem no seu pequeno tratado sobre o assunto (“Populism: A Very Short Introduction”).
Lech Walesa, na Polônia, ou Václav Havel, na Tchecoslováquia, eram líderes populistas contra a elite moscovita —e ainda bem.
Saber se o populismo é bom ou mau, para usar a terminologia infantil, não deve ser apenas uma mera questão teórica. É preciso olhar para as consequências políticas do ideário.
Nos casos de Walesa ou Hável, o populismo de ambos fez-se em nome da democracia liberal contra a tirania. Sobre os populistas de hoje, aplica-se o mesmo raciocínio: o que resultou das suas palavras, atos ou omissões?
Yascha Mounk e Jordan Kyle publicaram um artigo na revista The Atlantic que resume algumas das suas conclusões empíricas.
Os autores olharam para 46 líderes populistas em 33 democracias no período entre 1990 e 2018. Os sinais não são animadores.
Para começar, os líderes populistas tendem a se perpetuar no poder: a média é seis anos e meio contra os três anos dos democratas “normais”.
Além disso, 50% dos líderes populistas analisados reescreveram, na totalidade ou em parte, as respectivas constituições com o fino propósito de enterrar a limitação de mandatos ou de suspender o poder moderador do sistema de “checks and balances”.
Como consequência, verifica-se uma regressão mais acentuada da “qualidade da democracia” quando existem populistas na praça: uma regressão de 7% na liberdade de imprensa; de 8% nas liberdades civis; de 13% nos direitos políticos.
Em matéria de corrupção, a besta negra do populista clássico, 40% dos líderes populistas sob estudo estão ou estiveram indiciados pela prática de crimes.
Moral da história?

O problema do populismo contemporâneo não está nos seus princípios, muito menos na sua lógica eleitoral. Está nas consequências mensuráveis da má governação.
Saber se essa tendência se mantém no futuro é pergunta para angustiar os democratas liberais. 
2. Assisto a “Roma”, de Alfonso Cuáron, e pasmo com o anacronismo do tema. Superficialmente, o filme revisita a infância do diretor e as mulheres que a habitaram: a mãe e a avó, sim, mas sobretudo a empregada, que na história dá pelo nome de Cleo (Yalitza Aparicio).
Todas elas são figuras fortes, estoicas, sofridas, ao contrário dos machos, invariavelmente covardes e débeis (“comme d’habitude”, acrescento eu). Mas o anacronismo de que falo é outro e merece uma breve meditação.
A história dos últimos 300 anos poderia ser contada sob o ângulo da “autonomia”. O projeto liberal, e sobretudo o liberalismo político moderno, fez da autonomia individual a sua causa sagrada.
Verdade: diferentes liberais concederam ao conceito roupagens distintas. A libertação prometida se fazia contra os poderes tradicionais; contra a pobreza e a ignorância; ou simplesmente contra qualquer ligação social, familiar, sentimental, que nos limita ou obriga.
“Roma” questiona o dogma e, mais, por meio de Cleo, da sua dedicação à família, apresenta-nos uma vida que está longe, muito longe, das emancipações triunfais do “homo liberalis”.
Nesse sentido, e até pelas semelhanças temáticas, é inevitável a comparação entre “Roma” e “Que Horas Ela Volta?”.
Gostei do filme de Anna Muylaert. Mas a história de Val (Regina Casé) obedece ainda a esse imperativo de libertação –no caso, a libertação da empregada da casa dos patrões, reduzidos a dois clichês burgueses de insensibilidade (ela) ou apatia (ele). “Que Horas Ela Volta?”, apesar dos seus méritos, é um filme que não resiste à tentação da ideologia.
“Roma” pertence a outro universo precisamente por recusar a voragem moralista. Nem a família é uma caricatura burguesa nem os empregados são caricaturas proletárias. Todos são como são, sem as máscaras habituais do cinema “engagée”.
E, sobre Cleo, a suprema heresia: será que a felicidade também se faz por apego a algo, ou a alguém, e não necessariamente pela mera renúncia narcísica a tudo aquilo que não foi feito à nossa imagem e semelhança?


João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.