Por quase um quarto de século, o PSDB dominou a política paulista. Sua hegemonia, ao menos na forma à qual o eleitor se habituou, termina em 2019 com uma pantomima —comandada, paradoxalmente, pelo novo governador tucano, João Doria, que não disfarça sua pretensão de usar o Bandeirantes como trampolim para o Planalto.
Nos discursos de posse, Doria prodigalizou críticas a seu partido, que enxerga necessitado de reestruturação e de sintonia com anseios da população manifestados pelo voto —referência à eleição de Jair Bolsonaro (PSL), mencionado três vezes.
Para Geraldo Alckmin, presidente do PSDB e tucano que mais tempo passou no governo paulista, sobrou uma única menção nominal. No mais, o empossado dirigiu-lhe alusões que beiraram a descortesia, como ao dizer que São Paulo agora teria comando e posição.
Declarou, também, que o palácio se tornará local de trabalho, que abrirá mão de morar nele e que não permitirá ali romarias de prefeitos em busca de cafezinho. Foi sua maneira acre de ridicularizar a política tradicional, tão bem encarnada no ex-governador.
O pós-tucano tampouco economizou citações ao Brasil e aos “brasileiros de São Paulo”. Apresentou-se desde já como presidenciável, tendo escolhido sete ex-ministros para compor seu secretariado. Como se estivesse na posse de Bolsonaro e não na própria, disse que fará privatizações sem medo de bandeiras vermelhas e caras feias.
Na Prefeitura de São Paulo, Doria comportou-se como alguém de passagem. Ungido candidato por Alckmin, o recém-prefeito de pronto passou a disputar com o padrinho a candidatura à Presidência. Sem sucesso, impôs-se como postulante ao governo estadual.
Após aderir a Bolsonaro e invectivar contra espectros socialistas, venceu a eleição. A estada de pouco mais de um ano no governo municipal, entretanto, deveria servir-lhe de lição de humildade e não de húbris: deixou longa lista de promessas não realizadas, como o anúncio de que acabaria com a cracolândia.
Agora, prioriza acabar com o crime organizado que São Paulo exporta para outros estados. Uma tarefa hercúlea, que não resolverá com bravatas de rigor policial.
Se pretende demonstrar firmeza de imediato, Doria poderia ser mais incisivo na cobrança de explicações do secretário da Casa Civil que resgatou de Brasília, Gilberto Kassab (PSD), ora sob investigação na esteira da Operação Lava Jato.